Embora o dia estuasse o Sol, a temperatura se mantinha agradável.
As aragens que sopravam no lago, enfunando as velas e empurrando a barca na direção de Cafarnaum, beneficiavam aqueles homens aturdidos ante os acontecimentos inesperados.
A viagem a Gadara, anelada por Jesus, que a desejava realizar desde antes, do ponto de vista dos resultados, fora dolorosa.
Os gadarenos, embriagados pela cólera, haviam sido inclementes, expulsando com ferocidade de suas terras Jesus e os Seus discípulos.
Não obstante as tentativas do Mestre em estabelecer um diálogo proveitoso com aquele povo, redundara em vão e de forma desagradável.
O incidente com o obsesso recuperado, e mais ainda, a perda da vara de suínos que se atiraram dos penhascos ao mar, exaltaram-nos e os tornaram ferozes.
Enceguecidos pela revolta, após apedrejarem o ex-lunático que viera apresentar-se-lhes dando testemunho do poder do Senhor, expulsaram-no sem piedade, mandando-o de retorno aos sepulcros abandonados e abertos de onde viera. . .
Da mesma forma hostil agiram com os pacíficos visitantes.
Havia antecedentes que influenciaram o seu comportamento ignóbil: as diferenças de interpretação da Lei, que negava ao judeu a ingestão de carne de porco, enquanto os gadarenos eram seus criadores.
A questão econômica predominava, portanto, minando o relacionamento religioso e social.
O prejuízo com a perda dos animais fora o clímax dos comportamentos azedos, e Gadara bem como seus filhos, perderam a oportunidade de se libertar através da Mensagem da Boa Nova.
A viagem transcorrera silenciosa e com mal estar entre alguns dos discípulos, que pareciam aturdidos, decepcionados.
Eles gostariam que Jesus houvesse reagido ao atrevimento da ignorância, impondo a Sua à vontade deles.
Sereno, irretocável, no entanto, Ele permanecera calado, mergulhado em reflexão profunda.
Quando a barca rasgou a areia úmida entre os seixos e pedrouços da praia, as velas foram recolhidas, e após as providências necessárias, todos rumaram para a ampla residência de Simão.
—Mestre, por que os gadarenos recusaram a palavra de vida?
—O reino dos céus é uma oferta do Pai Celestial, que somente aqueles que se encontram em condições próprias podem receber.
—Os gadarenos ainda se encontram muito preocupados com o corpo e os seus atavios, para poderem valorizar os tesouros que transcendem o imediato.
"Despertarão lentamente, e compreenderão que um dia a Luz chegou até eles, mas preferiram a sombra demorada".
—E por que - volveu o discípulo com sinceridade - os porcos atiraram-se ao mar? Não se poderia ter evitado o desagradável e angustiante cometimento?
—Os Espíritos que atenazavam o enfermo constituíam uma legião de malfeitores infelizes que se locupletavam no organismo depauperado da sua vítima. Percebendo que lhes chegara o momento para o libertarem, astutos e perversos, tentaram negociar, receando o Hades externo, já que o carregavam internamente na consciência. E porque necessitassem da energia animal, pediram o conúbio com os porcos, de que pretendiam explorar a vitalidade. . . Mas o Pai Todo Amor, justo e sábio, impulsionou-me a retirá-los do enfermo sob o direcionamento de energias vigorosas, que os deslocaram do campo da vampirização.
—A conquista do céu que meu Pai oferece é feita mediante a conduta correta, os deveres retamente cumpridos, o amor em predomínio no imo, na condição de recursos que facilitam a instalação no ser.
Silenciando, levantou-se e se dirigiu à praia.
Lá fora, o dia adornado de ouro cantava um hino, conclamando à luta e à felicidade.
Gadara e seus filhos ao longe, no cimo da cordilheira da Decápolis, prosseguiram cuidando de suínos, enquanto a Voz anunciava a Era Nova que se acerca. . .