…Até o Fim dos Tempos

CAPÍTULO 14

A importância de ser pequeno



Sopravam os ventos quentes do dia em febre.

Cafarnaum regurgitava. Galileus e estrangeiros pelas ruas calçadas com pedras irregulares em azáfama ininterrupta, e as mesas dos cambistas estavam cobertas de moedas de diferentes povos que ali as comercializavam com estridentes gritos e imprecações.

A quadro do verão trazia levas de viajantes que atravessavam o Jordão conduzindo suas mercadorias valiosas, quais tecidos de veludo, sedas, tapetes, vasos de cerâmica, alimentos e especiarias diversas, que eram vendidos ou trocados pelos produtos locais, como trigo, peixes defumados, azeite, vinho capitoso. . .

Considerada uma das mais importantes cidades da orla do lago Tiberíades, derramava-se, exuberante no seu tom verde dos pomares ricos de frutos, na direção do mar gentil, do qual recebia os ventos amenos do entardecer, que lhe diminuíam o calor asfixiante, que predominava noutras regiões na mesma época.

Célebre também, em razão da sua sinagoga, que constituía verdadeiro orgulho, faca à sua construção grandiosa para os padrões locais, traçada em linhas nobres e colunas decoradas, a religião era tida em alta conta, enquanto os sacerdotes e fariseus se mancomunavam contra o poder temporal, que detestavam, exercido pela águia romana presente em toda parte, graças aos espiões intrigantes e hábeis caluniadores que viviam em rudes pelejas.

Discutia-se por mesquinhezas e exigia-se o cumprimento rígido das mínimas imposições da Lei, que lhes constituía a diretriz para todos os atos da existência física.

Colocando-se acima dos menos cultos, que eram explorados sem piedade, esses religiosos implacáveis se disputavam a hegemonia do poder, trafegando influência junto ao administrador da cidade que, embora odiado, representava a aspiração máxima de muitos desses pigmeus morais de todos os tempos.

A infâmia e a urdidura do mal viviam de mãos dadas em toda parte, e Cafarnaum não constituía exceção, antes, pelo contrário, diante da sinagoga ou nas esquinas das praças, para onde confluíam as multidões, sempre se debatiam venealidades e acusações suspeitosas contra alguém.

Cada época da humanidade representa as suas próprias exulcerações morais e políticas, sociais e econômicas.

Os pobres, esses que nunca têm voz, viviam apavorados ou se submetiam às circunstâncias esdrúxulas, a fim de sobreviverem entre aqueles que se entredevoravam.

É nesse contexto histórico, rico de crueldade e primarismo, que se situa Jesus, e no qual resplandece a Sua Mensagem de amor e de justiça.

Nesse clima de sordidez e animosidades contínuas, a Sua palavra se alcandora e se ergue, convidando todos à renovação e ao trabalho gigantesco em favor da construção de uma Era Nova de solidariedade e de paz.

É claro que não haveria lugar para Ele nem para o Seu verbo.

Visto com desconfiança, identificado como revolucionário e perturbador do que equivocadamente denominavam como ordem, era acompanhando nos Seus movimentos e palavras, normalmente adulteradas em favor dos interesses hediondos em que laboravam os inimigos do bem.


* * *

—Que vínheis discutindo pelo caminho? - Indagou sereno, Jesus, aos amigos, que chegaram esfogueados e suarentos à casa de Simão, filho de Jonas, os pescador, onde os aguardava.

Tomados de surpresa, dos discípulos aturdidos entreolharam-se, sem coragem de responder.

Homens simples e toscos, comportavam-se, às vezes, como crianças desatentas em relação aos deveres, entregando-se a contendas inúteis e pelejas rudes por questões irrisórias. . .

Assim, sempre eram admoestados carinhosamente, mas com pelo Amigo, que lhes trabalhava o amadurecimento espiritual.

A jornada, que ali encerravam, havia sido traçada com segurança, significando-lhe o primeiro desafio a enfrentar, como preparação para os dias porvindouros.

O Mestre aguardava-os com a habitual generosidade, feita de misericórdia e de compaixão.

Amava-os com dúlcida ternura. Entregara-se-lhes com dedicação total, embora sabendo das dubiedades e dificuldades interiores. Por isso, convocara-os para o ministério, reconhecendo-lhes todos os problemas emocionais e debilidades morais. Alguns eram Espíritos nobres, que se emboscaram no corpo, que lhes amortecia a elevação, a fim de O seguirem, espalhando a Notícia.

As suas inexperiências facultavam aprendizagem mais segura para os testemunhos do futuro. Por tal razão, tateavam nas sombras dos labirintos da insegurança até encontrarem o caminho que iriam percorrer com invulgar grandeza de alma.

Nada, porém, naqueles momentos iniciais.

Arrancados da faina simples e repetitivas do cotidiano monótono, a súbita mudança não conseguiu alçá-los de imediato à altura correspondente.

Esse resultado se faria, somente, pouco a pouco.

É sempre assim que se dá o amadurecimento moral, que faz do pigmeu um gigante e do ser simples, que a fornalha do sofrimento modela, um verdadeiro herói.

Aquele era o material humano disponível para a constituição da Era do Espírito Imortal e se tornava necessário trabalhá-lo com carinho e firmeza.


* * *

A pergunta permaneceu no ar, sem reposta.

A princípio, sentiram-se constrangidos, embaraçados.

Deram-se conta da pouca importância da questão do debate, mas constavam novamente o poder do Mestre no insondável dos seus pensamentos.


Por fim, vencendo o conflito, sem agastamento, responderam alguns:

—Vínhamos discutindo em torno de quem de nós era o maior, o mais amado, o de importância mais significativa.

" Todos reconhecemos que João é distinguido pelo vosso amor; Pedro é merecedor da mais expressiva confiança; Judas guarda as moedas e se encarrega do controle de nossas modestas finanças . . . E os demais? Que somos e que papel desempenhamos no grupo?


" Afinal, qual de nós o maior?"

Certamente se sentiam contristados pela disputa, mas houve-a, era justo serem honestos, libertando-se das dúvidas.


Jesus envolveu-os na luz da compaixão, e com a sabedoria habitual, respondeu-lhes:

—O grão de mostarda, menor e mais insignificante que qualquer outra semente, reverdece com o mesmo tom o sol abençoado pelo trigo vigoroso. A bolota do carvalho desenvolve a árvore grandiosa que nela jaz, assim como o pólen quase e invisível de todas as flores se encarrega de transmitir beleza e perpetuar a espécie em outras plantas. . . Todos são importantes na paisagem terrestre.

" O grão de areia se anula ante outro para construir a praia imensa que recebe o carinhoso movimento das ondas arrebentando-se no seu leito reluzente".

"Tudo é importante diante do meu Pai, não pela grandeza, mas pelo significado de que cada coisa se reveste para a utilidade da vida".

"Entre os homens, o maior é sempre aquele que se esquece de si mesmo, tornando-se o melhor servidor, aquele que não cansa de ajudar, que se encontra sempre disposto para cooperar e servir sem outra preocupação, qual não seja a de beneficiar . . . Quem se apaga para que outro brilhe, torna-se o combustível, sem o qual a luminosidade desaparece".

" Há uma grande importância em ser pequeno, graças a cuja contribuição se apresenta o conjunto grandioso ".

Fez um oportuno silêncio, a fim de ensejar aos amigos a reflexão para que nunca mais se esquecessem do enunciado e prosseguiu: Aquele que, dentre vós, desejar ser o maior, o mais importante, o mais amado, torne-se o melhor servidor, o mais atento amigo, sempre vigilante para ajudar e desculpar, porque esse, sim, fará falta, será notado como ausente, se tornará alicerce para a construção do edifício do Bem.

No silêncio que se fez natural, os viajantes dispersaram-se pelas diversas peças da casa de Simão, enquanto lá fora, o Sol de verão dardejava os seus raios de fogo sobre a terra que abrasava.


Lucas 9:46