Estranhamente, a semana da morte de Jesus começa com o maior triunfo da sua vida terrestre, a sua entrada solene na capital de Israel, no primeiro dia da última semana, que hoje chamamos domingo de ramos.
É também esta a única vez que o Evangelho menciona ter Jesus montado num animal, não num fogoso corcel dos oficiais romanos, mas num humilde jumento, em que ainda ninguém havia montado.
É esta também a primeira e única vez que o profeta de Nazaré é delirantemente ovacionado a aclamado como "Filho de David", o que equivalia a uma tentativa de o proclamar herdeiro do trono real de Israel.
E Jesus aceita tranquilamente todas essas homenagens patrióticas de caráter quase nacionalista.
A sua fama atingira o clímax da popularidade.
Cerca de uma semana antes, na vizinha aldeia de Betânia, ressuscitara ele seu amigo Lázaro, no quarto dia depois da morte.
Neste domingo último, o Mestre, profeta e taumaturgo é alvo de um entusiasmo nacionalista. A tal ponto chegou o alvoroço do povo que muitos cortaram ramos e folhagens das árvores vizinhas e com eles juncaram as ruas por onde Jesus ia passar; outros estendiam na rua os seus mantos coloridos para que o grande profeta, montado em humilde burrinho, passasse sobre eles.
Todos clamavam em altas vozes: "Hosana! Bendito seja quem vem em nome do Senhor! Viva o Filho de David!" À frente do cortejo andavam os discípulos de Jesus atiçando o fogo do entusiasmo patriótico, na certeza de que chegara o dia suspirado da inauguração do Reino de Deus, que eles, como bons israelitas, identificavam com a restauração do glorioso reino de David e Salomão. Até as crianças estavam contagiadas pela embriaguez patriótica e cantavam viva a Jesus a tal ponto que alguns se escandalizaram com as ovações da infância, dizendo a Jesus: "Estás ouvindo o que dizem essas crianças? "Sim, estou ouvindo", respondeu Jesus, e acrescentou: "Se elas se calarem, até as pedras clamarão. " Encravada no muro do Templo Sagrado de Jerusalém estava a fortaleza romana, o famoso Castelo Antônia; Pilatos, o governador romano, deve ter estado sobre brasas. Que podia ele fazer com a sua pequena guarnição militar contra essa avalanche do entusiasmo popular? A fortaleza seria invadida pelas massas alvoroçadas e arrasada, como, mais tarde, aconteceu com a famigerada Bastilha de Paris, e nenhum dos dominadores estrangeiros escaparia vivo. Bastava que o Nazareno lançasse a fagulha do seu "sim" nessa enorme massa inflamável e bradasse o seu "independência ou morte".
Israel, escravizado, havia mais de meio século, proclamaria a sua independência nacional.
Mas. . . os lábios do Nazareno permaneceram fechados. O seu semblante continuava impassível, sem um sinal de alvoroço.
Quem podia compreender esse homem enigmático? Senhor de estranhos poderes mágicos, credor do entusiasmo de um povo inteiro – por que não se manifestava?
– quem podia compreender palavras tão misteriosas?
O cortejo triunfal se dirigiu à colina de Sion, em cujo topo se erguia o majestoso Templo, centro religioso e nacional de Israel. Todos esperavam que a proclamação da independência nacional de Israel fosse realizada nesse santuário.
Nada aconteceu. . .
Jesus não tomou atitude nem pró nem contra os anseios patrióticos de Israel.
Quem podia compreender esse homem enigmático?
Neste dia memorável, Judas 1scariotes, o único discípulo judeu de Jesus, acabou por se desiludir definitivamente. O Rabi da Galileia não era o que ele esperara. . .
Ao entardecer, retirou-se Jesus de Jerusalém e foi passar a noite e os dias seguintes com seus amigos Lázaro, Maria e Marta, em Betânia, perto da capital. Sabia ele que se aproximava o sanguinolento ocaso da sua vida terrestre, e ele queria passar esses últimos dias na convidativa companhia de algumas almas sintonizadas com ele. . . Grande foi também a decepção da Sinagoga, conselho religioso de Israel. Se esse homem, como dizia o povo, era o Messias anunciado pelos profetas antigos, porque não se declarava a favor do povo eleito de Deus?
De tudo isto sabia Jesus – mas não reagiu, e foi tranquilamente ao encontro do seu destino trágico. Ele não era deste mundo. Não pensava como os habitantes do planeta terra. Para ele, martírio e morte não eram o fim da vida.
Ele viera à terra com outro plano. "Ninguém me tira a vida – dissera ele – eu deponho a minha vida quando eu quero, e retomo a minha vida quando eu quero. " Quem podia compreender um homem tão incompreensível?