Foi num dia de carnaval!…
Cerca de 45 anos são passados e ainda o vejo chegando ao local indicado para nosso encontro, com o sorriso meigo e o jeito característico de andar, tranquilo e modesto.
Realizava-se, naquele momento, o mais belo e ansiado sonho de minha vida. Junto de Mamãe e de pessoa amiga, intermediária do encontro, ali estava na então pequena cidade de Pedro Leopoldo.
Viajáramos de trem e chegando à tardinha dirigimo-nos ao lugar combinado: um café, que ainda hoje existe, na rua principal, próximo à Igreja e em frente a um sobrado onde funcionava um clube recreativo.
Até esse encontro mantivéramos contato apenas através de correspondência.
Lembro-me de um detalhe curioso que assinalou, de forma marcante, o nosso relacionamento epistolar, caracterizando-o já como lição doutrinária, cujo alcance somente mais tarde compreenderia: na referência interna da correspondência, principalmente de um belíssimo cartão, mencionava sempre um nome, como se fosse a destinatária: Yolanda! No envelope, contudo, meu nome e endereço certos.
Em minha ignorância, realmente não sabia a que atribuir o fato. Recolhia, apenas, a mensagem, cunhada sempre com aquela característica generosa que todos nós lhe reconhecemos. Quando muito, poderia me passar pela ideia que, em virtude do grande número de pessoas com as quais convivia, trocasse o meu nome.
Logo às primeiras palavras, com referências pessoais, disse: “Sim, aqui está a nossa Yolanda!”
Não é preciso alongar-me para esclarecer que se tratava de alusão a uma existência anterior, que não cabe detalhar. Retomemos o fio do meu depoimento.
Pouco depois, fixando Mamãe, disse o querido Chico: “ Vejo uma senhora idosa, sorridente, olhando-a com muita ternura. Diz chamar-se Carmela.” Mamãe disse-lhe não saber quem era. Chico Xavier, sempre tranquilo e risonho, aduziu: “Ela diz que era sua parenta.” Outra negativa de Mamãe.
Após pequena pausa volta o Chico a complementar, lentamente: “Ela está dizendo: Giardino del mio cuore.” Mamãe, muito emocionada e em lágrimas, exclama: Meu Deus, é Mammamela, a minha avó. Era só assim que ela me chamava!”
Dali para diante, houve perfeita integração entre nós. Como disse no início deste depoimento, era um dia de carnaval.
Em meio ao culto pagão, a bênção da presença divina: de um lado, o turbilhão ruidoso; do outro, a suavidade da ternura amiga.
Lá em frente, no clube, os gritos comuns às comemorações carnavalescas; aqui, a palavra generosa, mesclando sabedoria e amor. Deus e Mamon, em situações bem definidas e bem próximas.
Paralela à excitação das fantasias e máscaras, a pureza do lírio do Senhor transmitindo as Verdades Eternas. Gritos e gargalhadas misturados em estridentes canções, lá fora; alegria e encantamento na palestra que transcorria como que em um oásis repousante, calmo e tranquilo, no recinto do café.
Movimentação estrepitosa entre os partidários de Momo; harmonia e paz entre nós.
Assim foi, assim é e será por todo o sempre o querido amigo Chico Xavier: porto seguro, alma benfazeja, paz na tempestade. Todos nós bem sabemos disso.
Quanto a mim, ali permaneci, em noite memorável, até que,
sempre em sua companhia, fomos ao Hotel onde nos reservara lugares, Hotel Diniz, se não me engano.
Conosco ali permaneceu até duas horas da madrugada, o que era considerado muito tarde naquela época, mas que, na realidade, representou para mim uma fração de segundo, retirando-se depois para retornar pela manhã, proporcionando-nos a continuidade dos abençoados momentos que, como o tesouro da referência de Jesus, jamais me será tirado do coração agradecido.
Assim foi o meu primeiro encontro com o nosso querido Chico Xavier. E a partir daquele dia entremeamos sempre o Céu em nossa vida, quando no generoso intercâmbio com o querido amigo, nunca deixando de render graças a Deus pela preciosa dádiva que me foi concedida pela presença de Francisco Cândido Xavier, reencarnado neste mesmo período em que, mais uma vez, desfruto de uma nova oportunidade reencarnatória.
As bênçãos de sua presença são incontáveis.
Identificando-me com o espírito deste livro, destaco, a seguir, à guisa de testemunho, algumas ocorrências mediúnicas.
Fôramos chamados a testemunho inesperado: meu cunhado, Francisco Scalzo, marido de minha irmã Hilda, muito estimado por todos nós, especialmente por meu Pai, que, na ocasião, encontrava-se enfermo, assistia na televisão, em nossa casa, a um programa humorístico. Para tal, acomodara-se em um sofá, na sala onde estávamos reunidos.
Num intervalo da programação, alguns se levantaram e um de seus filhos, o Roberto, hoje rapaz, trás-lhe um biscoito, que ele, imediatamente, levou à boca.
O garoto senta-se na cadeira, em frente do sofá, e, de imediato, vejo-o levantar-se surpreso, encaminhando-se a seguir para junto do pai. Pergunto o que era e ele respondeu: “Papai parou de comer! “
Chegamos junto dele e tão tranquilo estava que as frases jocosas surgiram: Deixe de brincadeiras! Você vai engasgar-se com o biscoito!…
E o sorriso continuou em sua fisionomia serena, sobrepujando a violência do enfarte fatal, num testemunho de amor aos familiares, aos quais realmente dedicara sua existência.
Momentos dolorosos se seguiram, na azáfama das providências consequentes ao fato.
Mais tarde toca o telefone e a doce voz de nossa querida Luiza Xavier; irmã do Chico, nos diz de Pedro Leopoldo: “Nenem, o Chico telefonou de Uberaba pedindo para tocar para você perguntando o que há!”
Informei-a do que se passara e ela, perplexa, não se conformava com a rudeza do acontecido.
Era a presença do grande amigo no momento doloroso! Sua mensagem de reconforto chegava na hora certa com a discrição e naturalidade que assinalam o “fazer com a mão direita sem que a esquerda o saiba.”
Não fora a abençoada palavra-mensagem do querido Chico Xavier e não teríamos vencido aquele momento e outros que se seguiram com intervalos relativamente pequenos, com as desencarnações do meu Pai, Giácomo Aluotto, e do meu marido, Adriano Berutto.
A sequência de testemunhos culminou com uma tragédia que assinala penoso récorde até o momento: a perda de nove pessoas da família, três adultos e seis crianças com menos de oito anos (mães, filhas e netos representando três gerações) retornando à Pátria Espiritual de uma só vez, em desastre aéreo que a imprensa designou “A Tragédia de Caparaó.”
O conforto das notícias asserenou-nos as almas conturbadas e saudosas, no transe angustioso…
Mais recentemente, há cerca de um ano e meio, outra vez a palavra-conforto do querido amigo chegou-nos ao coração com a partida de nosso convívio de mais uma sobrinha, Elisabete, no curto período de nove dias, em consequência de acidente cirúrgico. Trinta e um anos de idade, casada, deixou três filhinhas de cinco, dez e doze anos.
Outro caso acrescenta-se neste depoimento, não mais envolvendo a família, mas as nossas atividades na União Espírita Mineira, fundadora e mantenedora do Colégio O Precursor.
Certa vez o Colégio enfrentava problemas difíceis, tão difíceis que, parecendo-nos insolúveis, levavam-nos a pensar se não seria inevitável o encerramento de suas atividades.
Valendo-nos da oportunidade de nossa presença em sua casa, em Uberaba (eu, o secretário da União Espírita Mineira, Martins Peralva, e seu filho, Basílio), acertáramos previamente que, como assunto não doutrinário, falaríamos apenas sobre o Colégio, a fim de não perdermos os preciosos momentos daqueles dias a nós doados por misericórdia do Alto.
Todavia, qual não foi a nossa surpresa quando, ainda à distância e antes dos cumprimentos normais, o querido Chico, antecipando o assunto, falou: “Como vai o Colégio?” E logo após essa pergunta, palavras de incentivo e orientação, como chuva de bênçãos para os nossos corações apreensivos: Percorram as ruas, se necessário, mas não fechem o Colégio! Não é dificuldade, é pressão. O Colégio O Precursor é o cartão de visita da União Espírita Mineira! Continuem enquanto Deus assim o determine.
E o Colégio O Precursor, departamento educacional da União Espírita Mineira, está completando 23 anos de ininterrupto funcionamento.
Nessa mesma visita a Uberaba, outro acontecimento mediúnico.
Encontrava-se ali o comandante Santinônimo (assim entendemos o seu nome), que nos relatou singular ocorrência. Aterrissara ele seu avião em pequena cidade do interior do Maranhão, a fim de pernoitar e levantar voo na manhã seguinte.
Como a temperatura estivesse elevada, deixou aberta a janela do quarto, pensando fechá-la mais tarde, antes de adormecer, o que não fez, porque adormeceu profundamente.
Mais ou menos às 4 horas da madrugada, despertando; lembrou-se da janela aberta. Levantou-se, para fechá-la, mas verificou, surpreso, que estava fechada. Estranhou, naturalmente, o fato, mas logo o esqueceu.
Semanas depois foi a Uberaba para visitar o Chico, que o recebeu com as seguintes palavras: “Meu caro Santinônimo que susto você me deu, deixando aberta a janela do hotel! Receoso de que algo lhe acontecesse, fui fechá-la, enquanto você dormia!”
Relato, agora, outro episódio revelador da personalidade espiritual de Chico Xavier, ocorrido por ocasião de sua vinda à capital mineira para receber, na Secretaria de Saúde, em 8 de novembro de 1974, o diploma de Cidadão de Belo Horizonte.
Dia seguinte, visitou a União Espírita Mineira. Após 7 horas de atendimento aos que o procuravam, com a bondade de sempre, fomos surpreendidos com ruidosa manifestação em um grupo de pessoas que vinham em nossa direção.
Empunhando uma arma, alguém bradava: “Ninguém vai tocar em Chico Xavier: Eu o defenderei de qualquer um. Ele é um santo!”
Notava-se o desequilíbrio da pessoa, o que aumentava a apreensão de todos, especialmente porque em sua mão havia a realidade de uma arma de fogo, de grosso calibre…
A movimentação aumenta no recinto, uns se apavorando, outros procurando correr, e outros, ainda, tentando controlar a pessoa.
O Chico, tranquilo, afasta-se um pouco do grupo e põe-se em silêncio, permanecendo, contudo, no recinto.
Descemos ao andar térreo pensando em providências defensivas, e, para nosso alívio, um jipe com militares da PMMG para junto ao meio-fio e os seus ocupantes, comandados por um distinto sargento, vêm ao nosso encontro, sendo recebidos com as seguintes palavras: “Graças a Deus vocês chegaram em boa hora: estamos com problemas lá em cima!”
E antes de qualquer explicação, para surpresa nossa, o Chefe da Patrulha fala: “Não tem nada não, vamos subir. O senhor Chico Xavier foi nos chamar na estação rodoviária, onde nos encontrávamos em serviço de ronda. Viemos logo atender ao chamado!”
Fora evidente o fenômeno de .
Em poucos minutos a situação normalizava-se. O difícil foi impedir os nossos estarrecidos comentários…
Ainda por ocasião da cidadania de Chico Xavier, em Belo Horizonte, outro fato significativo, pelo muito de generosidade que encerra.
Havíamos prometido aproximar do médium o caríssimo amigo Sr. Francisco de Paula Andrade, Assessor da Presidência da Câmara Municipal, e pessoa merecedora de nosso eterno reconhecimento. No entanto, na azáfama das providências e da própria solenidade, esquecemos.
Eram já duas horas da madrugada e o meu desapontamento crescia, pela omissão involuntária. Nisso, o telefone chama e a
voz querida de Chico Xavier fala: “ Neném, você poderia dar um recado à Wanda Marlene? Diga-lhe que o sobrinho dela esteve aqui e tocou belos números ao violão. Gostamos muito. E olha, Neném: quanto ao Sr. Andrade não se preocupe, eu estive com ele!”
Respondi-lhe emocionada: “Chico, querido amigo, você não imagina que alívio para mim. Estava sem poder dormir, tão grande a preocupação de haver deixado de cumprir um dever.”
Ainda com a mesma tonalidade generosa e amiga, que todos conhecemos, falou: “Não tem nada não, está tudo bem.” Seguiram-se palavras e mais palavras de alegria. Mais tarde,
refletindo, compreendi mais uma vez a grandiosidade do coração amigo de todas as horas, vindo ao encontro dos aflitos, sobrepondo-se à realidade da distância e da hora.
Assim tem sido Chico Xavier. O que exponho, neste depoimento, representa um décimo do muito que ele tem feito em favor de todos nós.
Para definir o que representa ele, na atualidade, não creio, sinceramente, me seja possível dizê-lo com precisão.
Diante de sua laboriosa existência, que assinalamos especificamente com o cinquentenário de sua tarefa mediúnica, torna-se impossível expressar o que transcende à minha capacidade de raciocínio.
Recorro às palavras de seu admirável benfeitor no livro Palavras de Emmanuel: “No serviço cristão lembre-se cada aprendiz de que não foi chamado a repousar, mas à peleja árdua, em que a demonstração do esforço individual é imperativo divino.” ()
“Todas as seitas religiosas, de modo geral, somente ensinam o que constitui o bem. Todas possuem serventuários, crentes e propagandistas, mas os apóstolos de cada uma escasseiam cada vez mais.”
Isso define, em meu entender, parte do que significa Chico Xavier na atualidade. “Pelo fruto se conhece a árvore.” (Mt
Observando os frutos do seu Trabalho, do seu Apostolado, só encontro uma expressão para lhe dizer: Louvado seja Deus que me permitiu, agora, a reencarnação numa época e num País em que foi possível conhecer, amar e manifestar minha gratidão e respeito ao querido Chico Xavier! (Vide a descrição da feita por Da. Aluotto Berutto já desencarnada)
(Av. Olegário Maciel, 1195 - Belo Horizonte, MG.)