Jesus e o Evangelho (Série Psicologica Joanna de Ângelis Livro 11)

A BENEFICÊNCIA - Ev. Cap. XIII - Item 11

A BENEFICÊNCIA - Ev. Cap. XIII - Item 11



Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens. . .


Mateus 6:1

A beneficência, ou a ciência de bem fazer, a arte da ação do Bem é, do ponto de vista da Psicologia Profunda, o compromisso de humanidade para com as criaturas no seu sentido mais elevado.

Enunciando o postulado em torno da prática das boas ações distante dos olhos dos homens, Jesus igualmente humanizou-se, ensinando sobre o anonimato quando a serviço do Bem, em face da condição tormentosa que tipifica os indivíduos.

Liberta da teologia ancestral, a cultura hodierna se apresenta gerando comportamentos autônomos e tecnocratas, que eliminam os sentimentos enquanto enriquecem o ser fisiológico que encarceram na dependência das coisas, deixando-o, em consequência, psicologicamente esvaziado de ideais superiores.

A beneficência é o movimento que parte da emoção, buscando reumanizar aquele que perdeu o contato com a sua origem espiritual, havendo desfeito o vínculo com as heranças parafísicas da sua realidade inicial.

Dessa mesma forma, a necessidade de Jesus despsicologizado e desatado dos grilhões teológicos, assim como dos cárceres das denominações religiosas que O tornam pigmeu ou superser, faculta-Lhe a humanidade que esface-la a conceituação absurda de excepcionalidade e divindade, para transformá-lo em Modelo acessível de ser seguido e estimulador de todos aqueles para cuja convivência veio, sem o objetivo de ser-lhes o redentor, mas o educador gentil e nobre.

Compreendendo a fragilidade moral dos indivíduos, no tumulto da tagarelice desenfreada dos Seus coevos, preferiu aprofundar a sabedoria das Suas propostas no cerne do ser e não na Sua aparência, alcançando o Self em vez de deter-se no ego exterior e mascarado, que se prolongaria através do processo histórico da Humanidade até estes dias.

Toda a mensagem neotestamentária é vazada na autenticidade do ser em busca da sua identificação com Deus, representado no Amor, no Bem, na Caridade. . .

Toda e qualquer expressão de exterioridade d'Ele recebia o reproche, considerando que o homem é Espírito, momentaneamente mergulhado na cela do organismo físico, quese apresenta como limite e impedimento para a liberdade total em torno da compreensão plena da sua realidade.

A cristologia convencional e ancestral é uma estreita visão teológica que a Psicologia Profunda desconsidera, por discordar da sua divindade, da sua especificidade única, em detrimento de toda a Humanidade, para facultar o engrandecimento de Jesus, o Homem pleno, realizador harmônico do Seu animus com a Sua anima, perfeitamente identificado com o Eu profundo, que desvelava em todos os momentos, jamais assumindo posturas incompatíveis com os conteúdos das lições vivas que ministrava.

Homem que perscrutava o âmago do ser com a visão penetrante do amor, cuidou sempre de ensinar a autoiluminação, para diluir toda a sombra da ignorância em que se encontra mergulhado o indivíduo nesta fase do seu cometimento evolutivo.

Não havia para esse autoconhecimento recurso melhor e mais oportuno do que a beneficência, que se expressa mediante o anonimato das ações dignificantes, de forma que a sua prática não receba o prêmio da gratidão do beneficiado, nem o reconhecimento do grupo social, oferecendo mecanismos de exaltação da persona, que se rejubila com as homenagens, dificultando ao Eu superior plenificar-se em Deus, por haver fruído a recompensa ao orgulho e à vaidade através da glorificação dos feitos.

A alegria de oferecer desatrela as paixões servis que propelem a receber mais, anulando-as com as inefáveis emoções da autossuperação, que é o passo inicial para a descoberta da excelência de servir.

Esse sentido de humanismo, que se converte em humanitarismo, produz a sintonia com a beneficência real, ao contribuir com o pão para o esfaimado, ou o medicamento para o enfermo, sobretudo, porém, mediante a gentileza, a afabilidade, a compaixão em relação ao seu próximo, por meio da educação, do conforto moral aos padecentes, do esclarecimento libertador a todos que ignoram as verdades morais e espirituais da vida.

Essa beneficência deixa de ser uma virtude metafísica para tornar-se uma conquista intelecto-moral, que dinamiza os valores éticos e espirituais sem desumanizar o ser, antes tornado irreal, divinal. . .

Jesus viveu a beneficência total, apresentando Sua vida como um arquipelago de luz, libertadora da estupidez e dodesconhecimento dos valores existenciais, de forma que socorria as necessidades visíveis e aqueloutras não percebidas exteriormente, porque mais significativas da alma, atendendo ao que se Lhe solicitava, mas, principalmente, ao que não era sentido; no entanto, de relevante importância para a felicidade do paciente, que só Ele detectava.

Do ponto de vista da Psicologia Profunda, essa ação é de atualidade para todos os indivíduos dos nossos dias, particularmente os jovens desassisados, decepcionados, esquecidos pela cultura egoísta que medra em abundância nos grupamentos sociais, abandonados nas suas aspirações mais legítimas, porque lhes permite compreender os objetivos de amar pelo prazer de fazê-lo e socorrer por impulso emocional de contribuir em favor de um futuro contexto humano menos enfermiço e egoico.

Os adultos — operários, camponeses, excluídos, pessoas simples e modestas, destituídos de maior cultura - afinal, para quem Ele viera, encontram, nesse Jesus, o companheiro para as suas horas de lutas e de sofrimentos, que comparte com eles as suas dores e necessidades, as injustiças que padecem, ao tempo que lhes oferece ânimo e valor moral para que prossigam lutando e superando as infames pressões que lhes impõem os poderosos e indiferentes dos seus destinos.

Os livres-pensadores também identificam esse Homem que náo fundou seita ou crença, mas que abraçou todos os indivíduos como irmãos, sem distinção de raça ou de nação, afável com as criancinhas e misericordioso com os criminosos, tanto quanto compassivo e paciente com os idosos, enfermos, infelizes. . .

Ele falou a linguagem das massas, em vez do ininteligível idioma da sofisticação e do desconhecimento, silenciando mais do que verbalizando enquanto ajudava, de modo a ser aceito pela grandeza moral do Seu entendimento a todas as ocorrências e situações.

Os jovens que ontem, sem objetivos essenciais para a vida, se atiraram tresloucados em fugas coletivas, abandonando as imposições castradoras das religiões e da sociedade servil aos interesses mais hediondos, dos quais sacava valiosa remuneração, deixaram-se vencer pelo autabandono, buscando iluminação como transferência de metas existenciais, em compreensível fenômeno reagente à escatologia do Homem-Deus indiferente aos seus problemas, às suas aspirações, que se nãosubmetiam aos escorchantes padrões da intolerância nem do puritanismo. . .

Fracassada a rebelião e retornando aos lares, enfraquecidos e tristes, a sua frustração deu lugar a uma nova mentalidade, ansiosa e insegura, que se vem deixando devorar pelo consumismo e alucinar pela propaganda fragmentada dos grandes veículos da informática.

O seu reencontro com o Jesus da Psicologia Profunda e não Aquele histórico dos interesses inconfessáveis de algumas doutrinas que dizem possuí-lo, é inevitável, porém, não mais como antes, em que Ele parecia distante das suas angústias, indiferente aos seus apelos e dores, necessidades infantojuvenis e desconcertos de comportamento, mas, sim, Alguém a eles semelhante no sentido da constituição humana, Modelo a ser seguido e Guia compassivo, amigo solidário em todas as circunstâncias e momentos, por mais desagradáveis que se apresentassem.

A cristologia na feição antiga tornou a beneficência quase inalcançável, por envolvê-la no molde místico decorrente do abandono do mundo para ajudar aos mundanos, no combate aos viciados em vez de trabalhar para extirpar-lhes os vícios em que se comprazem assim como aqueles que predominam no organismo social, em frontal desrespeito ao que Ele realizou.

Ante a decodificação pela Psicologia Profunda que existia no místico e no sobrenatural em torno de Jesus, ora apresentando-O como Ser humano inconfundível na Sua grandeza moral e simplicidade incomum, a realização de cada indivíduo começa na aspiração do amor, prolongando-se mediante a ação de servir e identificando-se de tal forma com essa decisão, que se lhe torne o modus vivendi, decorrência inevitável da incorporação do ato amoroso à realidade do ser.

(. . .) Tem cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens, ocultando com sabedoria na naturalidade os momentos de beneficência e de amor que sejam ofertados em relação a quem sofre.