(. . .) Aquele, portanto, que se humilhar e se tornar pequeno como esta criança será o maior no Reino dos Céus. . .
A supremacia do ego conduzindo o indivíduo faz que este se aferre às paixões primevas, das quais decorrem as ambições descabidas, os interesses mesquinhos, as quimeras. . .
Encharcado pelos fluidos grosseiros da matéria, o ser tem dificuldade de superar esses impositivos, disputando, na área das lutas pueris, a supremacia da sua vaidade e dos procedimentos que lhe caracterizam a faixa de evolução moral ainda retrógrada. Ocultando a sombra, mantém-se vinculado aos formalismos, às tradições, às aparências, embora os conflitos sub-reptícios em que agoniza.
A necessidade de impor-se, de destacar-se no grupo social anula o discernimento, abrindo campo mental e emocional para fruir gozos e lucros pessoais em todos os empreendimentos nos quais se vê envolvido.
Resultado da sombra coletiva que se responsabiliza pelos comportamentos doentios dos povos, a sua diluição exige contínuos esforços, de modo a se aclararem as situações amesquinhantes que têm pairado sobre a sociedade no transcurso dos tempos.
Lentamente, porém, o Deotropismo atrai homens e mulheres nobres que rompem com o status quo perturbador, apresentando horizontes felizes que conduzem à reabilitação do ser humano, facultando-lhe mais amplas conquistas de harmonia e dignidade.
Jesus enfrentou essa terrível herança ancestral em soberano governo sobre as consciências dos Seus contemporâneos.
Submetidos aos caprichos das leis arbitrárias e punitivas, na sua crueldade e rudeza, estabeleceram a relatividade dos valores humanos — o que, de certo modo, ainda permanece na Terra, especialmente quando da irrupção das guerras hediondas que submetem uns à dominação de outros —, permitindo-se subestimar aqueles que lhes não pertencessem à casta, à raça, à religião, em famigerados preconceitos que os dividiam e amesquinhavam os considerados inferiores.
No rol das propriedades estabelecidas nessa sociedade primitiva e em processo de crescimento moral, as mulheres, as crianças e os escravos não desfrutavam de quaisquer direitos ou de mínima consideração, antes servindo como alimárias desprezíveis. . .
Subestimados, constituíam carga que se poderia vender, transferindo-se de mãos sem o menor respeito pela sua condição de humanidade. A identidade predominante era a da força brutal, remanescente da selvageria que se impôs nos primórdios do desenvolvimento antropológico.
A sombra coletiva conduzia ao desvario, ao total vilipendio do sentido humano de comportar-se e de conduzir o seu próximo.
Jesus, o Homem nazareno, se deparou com essa terrível situação espiritual e cultural, enfrentando a hediondez e o crime que são alguns dos disfarces da ignorância, quando esta predomina em a natureza da criatura.
Ele iria reverter essa situação ignóbil, arrostando as consequências, assim como espancando a de natureza individual com o esclarecimento, a liberdade de consciência e a dignificação do próximo.
Os valores são de natureza profunda e não aqueles que se conquistam pela insânia da barbárie, como espólio de vitórias escabrosas, resultados de aventuras torpes.
Ele teve a coragem de engrandecer a mulher, quando todos a vituperavam, destacando-a com o respeito e a consideração merecidos, e que lhe eram negados, rompendo a hipocrisia, os prejuízos sociais e os caprichos inferiores que se tornaram regra de conduta nessa sociedade, tumultuada pelos conflitos internos e externos, encharcada de orgulho e intoxicada de presunção.
Investiu contra essa sombra coletiva, definindo que a fragilidade e a inferioridade atribuídas à mulher, eram resultado da dubiedade moral do próprio homem, que assim projetava a sua fraqueza nela, em vez de ter a coragem de auto enfrentar-se, para combater o defeito de evolução e a falta de maturidade psicológica.
Era, aparentemente, mais fácil e mais cômodo atacar a projeção da imagem detestada noutrem do que, identificando-a no imo, trabalhar por superá-la. É sempre uma atitude sórdida combater a projeção antes que a realidade geradora, a sua causa.
Jesus sempre se comoveu diante da mulher, construtora da Humanidade, a quem era negada a oportunidade de demonstrar o seu potencial, em razão da sombra bíblica, que lhe projetara a culpa pela defecção do homem no Paraíso mitológico, seu arquétipo ancestral.
Na perspectiva da Psicologia Profunda, a ojeriza à criança e o repúdio a que se via submetida, igualmente caracterizavam oconflito dos adultos, temerosos da velhice, da doença, da morte, por efeito, de serem substituídos pelos infantes de então.
Jesus utilizou-se da criança como modelo de pureza, de inocência, em razão de ainda não haver penetrado no uso da razão, do discernimento do Bem e do Mal - essa fantástica conquista do Self— não obstante as experiências anteriores na sua condição de Espírito imortal que é. Repetidas vezes, referiase-lhe com expressões enobrecedoras, exaltando-lhe a pulcritude e determinando que nunca a expulsassem da Sua presença, pois que também era digna de participar do banquete da Boa-nova.
Jesus e o Evangelho à luz da Psicologia Profunda Compreensivelmente os Seus discípulos também, apesar de estarem emergindo da sombra em que se refugiavam ainda se debatiam nos conflitos, exaltando os caprichos do ego, enquanto Ele era a fraternidade ampla e incondicional, o amor em todas as dimensões.
Ao primeiro ensejo, sombreados pela ilusão, disputavam privilégios, anelavam por prioridades, destaques, honrarias. Não haveria outra motivação para estarem ao Seu lado, se não usufruíssem do Seu prestígio, da Sua notoriedade, convertendo essas conquistas em resultados de imediato consumo e prazer.
—Qual dentre eles seria o maior? - discutiram animosos, em ocasião quando retornavam de uma viagem, na qual haviam sido incumbidos de realizar alguns misteres.
Pensavam que era justo descobrir quem merecia o maior quinhão de Sua ternura e consideração, qual aquele que mais se destacava no conjunto, olvidando-se que a seleção se daria de forma diferente, através da renúncia, do desapego, das vitórias sobre as paixões servis.
A sombra coletiva era densa e absorvente, penetrante e enraizada no comportamento ancestral, ainda não superada, e, por isso mesmo, impunha a disputa dos interesses mesquinhos, imediatistas, que se sobrepunham aos objetivos elevados do bem geral, da transformação pela qual deveria passar todo o organismo social, e Ele o declarara várias vezes.
O ego dominador era, no entanto, mais importante, necessitando ser atendido, apesar do serviço em grupo, da família que Ele estava organizando, a todos oferecendo o mesmo indistinto amor fraternal. No confronto, quando chegaram esfogueados e O encontraram, Ele os desnudou com um doce e transparente olhar, para logo inquirir, paciente:
—Que vínheis discutindo pelo caminho?
Descobertos, quais crianças surpreendidas em erros que não podiam ocultar, envergonharam-se, entreolharam-se, mas, a verdade é que desejavam saber quem era o mais amado. O tema estava pulsante em seus sentimentos apaixonados, assinalados pelos ciúmes e por querelas ridículas, pela competição, pela inveja. . .
A interrogação que os requeimava, feita pelo Homem-Jesus condoído da ingenuidade deles, recebeu o silêncio da pusilanimidade, da covardia moral para enfrentar o esclarecimento.
A atitude de fuga da realidade para o disfarce era ainda a melhor maneira de deixarem-se conduzir pela sombra torpe.
Viviam com Ele, e O não conheciam.
Estavam na claridade, e optavam pela treva.
Aturdidos, ouviram e viram o Terapeuta das suas enfermidades tomar de uma criança e transformá-la em modelo.
Para ser o maior no Seu conceito, era necessário fazer-se o menor, o servidor, esquecendo-se de si mesmo e altruisticamente colocando o seu irmão no lugar onde desejasse estar.
Esse foi um dos magnificentes momentos do Evangelho: o encontro do ego doentio com o libertador.
Ninguém havia tido coragem para propor esse enfrentamento, que tardava na economia social da Terra, dominada pela sombra coletiva do seu primarismo psicológico.
Ele viera para que se tivesse vida, e esta é libertação da ignorância, da noite, da sombra do erro.
Ainda hoje o repto de Jesus-Homem permanece rompendo as masmorras que aprisionam o ser estúrdio e enfermo, que se recusa à pureza, à inocência, à espontaneidade dos sentimentos, permitindo-se manter os gravames das suspeitas infundadas, dos ressentimentos doentios, das intrigas infamantes, dos caprichos mórbidos.
Ele nada exigia, jamais condicionava, nunca, porém, se submetia às paixões em voga.
Vivia intensamente a Mensagem que ensinava com palavras e exemplos, silêncios e sacrifícios. (. . .) Aquele, portanto, que se humilhar e se tornar pequeno como esta criança será o maior no Reino dos Céus — estabelecera como condição essencial.