(. . .) Não resistais ao mal que vos queiram fazer. . .
A fatalidade da vida é alcançar a harmonia plena, mediante o equilíbrio do amor a si mesmo, ao próximo e a Deus. Qualquer desvio do sentimento do amor que se tenha, e tombase em desequilíbrio, em inarmonia, postergando o processo da evolução e retardando a marcha do progresso na qual todos os seres se encontram colocados.
O amor, portanto, é o hálito de sustentação da vida, enquanto a sua ausência expressa-se como estágio embrionário do ser, aguardando os fatores propiciatórios ao seu surgimento e exteriorização.
A vingança constitui-se numa patologia do ego insubordinado ante as ocorrências do mecanismo de crescimento.
Nem sempre todas as ocorrências podem ser favoráveis, e, não poucas vezes, surgem fenômenos perturbadores pela agressividade, por meio do desvio de conduta, através do erro, mediante a ação indébita, que geram reações profundamente infelizes, que se convertem em anseio de vingança como recurso de liberação do ódio, que é a mais grave enfermidade da alma.
O ódio envenena os sentimentos e entorpece a razão. Dando vitalidade à vingança, conduz a transtornos comportamentais mórbidos de recuperação difícil.
Na Sua condição humana entre os homens-pigmeus que O detestavam, Jesus enfrentou as suas agressões e diatribes, sem permitir-se vincular-se-lhes por meio do ressentimento, menos do ódio, jamais por qualquer expressão de vingança.
Nunca se poupou aos enfrentamentos, não obstante, jamais sintonizou com a ira dos atormentados-atormenta-dores que sempre O buscavam para afligi-lo e testá-lo.
Não resistia contra eles, desafiando-os ou com eles entabulando discussões estéreis quão venenosas.
Suave, passeava a Sua presença entre os seus bafios pestosos e os seus doestos, sem os vitalizar com qualquer tipo de vinculação emocional.
Agia, incorruptível, mantendo a serenidade, enquanto eles blasfemavam e espumavam, iracundos, ferozes.
O mundo dos homens é também a paisagem dos desenfreios morais, da vulgaridade e das ânsias do primarismo.
O Homem-Jesus jamais se perturbava com aqueles que O buscavam para pleitear uma postura igual ou superior à d'Ele.
Não vivesse a Sua humanidade e fosse somente angelical, estaria fraudando a confiança daqueles que se Lhe entregavam, por ser diferente, destituído de sentimentos tanto quanto de vulnerabilidade. A Sua superioridade fora conquistada através de experiências multifárias e se expressava natural, porque vitoriosa aos embates antes travados.
Oferecer o outro lado, quando se é esbofeteado na face, é quase inverossímil para a cultura ocidental, acostumada ao revide pela honra, ao duelo, com armas no passado, verbal em todos os tempos, através da justiça igualmente em todas as épocas.
Ele demonstrou que era possível fazê-lo, e viveu a experiência pessoal.
Trata-se, à luz da Psicologia Profunda, de provar que o Bem é mais forte do que o Mal, que a não violência é o antídoto para a ferocidade, a paciência é o remédio para a irritação, a esperança é o recurso para o desalento. . .
Não poucos estudiosos das narrações neotestamentárias recusam o postulado que se encontra exarado no texto em torno do não resistais ao mal que vos queiram fazer, encontrando justificativas de ordem ética e de lógica, em postura ariana de vigor comportamental. Outros tantos renegam a proposta do oferecimento da outra face, após a injúria agressiva na oposta, em razão da estrutura psicológica de preservação da dignidade pessoal.
Merecem consideração e reflexão. Entretanto, Ele desejou expressar exatamente a coragem para enfrentar o mal equipado pelo Bem, enriquecido pelo amor, desarmado de sentimentos morbosos de vingança, sem o elixir do ódio a sustentar a inferioridade evolutiva. . .
Essa atitude de Jesus é varonil, mais forte do que a belicosidade dos militares preparados para destruir. O não matar, o não ser violento, constitui o mais grandioso desafio cultural e emocional que a criatura humana pode experimentar.
Em contrapartida, as Suas enérgicas palavras a respeito da hipocrisia dos fariseus e das questiúnculas dos insensatos saduceus, a conduta reprochável dos hipócritas e a tibieza dos fracos, sempre mereceram referências enérgicas e elucidações vigorosas sobre as consequências que acarretariam para aqueles que assim agissem, apresentando o outro ângulo moral de Sua vida.
Ele não o dizia com ira ou paixão morbífica, mas com a autoridade de quem conhecia a Lei de Causa e Efeito, da qualninguém se exime, estando todos os seres incursos nesse fundamento da Natureza.
A Sua humanidade não era tíbia, antes vigorosa, compassiva e altiva, sem o que jamais lograria desenvolver o programa espiritualizante a que se entregava em relação aos homens, Seus irmãos.
Duas expressões aparentemente opostas se mesclavam no caráter do Homem-Jesus.
Não resistir ao mal, a fim de não vitalizar a escravidão aos instintos inferiores, primários, que dirigem as criaturas não espiritualizadas, não elevadas. Afirmar o Bem e exercer a coragem para sofrer as consequências da opção elegida, como forma de superar a voragem do desespero e o desregramento de conduta que assolam em todos os tempos e culturas.
O conceito estabelecido para não resistirão mal é tido por conduta feminina, atitude tímida que caracterizava a submissão da mulher aos caprichos do homem. A energia ensinada e a autoridade exteriorizada em relação aos pusilânimes e astutos, expressava manifestação masculina, típica da virilidade do homem agressivo e corajoso.
Jesus sintetizou as duas naturezas, fundindo em unidade harmônica a anima ao animus, harmonizando a Sua conduta sem traição de qualquer arquétipo ancestral em uma imagem integrada de Ser ideal.
A vingança é atraso moral do Espírito, que permanece em primarismo; o perdão exalça o indivíduo. A primeira leva-o a futuros conflitos e ata aquele que a cultiva a quem detesta; o segundo liberta do agressor e lenifica os sentimentos que restauram a alegria de viver. Uma aflige sem pausa, e o outro equilibra, desenvolvendo estímulos para novos embates.
Recomendasse Jesus o revide e, se Ele assim o fizesse conforme gostariam os imediatistas e os cômodos, teríamos um exemplo de unilateralidade de conduta, excluindo a face amorosa e compadecida. Se, por outro lado, apenas a compaixão e a tolerância predominassem no Seu comportamento, veríamos um tíbio, apresentado em uma formulação desencorajadora para a reconstrução da sociedade, que se faria piegas e medrosa. A coragem é não revidar ao mal, nem sequer pensar no mal, não se permitir sentir o mal.
A imagem subjetiva de Jesus-Homem é a de um triunfador, que se superou a si mesmo, tornando-se o exemplo que conforta e o roteiro que conduz ao porto. Por outro lado, é o Guia, cuja vivência jamais desmentiu os ensinamentos, e é o caminho, por haver percorrido a vereda que traçou como diretriz de segurança para os que n'Ele acreditassem.
Todos quantos resistem ao mal, tornam-se vítimas de tormentas de vária ordem, tombam na loucura, ou fazem-se famanazes do crime, da hediondez, da vingança. . .
Aqueles que revidam ao golpe infeliz recebido, não se postando pacientes a oferecer a outra face, transformam-se em criminosos iguais àqueloutros que os infelicitam e perseguem.
Certamente, o instinto de conservação precata o indivíduo de deixar-se consumir pela impiedade ou de ser arrastado injustamente ao poste do sacrifício.
Honestamente, não foi exatamente assim que Ele procedeu, deixando-se imolar, sem revide nem justificativa para fugir do testemunho?
Igualmente, todos quantos O seguiram, também não se entregaram ao matadouro, alguns cantando hosanas?
Ser precavido, resguardar-se do mal dos maus, cuidar de não se envolver em contendas, evitando os entreveros estabelecidos pelos belicosos, também é atitude recomendada pela Sua conduta. No entanto, jamais fugir do testemunho, ou debandar do holocausto quando seja convidado, não revidando mal por mal, nem se vingando nunca, mesmo que surjam oportunidades propiciatórias ao desforço.
Vitorioso é somente aquele que se vence interiormente, mesmo que vencido exteriormente, por isso amarás o teu próximo como a ti mesmo.