Jesus e o Evangelho (Série Psicologica Joanna de Ângelis Livro 11)

Luz da caridade - Ev. Cap. XV - Item 10

Luz da caridade - Ev. Cap. XV - Item 10



Então, vai, diz Jesus, e faze o mesmo.


Lucas 10:37

Amar é dever de todas as criaturas, e ninguém se pode eximir de fazê-lo. Esse amor deve ser incondicional, chegando à totalidade como experiência de autoiluminação e de autolibertação.

Enquanto o ser humano se encontra nas faixas predominantes do ego, ata-se aos caprichos escravizadores que são decorrentes dessa atitude primária. No entanto, à medida que ama, dilui as amarras dolorosas e experimenta a alegria da liberdade em verdadeiro hino de louvor. Altera-se-lhe, então, a paisagem da emoção, e todo ele se transforma em um feixe de ternura, de ação dignificante, de paz irradiante.

Assim é o amor de Jesus-Homem: integral, total, incomum, aberto ao Pensamento Divino e mergulhado nele, de forma que seesparze como uma brisa refrescante, modificando o clima espiritual das criaturas que se Lhe acercam. Não há, nesse amor, nenhuma exigência, exceto a proposta da impregnação que todos se devem permitir acontecer. Trata-se de uma oportunidade ímpar que lhe altera o comportamento e a escala de valores em torno do significado da vida e do esforço existencial para conseguir a plenitude.

Toda a narração neotestamentária, à luz da Psicologia Profunda, é um convite à alegria, ao amor incomum que dimana de Deus e de que Jesus se fez o intermediário, tornando-a compreensível ao entendimento e ao sentimento.

Com esse amor, Jesus pretende alçar o ser humano à Sua condição, estimulá-lo a crescer, entender o elevado sentido e significado de si mesmo, os objetivos essenciais do seu existir, não havendo empecilho que não seja possível contornar ou eliminar. Trata-se, apenas, de uma opção forte, significando o desejo de ser livre e feliz.

Os indivíduos, psicologicamente infantis, querem que os amem, jamais brindando-se ao amor. Somente aquele, porém, que está amadurecido, pode oferecer-se-Lhe e atingir o patamar da iluminação, decifrar a incógnita na qual se debate em torno da sua realidade espiritual.

Fazer o mesmo, aquilo que o samaritano discriminado e detestado fez em relação ao seu próximo que era judeu, seu perseguidor, é a mais vigorosa lição do pensamento cristão primitivo, que se entregava ao amor, especialmente direcionado àqueles que malsinavam e impiedosamente fustigavam com ódio inclemente os seguidores de Jesus.

Esse impositivo expresso por Jesus desarma a sombra coletiva, que se compraz na inferioridade moral das pessoas.

Aquele, porém, que encontrou a resposta para anulá-la, já não será mais o mesmo, porque descobriu que é possível desativar os impedimentos que dificultavam a liberdade interior, a opção de ser pleno.

Com essa colocação, a sombra individual se desfaz e a responsabilidade do Self comanda as atitudes, antes tíbias e medrosas, naquele que ora desperta para novos cometimentos e definições morais.

Jesus aceitou o ambiente em que deveria viver, mas não permitiu que o mesmo Lhe influenciasse a conduta, alterando-lhe o programa que trazia de Deus para a renovação estrutural dascriaturas e do mundo social daquele e de todos os tempos futuros.

Com Ele não há possibilidade de a sombra tornar-se projeção, refletindo atitudes incomuns, porém, fixadas nos comportamentos que lhe dizem respeito.

Não poderia haver melhor modelo para ensinar o amor que esplende na ação da caridade do que a figura do samaritano escolhida por Jesus, considerando-se o seu desvalor para os judeus, a indignidade que lhe atribuíam, sendo ele quem socorre o adversário sem fazer-lhe qualquer interrogação, sem ao menos recordar-se de que o homem caído e espoliado é alguém que o maltrata e desconsidera, e que, por sua vez, o deixaria aos abutres e à morte, sem qualquer sentimento de culpa, caso a situação fosse oposta.

Condoeu-se, entretanto, viu-se a si mesmo abandonado e vencido, reconhecendo no outro a imagem e semelhança de Deus, porque seu irmão, embora ele não o considerasse, e assim, tomado de compaixão, socorreu-o, deu-lhe a alimária, seguindo a pé e protegendo-o de qualquer tombo, a fim de o amparar em uma hospedaria.

Essa hospedaria pode ser considerada, psicologicamente, como um símbolo feminino, é a anima, o amor da mãe que alberga no seio o filho cansado e necessitado de proteção, recolocando-o no ventre e o sustentando. Ali, ante a exigência do hospedeiro, representação inevitável do animus, o estrangeiro remunera-o convenientemente, atendendo-lhe ao ego, e afirma que mais pagará quando do retorno, caso o enfermo gaste além do que estava sendo previamente acertado.

Há uma harmonia psicológica tão profunda na parábola que encanta e concede-lhe caráter de integração num conteúdo perfeito.

A sombra do hospedeiro também cede lugar à claridade do Bem, porque confia que o estranho voltará para concluir o pagamento, caso o amparado exija maiores cuidados e despesas.

Certamente, o homem ultrajado jamais conhecerá o seu benfeitor. Tampouco esse saberá do que aconteceu posteriormente com o seu beneficiado. A ele interessa ajudar naquele momento, porque depois seria tarde demais. Não lhe fazer o bem seria uma forma de estimular o mal. Sua consciência não anuiriacom uma atitude de sombra de tal natureza, porque ele já se encontrava liberto do condicionamento de revidar prejuízo por prejuízo, perversidade por perversidade.

A sua condição de humanidade ergueu-o do primarismo que governa muitos sentimentos e facultou-lhe alçar-se ao discernimento útil e generoso.

É esse o sentido da caridade com Jesus. Não se trata da doação que humilha, do oferecimento das coisas e pertences inúteis, dos excessos que entulham móveis e mofam nos armários.

Ele já o demonstrara quando da Parábola da Viúva Pobre, que deu a pequena moeda que lhe ia auxiliar na alimentação do dia, por isso, muito mais valiosa do que todo o supérfluo em joias, moedas e objetos de alto preço que foram colocados no gazofilácio.

Aquela foi uma forma de autodoar-se, de entregar tudo quanto possuía e lhe era necessário, anulando o egoísmo em favor do significado religioso da oferta.

Somente assim, dando e doando-se, o indivíduo se salva, se liberta das paixões, desescraviza-se da posse infeliz; torna-se uno com o Bem que frui e esparze, volvendo ao Reino dos Céus sem estar acorrentado à Terra.

Esse é o sentido exato da caridade: libertação do ego e plenitude do Self.

Quando isso não ocorre, nenhuma crença libera da escravidão a que se permite o adepto. Necessário saber, portanto, como viver a crença, que fazer dela em forma de ação edificante, que resulte em bênçãos para o próximo e, consequentemente, para si mesmo.

Crer é uma experiência emocional, mas saber é uma conquista da inteligência que experiência a realidade e se deixa arrebatar, nunca mais alterando a consciência em torno do que conhece.

Pode-se mudar de crença; mas, quem passa a saber, enquanto vive em clima de normalidade, nunca mais ignora. Está ciente e vive consciente.

A caridade resulta na lição mais pura e mais profunda do amor de Jesus, que se prolongará por toda a Igreja cristã primitiva, mas que se corromperá na forma degradante da esmola que humilha e espezinha aquele que necessita, assinalando-o com a miséria, roubando-lhe a identidade que o dignifica.

O doutor da lei, que buscou Jesus, era o representante por excelência da sombra coletiva existente. Ele sentia que o Mestre, o Homem de Bem, o Messias esperado, era Aquele com quemdialogava. No entanto, a sua sombra individual, invejosa e ciumenta, desejava colhê-lo numa armadilha, bem ao gosto da inferioridade dos pigmeus morais, das crianças psicológicas que, embora adultas, se negam ao amadurecimento da responsabilidade, da autoanálise, da autoconsciência.

Sentindo-se incapaz de ser semelhante a Jesus, traiu a própria inferioridade, desejando perturbá-lo, levá-lo ao ridículo.

A sua foi a pergunta que apresentam os impostores, porque sabendo da resposta, desejam conferi-la com a que lhes podem dar aqueles que lhes despertam o ciúme inconfesso e a inveja mesquinha.

Era-lhe totalmente impossível ignorar o que se fazia necessário para possuirá vida eterna. E tanto era verdade que, por sua vez, interrogado por Jesus a respeito do que estava escrito na lei, foi taxativo em repetir o Decálogo, demonstrando a lucidez da memória e o atraso dos sentimentos.

Com a sabedoria e profundidade de percepção que eram peculiares ao Mestre, inferindo da resposta que o interrogante conhecia como encontrar a vida triunfante, utilizou-se das figuras dominantes-hediondas de outro sacerdote e de um levita, que representavam o lado escuro da sociedade preocupada com os triunfes da ilusão para confrontá-los com o samaritano, que se postava em condição de inferioridade, demonstrando que o amor é soberano, que independe de posição social, de raça, de privilégio. Ele mesmo é um privilégio que engrandece quem o vive e pode espalhá-lo.

A Parábola do Bom Samaritano é um poema da mais profunda psicologia do Mestre para com a Humanidade, que após ouvi-la, conscientemente, nunca mais poderá ser a mesma, tornando-se necessário a cada indivíduo atender a ordenança:

—Então, vai, diz Jesus, e faze o mesmo.

Ajudar é auxiliar-se, libertar é forma nobre de tornar-se livre.