Jesus e o Evangelho (Série Psicologica Joanna de Ângelis Livro 11)

A PIEDADE - Ev. Cap. XIII - Item 17

A PIEDADE - Ev. Cap. XIII - Item 17



(. . .) deu mesmo tudo o que tinha para seu sustento.


Marcos 12:44

Caracterizou todo o ministério de Jesus, o sentimento da piedade, que demonstrou a Sua humanidade acima de todos os homens.

Compreendendo a fragilidade da estrutura moral dos indivíduos e das massas, nas quais perdiam a sua identidade pessoal, obumbrados pelas sombras da ignorância a respeito das excelentes conquistas do Espírito imortal, Ele se fez compassivo e misericordioso em todas as situações, a fim de melhor ajudar mesmo àqueles que desconheciam o milagre da compaixão. Não os lamentava, não lhes estimulava a penúria interior, envolvendo-os em miserabilidade, antes os alçava ao Reino de Deus, que neles se encontrava e podia ser conquistado com empenho, como qualquer tesouro que se deseje adquirir.

A Sua, porém, não era a piedade convencional, que logo passa assim se afasta do fator que inspira ternura. Tampouco se fazia humilhante para quem a recebia, colocando o ser em postura inferior, nunca mesmo considerando tratar-se de desdita, mas sempre como uma experiência de crescimento interior, a dificuldade que se arrostava.

Rico de potências extrafísicas, não as exibia, utilizando-as somente quando podiam auxiliar a libertar do testemunho áspero da provação que alguém carpia.

Eram atitudes caracterizadas pelo envolvimento fraternal e por carinhosa atenção, chegando ao extremo de chamar os discípulos de irmãos, com inefável ternura, como ocorreu após a ressurreição, no memorável diálogo mantido com Maria de Magdala. . .

A piedade é sentimento excelso, porque parte da emoção que comparte a dor do seu próximo e busca diminuí-la. Possuidor de potencial dinâmico, não fica somente na expressão exterior, transformando-se em ação de beneficência, sem a qual esta última seria apenas uma forma de filantropia.

A piedade é a dileta filha do amor, que surge no homem quando este se eleva, alcançando níveis de consciência mais condizentes com o seu estado de conquistador do Infinito, que não cessa de servir.

Expressa-se de mil maneiras, desde a dor que punge aquele que a experimenta até as lágrimas que são vertidas sobre as feridas morais, balsamizando-as, ou o medicamento que se coloca nas pústulas expostas da degenerescência orgânica.

Ao tempo que verte compaixão, eleva a alma que se desdobra para viver ao lado do sofrimento e minimizá-lo, oferecer a linfa que mitiga a sede e o pão que elimina a fome.

Torna-se ainda mais grandiosa quando alcança o fulcro oculto dos sofrimentos íntimos que dilaceram a esperança e a alegria de viver, fazendo-se silêncio que sabe ouvir, palavra oportuna que esclarece e consola, gesto de entendimento e participação como cireneu, auxiliando a conduzir a cruz em anonimato dignificante. Por isso, é discreta e ungida de amor, nunca se permitindo exibir o sofrimento de quem quer que seja, mas sabendo dissipar as sombras e acolhendo o amargor do próximo com a luz da alegria sem alarde.

Jamais se cansa, porque é espontânea, rica de paciência, porque aprendeu a conviver com elegância com a própria dificuldade íntima, superando-a. Sempre vê em si aquilo que descobre no seu irmão, e que, apesar de ultrapassado, deixou os sinais do bem que resultou, doando-se com o mesmo envolvimento emocional, a fim de libertá-lo também.

Ademais, ao realizar a sua parte, a piedade faz que o ser volva para dentro o pensamento e considere quanto gostaria de receber, caso se encontrasse no estado que deplora no seu próximo, assim aumentando a capacidade de ajudar jovialmente.

E antídoto eficaz contra o orgulho e o egoísmo, porque nivela todos aqueles que sempre podem ser colhidos por dissabores e insucessos, enfermidades e desencarnação. . .

Jesus-Homem assim compreendeu a necessidade de viver e ensinar a piedade, chegando a ser peremptório, em a narrativa do óbolo da viúva, que deu mesmo tudo o que tinha para seu sustento, deixando que se entenda haver sempre algo de que se pode dispor, embora seja o mínimo de valor, máximo essencial para a própria subsistência.

Ninguém é destituído do sentimento piedoso, mas nem todos os corações se abrem a externá-lo quanto deveriam, vitimados por conflitos de culpa, de inferioridade ou de presunção, que os tornam desditosos, não obstante possuindo a generosa fonte da fraternidade.

A piedade de Jesus!

Dignificando o ser humano, Ele conviveu com pecadores e pessoas suspeitas, não se permitindo destacar, exceto pelas Suas qualidades intrínsecas e pelo Seu amor que se transformava em luz e pão, paz e unguento colocado sobre as almas em febre de paixões.

A Sua compreensão das necessidades humanas é expressão de piedade no seu sentido mais profundo.

Comportamento de mãe devotada e solícita, sempre atenta às necessidades dos filhos, e de pai discreto, mas trabalhadorinfatigável para que tudo se encontre saudável e em ordem na prole que tem aos seus cuidados.

A piedade expressa as duas naturezas do ser, unindo-as, identificando-as, harmonizando-as em perfeita sincronia vibratória.

Essa dualidade masculino-feminina, quando perfeitamente mesclada, apresenta o ser que supera as conotações das polaridades sexuais e seus apelos, transformando os hormônios em ondas de energia que vibram em todos os músculos e eliminam tensões, ao mesmo tempo vitalizando os campos sutis da alma e vinculando-a à Sua Causalidade, de onde haure mais poder e vitalidade.

Jesus conseguia esse desempenho por haver-se autossuperado e transformado todos os Seus anseios em empreendimentos de amor pela Humanidade, a fim de erguê-la a Deus conforme Ele próprio o lograra.

É o momento máximo da humanização esse, no qual já não se vive em si mesmo ou para si — como Paulo afirmava em outras palavras - mas inundado do ideal e d'Aquele que é transcendência e imanência.

Não há, portanto, quem não se possa dispor ao mister da piedade, porque esse sentimento pode ser, talvez, o mínimo que se possua quando se está carente, na desolação ou na miséria, significando o próprio sustento, mas que pode e deve ser repartido para auxiliar ou para glorificar a vida.

A viúva, da narração, não titubeou em doar tudo quanto tinha, que era quase nada. . . Mas a sua foi a dádiva mais expressiva, porquanto os outros haviam dado o que lhes não fazia falta, ou por ostentação, por orgulho, já que teriam mesmo que os deixar na Terra, quando a morte os convidasse ao retorno. . . Isto porque, à luz da Psicologia Profunda, ela compreendeu que também era ser humano, que fazia parte da comunidade, viúva, mas não extinta, que vibrava desejando que a sociedade se mantivesse nos níveis aceitáveis para tornar os relacionamentos interpessoais dignos, tornando-se necessária também a sua quota, por menor que fosse, e então ofereceu tudo de que dispunha.

Estar vivo é participar do movimento humano, não obstaculizar a marcha do progresso, contribuir com o seu quinhão, por mínimo que se apresente.

Jesus sempre demonstrou a Sua humanidade, nunca se eximindo de participar da vida ativa da comunidade doSeu tempo: as bodas em Caná, as atividades pesqueiras no mar da Galileia, as visitas aos enfermos, os cultos na Sinagoga, as visitas ao Templo de Jerusalém, as festas tradicionais do Seu país e do Seu povo. . .

Nunca se alienou, a pretexto de estar construindo o Reino de Deus; jamais se escusou, sempre que convidado a opinar, a participar, igualmente não se omitiu em relação aos escorchantes impostos, o que não significa conivência com eles, submetendose, inclusive, a um julgamento arbitrário e covarde, para demonstrar a Sua aceitação das leis terrestres injustas, em irrestrita e final confiança nas Divinas Leis.

Não se apresentou como um anjo distante das necessidades imediatas do povo: alimento, convivência, discussões, questões políticas e sociais, mantendo-se, entretanto, em postura característica da Sua superioridade moral e espiritual.

A Sua piedade era sinal de compreensão do processo evolutivo, pelo qual deveriam passar os homens que aos sofrimentos faziam jus, mas que os poderiam ter diminuídos por esforço próprio se se entregassem aos mecanismos terapêuticos do amor que liberta.

(. . .) E deu mesmo tudo o que tinha para seu sustento, lecionando que à medida que mais se dá, mais se enriquece o coração de piedade e de alegria de viver.