As notícias que chegavam àquela cidade cresciam e alcançavam sítios longínquos, conduzidas pelos viajantes pressurosos.
Ali estivera pregando João, conclamando à penitência, numa lavagem simbólica dos pecados, "abrindo os caminhos para o Senhor".
No ar festivo que invariavelmente caracterizava os encontros, agora pairava a trágica notícia da decapitação do "Batista", em Maqueronte, na região erma de Pereia.
Uma tristeza profunda, cheia de mágoa e ressentimento, se refletia nos que ali passavam, recordando, talvez, os benefícios que recolheram do Apóstolo Precursor. . .
Com o término das Festas das Tendas, retornavam aos grupos que se demoravam pelas cidades do itinerário, visitando parentes, comentando, recordando. . .
Aquele mês de Tishri [23] fora excitante.
Durante as Festas, em Jerusalém, o ódio judeu se aguçara, apertando-se o cerco em torno da figura do Messias.
Os dias e as noites frios permitiam, no entanto, os agrupamentos em Bethabara, como anteriormente nas quadras de pregação de joão.
Dois anos atrás, o Rabi passara por aqueles sítios, e Sua alma continuava impregnada das emoções sublimes que a visitaram, quando se acercara das águas frescas e deixara-se batizar "para que se cumprisse o que estava escrito. " A permanência, agora, se faria mais demorada. A região da Pereia necessitava d’Ele. . .
Os dias, passava-os escutando os sofredores, atendendo aos enfermos, oferecendo as diretrizes do Reino.
As chuvas caíam fortes àquela época do ano, espalhadas por lufadas poderosas de vento.
Eles chegavam em grupos, provenientes de vários lugares.
Durante todo o dia apareciam, desciam as encostas do rio, na direção de Bethabara.
Traziam no semblante as alegrias indizíveis da tarefa cumprida e do dever concluído.
Os corações cantavam salmodias, aguardavam ansiosos o momento de narrarem as ocorrências felizes da jornada encetada.
Aqueles homens não haviam visitado apenas as cidades populosas e as estradas reais. Estiveram nas aldeias e venceram os caminhos das montanhas abertos pelas cabras. Revezaram-se no afã apostólico, abriram clareiras e prepararam a sementeira.
Reuniram grupos às bordas do lago, nas praças dos mercados, junto às tendas. . .
Agora desejavam relatar.
A manhã brumosa ocultava o Sol comumente causticante naquela região. As árvores estavam sombreadas pela bruma pesada.
As chuvas cessaram e a terra úmida parecia exultar de esperanças, como se aguardasse feliz semeadura.
Esperavam ansiosos a presença do Rabi, que saíra a atender necessitados das cercanias.
E enquanto esperam, recordam. . .
O Mestre fizera amigos entre os que O ouviam. Todos eram beneficiários do Seu amor e tudo fariam por atestar-Lhe gratidão.
Exultavam de júbilo ao ouvi-lO pregar.
Depois de escolhidos os Doze, que se encarregariam de espalhar a Promessa do Reino próximo, Ele os chamara, dentre os que, na multidão, O escutavam e amavam. Dissera-lhes, algo comovido: A seara é grande, mas os obreiros são poucos; rogai ao Senhor da seara que envie obreiros para a sua seara.
Ide: eis que vos mando como cordeiros ao meio de lobos!
Não leveis bolsa, nem alforje, nem alparcas. . .
Em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: paz seja nesta casa. Se aí houver algum filho da paz, repousará sobre ela a vossa paz; e, se não, voltará para vós. Ficai na mesma casa, comendo e bebendo do que eles tiverem, pois digno é o obreiro de seu salário.
Não andeis de casa em casa.
Em qualquer cidade em que entrardes, e vos receberem, comei do que vos puserem diante.
— Curai os enfermos que nela houver, e dizei-lhes: E chegado a vós o Reino de Deus.
— Mas em qualquer cidade em que entrardes e vos não receberem, saindo por suas ruas, dizei: até o pó, que da vossa cidade se nos pegou, sacudimos sobre vós. Sabei, contudo, isto, que já o Reino de Deus é chegado a vós. . .
Fulguravam, enquanto Sua boca enunciava as sublimes recomendações, os raios dourados do Sol no claro céu.
As terras áridas da Judeia contrastavam com os verdes campos da Galileia e as ricas searas fronteiriças ao lago.
Partiam com o Espírito febril de emoções inexplicáveis. . . E voltavam, felizes. . .
Filipe, que fora chamado para esparzir as sementes de luz, rogara primeiro "enterrar o pai"; ali estava, agora, ouvidos atentos, comovido até às lágrimas, escutando a narrativa eloquente dos seareiros ditosos. Tocado, seguiria depois a evangelizar, como diácono, a Samaria e o Saron, acompanhado das suas quatro Filhas, todas médiuns-proféticas da Igreja Primitiva.
— Mestre, trazemos o coração rico de alegria, como a tâmara madura, encharcada de mel.
— Felizes, vós que pudestes amanhar o solo dos Espíritos!
— Quantos nos ouviam, pareciam escutar-vos a Vós, e a palavra em nossa boca se enriquecia de eloquência e melodia, vibrando musical saber que perturbava os mais sagazes e astutos; era como se estivéssemos tomados pelo Espírito Santo! "
— Ditosos, sois vós, por oferecerdes condição à Verdade . . .
— Ninguém nos rejeitou, em qualquer lugar. Os demônios submetiam-se docilmente, e muitos dentre os ex-possessos ajoelhavam-se aos nossos pés, adoravam-nos, como o fazem os pagãos diante dos seus ídolos. Esclarecemo-los, estarrecidos!
— Acautelai-vos e tendes, vigilância. O mal é untuoso e a presunção envenena o Espírito. "Bem sei o que fizestes. Eu vi o Espírito Imundo cair, atraído aos abismos", mais isto não é o bastante. . .
— Não experimentamos sede, nem fome, nem dor. Levantamos paralíticos, em Vosso nome, abrimos olhos apagados à luz e colocamos nossas mãos sobre eles, chamando por Vós.
'submetendo serpes e escorpiões aos vossos pés", mas ainda não é o suficiente. . .
— Não foram poucos os que se levantaram para cantar hosanas depois que explicamos os dias em que vivemos, o que ouvimos de Vós, o que temos visto. . .
— Não vos alegreis porque se vos submeteram os Espíritos;
alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus.
E como todos se aproximassem para escutá-lO, exorou, sereno, o Rabi: Graças Te dou, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, que escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste às criancinhas;
assim é, ó Pai, porque assim te aprouve!
Os olhos fulguravam como madrugada celeste e o vento frio Lhe esvoaçava os cabelos despenteados. O rosto magro adquirira transparência e apresentara-se brilhante como se luz ignorada o banhasse interiormente, exsudando diáfana claridade.
— Tudo por meu Pai me foi entregue; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
Ignotas melodias cantavam no vento frio.
Abaixando a voz até à musicalidade da ternura, falou especialmente aos Doze e aos Setenta discípulos convocados para a extensão das Boas-novas: Bem-aventurados os olhos que veem o que vós vedes.
Profetas e reis desejaram ver o que vós vedes, e não o viram;
ouvir o que ouvis, e não o ouviram.
Pesado silêncio caiu, imediato, sobre todos.
As árvores balouçavam levemente.
O canto do Jordão no vale alargado pela cheia invadia as cercanias.
O Mestre retirou-se.
Os Setenta e os Doze procuraram as tendas.
Os ouvintes se dispersaram.
Dentre eles, os Setenta chamados para a expansão da Palavra de Vida, saíram Barnabé, que colaboraria eficientemente com o Apóstolo Paulo; Sóstenes, que também cooperaria nos escritos aos Coríntios;
Cléofas, um dos visitados na estrada de Emaús. . .
Ter os nomes escritos nos céus para servirem sem cessar à Causa da Verdade, encaminhados periodicamente à Terra.
Mil vezes seriam convidados à atitude branda de ovelhas entre os lobos do caminho evolutivo.
Renasceriam na indumentária carnal, séculos afora, recordando os ensinos do Rabi, investidos dos recursos de submeterem os Espíritos das Trevas, portadores do Verbo Inflamado, da pena rutilante, preparando os dias do Consolador nos longes do futuro.
Mas, voltariam, principalmente, para viverem o Evangelho a se entibiar com o perpassar dos tempos, de modo a mantê-lo vivo e estuante até o momento da reconstrução do Mundo, no instante da sinfonia imponente entoada pelas vozes do Céu. . .