Nuvens esvoaçantes nas franjas do vento jornaleiro. A imensa planície humana a perder de vista.
A considerável extensão de terra, à espera de ser sulcada pelo arado promissor.
O mar, velho amigo, debruçando-se em ondas coroadas de brancas espumas nas areias e nos seixos da praia larga.
Assentado no barco, Jesus alongou os olhos pela planície dos corações e lembrou-se da terra inculta. Tomado de imenso amor pelos homens, depois de falar sobre muitas coisas, considerou: Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho.
A luz derrama filões de ouro vivo no céu anilado.
O ar transparente cicia aos ouvidos atenciosos da multidão.
(. . .) E vieram as aves, e comeram-na. . .
O Reino dos Céus é semelhante. . .
O homem bom semeou a boa semente na boa terra; enquanto dormia, um homem mal semeou joio na boa terra. E cresceram trigo e joio. Ora, para salvar o grão sadio foi necessário arrancar o escalracho, erradicando, naturalmente, muito trigo são. O joio, em molhos, foi queimado e o trigo ensacado foi posto no celeiro.
O grão de mostarda é o menor de todos, no entanto, cresce e a planta se torna grandiosa. As aves nela se alojam, procurando agasalho nos seus ramos. . .
O fermento insignificante leveda a massa toda.
O tesouro que um homem encontrou é tão valioso, que tudo quanto possuía vendeu para tê-lo seu.
Outro homem descobriu uma pérola de incomparável valor e de tudo se desfez para consegui-la. . .
Uma rede lançada ao mar reuniu muitos peixes, bons e maus, que foram separados pelo pescador. Assim, mais tarde, serão separados os homens que se candidatam ao Reino dos Céus. . .
Outra parte caiu em pedregais, onde não havia terra bastante.
Vindo o Sol, queimou-se, e secou-se, porque não tinha raiz. . .
As coisas ocultas, Ele as desvela em parábolas.
Era uma vez. . .
Um homem, pai de família, preparou a terra, plantou-a, circundou-a de um valado, e construiu nela um lagar, edificou uma torre e arrendou-a a trabalhadores. A época dos frutos mandou buscar a parte que lhe pertencia. Os posseiros da terra mataram os primeiros servos, os que vieram depois, e mesmo o Filho do Homem, os criminosos o mataram. Quando, porém, o dono veio. . .
O pai disse ao filho: Vem trabalhar em minha vinha.
—Vou! —, mas não ligou importância. . .
O rei, chegando a ocasião das bodas do filho, mandou os servos convidarem amigos. Os amigos, porém, não quiseram ir. Novos áulicos saíram a repetir o convite, narrando a excelência do banquete que os aguardava, mas eles não desejaram experimentá-lo.
Revoltados com a insistência do rei, mataram os servos. O rei, sabendo da ingratidão dos convidados, ordenou ao seu exército que fosse exterminar os homicidas. . .
Dez eram ao todo.
Cinco eram noivas loucas. Gastaram o óleo e ficaram sem luz.
Puseram-se a dormir. Ao chegarem os noivos. . .
Eram cinco noivas, virgens e loucas. . .
— Eu sei que és severo. Amedrontado, enterrei o seu talento, o que me confiaste.
— Mau servo! Tomem quanto tem e deem-no a quem já o tem.
As melodias cantam no ar leve e transparente.
. . . . Outra caiu entre espinhos e os espinhos cresceram, e sufocaram-na. . .
Quem põe uma candeia acesa sob o alqueire ou escondida?
Uma figueira brava à borda do caminho foi solicitada à doação de frutos; como não fosse ocasião própria de produzi-los, foi considerada inditosa, digna de ser arrancada e lançada ao fogo até converter-se em cinza. . .
Respondeu-lhe o enfático doutor da Lei: "Aquele que usou de misericórdia com ele".
Vai e faze o mesmo. Esse é o teu próximo. . .
Amigo, empresta-me três pães.
— Não me importunes.
Levantar-se-á esse amigo para livrar-se do importuno.
Oh! Dize a meu irmão que reparta os seus bens comigo.
— Quem me pôs a mim por juiz ou repartidor de bens?
Nunca te sentes nos primeiros lugares, sem que tenhas sido mandado pelo teu anfitrião. . .
(. . .) E outra caiu em boa terra, e deu fruto: um a cem, outro a sessenta e outro a trinta. . .
Hipérbatos, sínquises e hipérboles vestem as abstrações; e, como poemetos, são excertos de vida as canções do Reino de Deus.
Era uma vez. . .
Um credor tinha dois devedores, e como ambos não lhe pudessem pagar. . .
Bem-aventurados aqueles servos, os quais, quando o Senhor vier, achar vigiando!. . . "Qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim. . .
Pai, pequei contra o céu e perante a ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros.
Trazei o melhor vestido e vesti-o, pondo-lhe um anel na mão, alparcas nos pés. Este meu filho estava morto, e vive; tinha-se perdido, e foi achado. . . "
E o fariseu dizia: eu pago o tributo, sou justo, cumpro com os deveres que a Lei prescreve. . ., mas aquele que ali está. . .
No entanto, o Senhor lhe disse. . .
Louvou o amo aquele mordomo injusto por haver procedido prudentemente, porque os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz. . . . Granjeai amigos. . . . Quem é fiel no mínimo, também é fiel no muito. . .
E a viúva dizia: faze-me justiça contra o meu adversário. . .
Far-lhe-ei justiça, disse o juiz, para que ela não volte a importunar-me. . .
* "Deu-lhes dez minas. . . " "Havia um homem rico, a quem, depois de morto, Abraão disse. . . " "Estes, os últimos, são os primeiros e os primeiros serão os últimos. . . " "Quem tem ouvidos, ouça. . . " E Ele falava por parábolas.
Parábolas, "alegorias que escondem verdades".
Revestidos da pureza das pombas e da vivacidade das serpentes os discípulos da verdade chegam à vida. "Se a vossa fé for do tamanho de um grão de mostarda. . . " O semeador saiu a semear. . .
Parábolas, verdades nas alegorias.
Os grãos se transformam em grãos e a messe afortunada é ouro em pendões de vida.
Simples e desataviadas, suas palavras são palavras da boca do povo. Ninguém, no entanto, as coordenava como Ele as enunciava.
Havia realmente "algo" n´Ele, na sua forma de dizer. "Ninguém fala como Ele fala" - murmuravam até mesmo os que, conspirando, procuravam motivo de traí-lO. "Fala com autoridade" — reconheciam todos.
A semente é luz e vida.
Vida na semente.
Luz na 5ida.
O Bom Pastor dá a Vida pelas suas ovelhas.
Entrando pela porta estreita, a que se caracteriza pelas dificuldades, o acesso ao reino da Ventura plena se faz triunfal.
Vigiando à porta de entrada, pode o morador defender a casa do assalto dos bandidos que espreitam e se vestem de sombras para a agressão nas sombras.
Os escolhidos são os grãos felizes que se multiplicam em mil sementes compensando a sementeira toda.
A charneca das paixões é planície de esperança sob a ação da semente.
Na imensa várzea, porém, o dia a dia das criaturas se transforma em lutas por nada.
O solo a arrotear, imenso, quase ao abandono. . . "O semeador saiu a semear. " Parábolas e espírito de vida.
Vida nas parábolas.
Aos seus, aos discípulos, Ele as explicava.
Já não é dia.
O negro tule da noite corisca nos engastes alvinitentes dos astros, e o vento canta uma onomatopeia em litania ininterrupta.
O semeador repousa. "O Reino dos Céus está dentro de vós. . . " "Vós sois deuses. . . " "Buscai primeiro o Reino. . . " "Quando eu for erguido atrairei todos a mim. "
A madrugada da Era Nova raia.
O semeador foi erguido. . . numa cruz.
Rasgados, os braços atraem, o coração aguarda.
Caminho para a Vida — o semeador.
Caminho até a porta — o semeador.
A cruz das renúncias e sacrifícios como uma áspera charrua na gleba do espírito — ponte entre os abismos: o "eu" propínquo e "ele" próximo — longínquo.
A charneca reflete a estrela.
A estrela desce ao charco, fica presa à água que a retém e repousa na montanha altaneira.
O semeador espera. . . "Ele saiu a ensinar por parábolas. "E outras caíram em terra fértil e produziram. " A semente é a Palavra para quem busca a Verdade.
A verdade é a Vida.
O semeador saiu a semear. . .