Sermão da Montanha: 154

CAPÍTULO 13

Segundo - No terreno social das organizações eclesiásticas acresce ao primeiro, outro



fator, aparentemente mais justificável: o homem altamente espiritualizado é sempre uma espécie de exceção da regra, é um pioneiro que abandonou as velhas estradas conhecidas e batidas pela turbamulta dos crentes e rasga caminhos novos, "por mares nunca dantes navegados", por ignotas florestas, por ínvios desertos que poucos conhecem. Esse homem ultrapassa, quase sempre, os caminhos tradicionais do passado, e até do presente, e abre novas rotas para o futuro. Toda e qualquer inovação, por mais verdadeira, é, no principio, considerada como erro, e até como perigo social.

Ora, é sabido que, no mundo espiritual, todo homem se sente grandemente inseguro, porque esse mundo lhe é desconhecido, como tudo que apenas se crê, sem dele ter experiência imediata. Nenhum crente sabe o que é o reino de Deus, assim como um cego de nascença não sabe o que é a luz, o que são cores, embora tenha decorado as mais verdadeiras teorias sobre esses assuntos. A única coisa que nos dá certa segurança ao homem inexperiente é o fato de que milhares e milhões de outros homens trilham esses mesmos caminhos, já por séculos e milênios, e muitos deles são bons e relativamente felizes.

De maneira que o fator "massa" e o fator "tradição" nos dão uma espécie de segurança e firmeza, no meio da insegurança e incerteza que, naturalmente, experimentamos por entre as trevas ou penumbras da vida espiritual. E isto nos faz bem.

Quando então aparece um homem que parece não necessitar desses elementos de segurança garantidos pela massa e tradição, dá-se uma espécie de terremoto que abala as instituições antigas. E os que ainda necessitam dos elementos massa e tradição começam a afastar-se desse revolucionário iconoclaste, a fim de não perderem o seu senso de segurança. Mesmo na hipótese de que esse iconoclaste possua verdadeira segurança interior, graças à sua experiência direta, essa segurança não é transferível aos outros, e assim é compreensível que estes, não tendo a mesma experiência, prefiram apegarse firmemente às tradições antigas que a massa professa.

E o arrojado bandeirante do Infinito fica só, ou faz parte duma pequenina elite, que não representa 1% da humanidade. Em caso algum pode esse homem apelar para uma longa tradição no passado; nunca houve grande massa de homens espirituais que fizesse tradição estratificada, e os poucos que houve ou há são praticamente desconhecidos da parte da humanidade-massa, que decide pela tradição.

Por isto, as sociedades religiosas organizadas, que contam sempre como fator massa e tradição, dão grito de alerta e de alarme, e previnem seus filhos contra o perigoso inovador, o herege, o demolidor, o apóstata. Quando as sociedades religiosas possuem suficiente poder físico, eliminam do número dos vivos o perigoso demolidor das tradições, e isto "pela maior glória de Deus e salvação das almas". Quando não possuem esse poder, procuram neutralizar a ação do herege matando-o moralmente, isolando-o por meio de campanhas sistemáticas de difamação e calúnia. E como, segundo eles, o fim justifica os meios, e como o fim é (ou parece ser) bom, todos os meios são considerados lícitos e bons, mesmo os maiores atentados à verdade, à justiça, à caridade.

Donde se segue que o homem espiritual vive numa relativa solidão. A massa não simpatiza com ele; se não lhe é positivamente antipático, mantém pelo menos uma atitude de apatia e desconfiança em face dele.

Para o homem espiritual, porém, o fator "massa" é sobejamente compensado pelo fator "elite" ou mesmo pelo simples testemunho da sua consciência em plena solidão.

Existe, aqui na terra, e por toda a parte, a "comunhão dos santos", isto é, a misteriosa união de todos os que conhecem e amam a Deus, a fraternidade branca dos irmãos anônimos formada pelos solitários pioneiros do Infinito. E eles sabem que é profundamente verdadeiro o que o grande Mestre disse: "Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles".

Dois ou três – porque nunca serão muitos, no mesmo lugar e tempo, os homens cristificados. E mesmo que sejam mais, nunca deixará de imperar a misteriosa lei da polaridade ou da trindade; dentro dum grupo maior haverá sempre essa constelação interna de dois ou três. A grande experiência crística circulará sempre entre dois ou três, e só mediante essa pequena constelação é que ela se comunicará ao resto do céu estrelado e às galáxias do universo espiritual.

No tempo de Jesus eram Pedro, Tiago e João essa tríade espiritual, que presenciaram o Mestre no seu sofrimento e na sua glória. O total dos discípulos era doze, quatro vezes três; e, quando um deles falhou, se apressaram os restantes onze a preencher a lacuna; mas quem designou o substituto de Iscariotes não foram eles, mas foi o "Espírito Santo", como referem os livros sacros. Nenhum homem podia restabelecer o número sagrado quatro vezes três; só o espírito de Deus. O homem, quando canal puro e veículo idôneo, serve de intermediário para canalizar as águas vivas que jorram para a vida eterna.

Já o grande Pitágoras sabia que três é o número da sacralidade vertical, e que quatro é o número das realizações horizontais, O número três é a mística do primeiro mandamento; quatro é a ética do segundo mandamento.

O homem justo é perseguido por causa da sua espiritualidade, tanto pelos indivíduos menos espirituais, como também pelas sociedades organizadas que necessitam de massa e tradição para sua sobrevivência; mas, apesar de tudo, ele vive num ambiente de paz e felicidade, porque está na "comunhão dos santos". "Bem-aventurado. . . dele é o reino dos céus".

O reino dos céus, porém, "está dentro de vós". . .