Parnaso de além-túmulo

Capítulo X

Olavo Bilac



Natural do Rio de Janeiro, nasceu em 16 de Dezembro de 1865 e aí faleceu em 1918. Considerado, ao seu tempo, o Príncipe dos Poetas Brasileiros. Sócio fundador da Academia Brasileira de Letras.


JESUS OU BARRABÁS?

Sobre a fronte da turba há um sussurro abafado.

A multidão inteira, ansiosa se congrega,

Surda à lição do amor, implacável e cega,

Para a consumação dos festins do pecado.


«Crucificai-o!» — exclama… Um lamento lhe chega

Da Terra que soluça e do Céu desprezado.

«Jesus ou Barrabás?» — pergunta, inquire o brado

Da justiça sem Deus, que trêmula se entrega.


Jesus! Jesus!… Jesus!… — e a resposta perpassa

Como um sopro cruel do Aquilão da desgraça,

Sem que o Anjo da Paz amaldiçoe ou gema…


E debaixo do apodo e ensanguentada a face,

Toma da cruz da dor para que a dor ficasse

Como a glória da vida e a vitória suprema.


SONETO

Por tanto tempo andei faminto e errante,

Que os prazeres da vida converti-os

Em poemas das formas, em sombrios

Pesadelos da carne palpitante.


No derradeiro sono, instante a instante,

Vi fanarem-se anseios como fios

De ilusão transformada em sopros frios,

Sobre o meu peito em febre, vacilante.


Morte no teu portal a alma tateia,

Espia, inquire, sonda e chora, cheia

De incerteza na esfinge que tu plasmas!..


Impassível, descerras aos aflitos

Uma visão de mundos infinitos

E uma ronda infinita de fantasmas.


NO HORTO

Tristemente, Jesus fitando os céus, em prece,

Vê descer da amplidão o Arcanjo da Agonia,

Cuja mão luminosa e terna lhe trazia

O cálix do amargor, duríssimo e refece.


— «Se puderdes, meu Pai, afastai-o!…» — dizia,

Mas eis que todo o Azul celígeno estremece;

E do céu se desprende uma doirada messe

De bênçãos aurorais, de Paz e de Alegria.


Paira em todo o recanto a vibração sonora

Do Amor e o Mestre já na sede que o devora,

De imolar-se por fim nas aras desse Amor,


Sente a Mão Paternal que o guia na amargura,

E sublime na fé mais vívida, murmura:

— «Que se cumpra no mundo o arbítrio do Senhor!…»


O BEIJO DE JUDAS

Ouve-se a voz do Mestre ungida de ternura:

— «Amados, eu vos dou meus últimos ensinos;

Na doce mansidão dos seres pequeninos,

Trazei a vossa vida imaculada e pura!


O Amor há-de vos dar todos os dons divinos;

Eterna irradiação que atinge a mais escura

Estrada de aflição, de dor e desventura,

— Raio de eterno sol na senda dos destinos.


Derramai com piedade a lágrima terrestre!»

Mas eis que Judas chega e lhe diz: — «Salve, Mestre!»

E toma-lhe das mãos, osculando-lhe a fronte…


E Jesus abençoando aquelas almas cegas,

Responde humildemente: — «É assim que tu me entregas?»

Vendo as coortes do Céu nas fímbrias do horizonte…


A CRUCIFICAÇÃO

Fita o Mestre, da cruz, a multidão fremente,

A negra multidão de seres que ainda ama.

Sobre tudo se estende o raio dessa chama,

Que lhe mana da luz do olhar clarividente.


Gritos e altercações! Jesus, amargamente,

Contempla a vastidão celeste que o reclama;

Sob os gládios da dor aspérrima, derrama

As lágrimas de fel do pranto mais ardente.


Soluça no silêncio. Alma doce e submissa,

E em vez de suplicar a Deus para a injustiça

O fogo destruidor em tormentos que arrasem,


Lança os marcos da luz na noite primitiva,

E clama para os Céus em prece compassiva:

«— Perdoai-lhes, meu Pai, não sabem o que fazem!…»


AOS DESCRENTES

Vós, que seguis a turba desvairada,

As hostes dos descrentes e dos loucos.

Que de olhos cegos e de ouvidos moucos

Estão longe da senda iluminada,


Retrocedei dos vossos mundos ocos,

Começai outra vida em nova estrada,

Sem a ideia falaz do grande Nada,

Que entorpece, envenena e mata aos poucos.


Ó ateus como eu fui — na sombra imensa

Erguei de novo o eterno altar da crença,

Da fé viva, sem cárcere mesquinho!


Banhai-vos na divina claridade

Que promana das luzes da Verdade,

Sol eterno na glória do caminho!


IDEAL

Na Terra um sonho eterno de beleza

Palpita em todo o espírito que, ansioso,

Espera a luz esplêndida do gozo

Das sínteses de amor da Natureza;


É ansiedade perpetuamente acesa

No turbilhão medonho e tenebroso

Da carne, onde a esperança sem repouso

Luta, sofre e soluça, e sonha presa.


Aspirações do mundo miserando,

Guardadas com ternura, com desvelos,

Nas lágrimas de dor do peito aflito!…


Mas que o homem realiza apenas, quando,

Rotas as carnes, brancos os cabelos,

Sente o beijo de glória do Infinito!…


RESSURREIÇÃO

Extinga-se o calor do foco aurifulgente

Do Sol que vivifica o Mundo e a Natureza;

Apague-se o fulgor de tudo o que alma presa

Às grilhetas do corpo, adora, anela e sente;


Tombe no caos do nada, em túrgida surpresa,

O que o homem pensou num sonho de demente,

Os mistérios da fé, fulcro de luz potente,

O templo, o lar, a lei, os tronos e a realeza;


Estertore e soluce exausto e moribundo,

Debilmente pulsando, o coração do mundo,

Morto à míngua de luz, ambicionando a glória;


O Espírito imortal, depois das derrocadas,

Numa ressurreição de eternas alvoradas,

Subirá para Deus num canto de vitória.


O LIVRO

Ei-lo! Facho de amor que, redivivo, assoma

Desde a taba feroz em folhas de granito,

Da Índia misteriosa e dos louros do Egito

Ao fausto senhoril de Cartago e de Roma!


Vaso revelador retendo o excelso aroma

Do pensamento a erguer-se esplêndido e bendito,

O Livro é o coração do tempo no Infinito,

Em que a ideia imortal se renova e retoma.


Companheiro fiel da virtude e da História,

Guia das gerações na vida transitória,

É o nume apostolar que governa o destino;


Com Hermes e Moisés, com Zoroastro e Buda,

Pensa, corrige, ensina, experimenta, estuda,

E brilha com Jesus no Evangelho Divino.


BRASIL

Desde o Nilo famoso, aberto ao sol da graça

Da virtude ateniense à grandeza espartana,

O anjo triste da paz chora e se desengana,

Em vão plantando o amor que o ódio despedaça,


Tribos, tronos, nações… tudo se esfuma e passa.

Mas o torvo dragão da guerra soberana

Ruge, fere, destrói e se alteia e se ufana,

Disputando o poder e denegrindo a raça.


Eis, porém, que o Senhor, na América nascente,

Acende nova luz em novo continente

Para a restauração do homem exausto e velho.


E aparece o Brasil que, valoroso, avança,

Encerrando consigo, em láureas de esperança,

O Coração do Mundo e a Pátria do Evangelho.




Os sonetos: e foram publicadas também em 2010 pela editora VL na 3ª Parte do livro “Chico Xavier: O Primeiro Livro” e encontram-se devidamente relacionadas no .