O Céu e o Inferno
Capítulo III
O CÉU
Primeira Parte • Doutrina
• Item 1 •
Em geral, a palavra céu designa o espaço indefinido que circunda a Terra, e mais particularmente a parte que está acima do nosso horizonte. Vem do latim coelum, formada do grego coiios, côncavo, porque o céu parece uma imensa concavidade. Os antigos acreditavam na existência de muitos céus superpostos, de matéria sólida e transparente, formando esferas concêntricas e tendo a Terra por centro. Girando essas esferas em torno da Terra, arrastavam consigo os astros que se achavam em seu circuito. Essa idéia, provinda da deficiência de conhecimentos astronômicos, foi a de todas as teogonias, que fizeram dos céus, assim escalados, os diversos degraus da bem-aventurança: o último deles era abrigo da suprema felicidade. Segundo a opinião mais comum, havia sete céus e daí a expressão - estar no sétimo céu - para exprimir perfeita felicidade. Os muçulmanos admitem nove céus, em cada um dos quais se aumenta a felicidade dos crentes. O astrônomo Ptolomeu (1) contava onze e denominava ao último Empíreo (2) por causa da luz brilhante que nele reina. É este ainda hoje o nome poético dado ao lugar da glória eterna. A teologia cristã reconhece três céus: o primeiro é o da região do ar e das nuvens; o segundo, o espaço em que giram os astros, e o terceiro, para além deste, é a morada do Altíssimo, a habitação dos que o contemplam face a face. É conforme a esta crença que se diz que S. Paulo foi alçado ao terceiro céu. (1) Ptolomeu viveu em Alexandria, Egito, no segundo século da era cristã. (2) Do grego, pur ou pyr, fogo.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 2 •
As diferentes doutrinas relativamente ao paraíso repousam todas no duplo erro de considerar a Terra centro do Universo, e limitada a região dos astros. É além desse limite imaginário que todas têm colocado a residência afortunada e a morada do Todo-Poderoso. Singular anomalia que coloca o Autor de todas as coisas, Aquele que as governa a todas, nos confins da criação, em vez de no centro, donde o seu pensamento poderia, irradiante, abranger tudo!
Primeira Parte • Doutrina
• Item 3 •
A Ciência, com a lógica inexorável da observação e dos fatos, levou o seu archote às profundezas do Espaço e mostrou a nulidade de todas essas teorias. A Terra não é mais o eixo do Universo, porém um dos menores astros que rolam na imensidade; o próprio Sol mais não é do que o centro de um turbilhão planetário; as estrelas são outros tantos e inumeráveis sóis, em torno dos quais circulam mundos sem conta, separados por distâncias apenas acessíveis ao pensamento, embora se nos afigure tocarem-se. Neste conjunto grandioso, regido por leis eternas - reveladoras da sabedoria e onipotência do Criador -, a Terra não é mais que um ponto imperceptível e um dos planetas menos favorecidos quanto à habitabilidade. E, assim sendo, é lícito perguntar por que Deus faria da Terra a única sede da vida e nela degredaria as suas criaturas prediletas? Mas, ao contrário, tudo anuncia a vida por toda parte e a Humanidade é infinita como o Universo. Revelando-nos a Ciência mundos semelhantes ao nosso, Deus não podia tê-los criado sem intuito, antes deve tê-los povoado de seres capazes de os governar.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 4 •
As idéias do homem estão na razão do que ele sabe; como todas as descobertas importantes, a da constituição dos mundos deveria imprimir-lhes outro curso; sob a influência desses conhecimentos novos, as crenças se modificaram; o Céu foi deslocado e a região estelar, sendo ilimitada, não mais lhe pode servir. Onde está ele, pois? E ante esta questão emudecem todas as religiões. O Espiritismo vem resolvê-las demonstrando o verdadeiro destino do homem. Tomando-se por base a natureza deste último e os atributos divinos, chega-se a uma conclusão; isto quer dizer que partindo do conhecido atinge-se o desconhecido por uma dedução lógica, sem falar das observações diretas que o Espiritismo faculta.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 5 •
O homem compõe-se de corpo e Espírito: o Espírito é o ser principal, racional, inteligente; o corpo é o invólucro material que reveste o Espírito temporariamente, para preenchimento da sua missão na Terra e execução do trabalho necessário ao seu adiantamento. O corpo, usado, destrói-se e o Espírito sobrevive à sua destruição. Privado do Espírito, o corpo é apenas matéria inerte, qual instrumento privado da mola real de função; sem o corpo, o Espírito é tudo: a vida, a inteligência. Em deixando o corpo, torna ao mundo espiritual, onde paira, para depois reencarnar. Existem, portanto, dois mundos: o corporal, composto de Espíritos encarnados; e o espiritual, formado dos Espíritos desencarnados. Os seres do mundo corporal, devido mesmo à materialidade do seu envoltório, estão ligados à Terra ou a qualquer globo; o mundo espiritual ostenta-se por toda parte, em redor de nós como no Espaço, sem limite algum designado. Em razão mesmo da natureza fluídica do seu envoltório, os seres que o compõem, em lugar de se locomoverem penosamente sobre o solo, transpõem as distâncias com a rapidez do pensamento. A morte do corpo não é mais que a ruptura dos laços que os retinham cativos.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 6 •
Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas dotados de aptidões para tudo conhecerem e para progredirem, em virtude do seu livre-arbítrio. Pelo progresso adquirem novos conhecimentos, novas faculdades, novas percepções e, conseguintemente, novos gozos desconhecidos dos Espíritos inferiores; eles vêem, ouvem, sentem e compreendem o que os Espíritos atrasados não podem ver, sentir, ouvir ou compreender. A felicidade está na razão direta do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto outro, unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos, pode um estar em trevas, enquanto que tudo resplandece para o outro, tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual aquele não recebe a mínima impressão. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às suas qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram, sela à superfície da Terra, no meio dos encarnados, ou no Espaço. Uma comparação vulgar fará compreender melhor esta situação. Se se encontrarem em um concerto dois homens, um, bom músico, de ouvido educado, e outro, desconhecedor da música, de sentido auditivo pouco delicado, o primeiro experimentará sensação de felicidade, enquanto o segundo permanecerá insensível, porque um compreende e percebe o que nenhuma impressão produz no outro. Assim sucede quanto a todos os gozos dos Espíritos, que estão na razão da sua sensibilidade. O mundo espiritual tem esplendores por toda parte, harmonias e sensações que os Espíritos inferiores, submetidos à influência da matéria, não entrevêem se quer, e que somente são acessíveis aos Espíritos purificados.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 7 •
O progresso nos Espíritos é o fruto do próprio trabalho; mas, como são livres, trabalham no seu adiantamento com maior ou menor atividade, com mais ou menos negligência, segundo sua vontade, acelerando ouretardando o progresso e, por conseguinte, a própria felicidade. Enquanto uns avançam rapidamente, entorpecem-se outros, quais poltrões, nas fileiras inferiores. São eles, pois, os próprios autores da sua situação, feliz ou desgraçada, conforme esta frase do Cristo: - A cada um segundo as suas obras. Todo Espírito que se atrasa não pode queixar-se senão de si mesmo, assim como o que se adianta tem o mérito exclusivo do seu esforço, dando por isso maior apreço à felicidade conquistada. A suprema felicidade só é compartilhada pelos Espíritos perfeitos, ou, por outra, pelos puros Espíritos, que não a conseguem senão depois de haverem progredido em inteligência e moralidade. O progresso intelectual e o progresso moral raramente marcham juntos, mas o que o Espírito não consegue em dado tempo, alcança em outro, de modo que os dois progressos acabam por atingir o mesmo nível. Eis por que se vêem muitas vezes homens inteligentes e instruídos pouco adiantados moralmente, e vice-versa.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 8 •
A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do Espírito: ao progresso intelectual pela atividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral pela necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das boas ou más qualidades. A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má-fé, a hipocrisia, em uma palavra, tudo o que constitui o homem de bem ou o perverso tem por móvel, por alvo e por estímulo as relações do homem com os seus semelhantes. Para o homem que vivesse insulado não haveria vícios nem virtudes; preservando-se do mal pelo insulamento, o bem de si mesmo se anularia.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 9 •
Uma só existência corporal é manifestamente insuficiente para o Espírito adquirir todo o bem que lhe falta e eliminar o mal que lhe sobra. Como poderia o selvagem, por exemplo, em uma só encarnação nivelar-se moral e intelectualmente ao mais adiantado europeu? É materialmente impossível. Deve ele, pois, ficar eternamente na ignorância e barbaria, privado dos gozos que só o desenvolvimento das faculdades pode proporcionar-lhe? O simples bom-senso repele tal suposição, que seria não somente a negação da justiça e bondade divinas, mas das próprias leis evolutivas e progressivas da Natureza. Mas Deus, que é soberanamente justo e bom, concede ao Espírito tantas encarnações quantas as necessárias para atingir seu objetivo a perfeição. Para cada nova existência de permeio à matéria, entra o Espírito com o cabedal adquirido nas anteriores, em aptidões, conhecimentos intuitivos, inteligência e moralidade. Cada existência é assim um passo avante no caminho do progresso. (1) A encarnação é inerente à inferioridade dos Espíritos, deixando de ser necessária desde que estes, transpondo-lhe os limites, ficam aptos para progredir no estado espiritual, ou nas existências corporais de mundos superiores, que nada têm da materialidade terrestre. Da parte destes a encarnação é voluntária, tendo por fim exercer sobre os encarnados uma ação mais direta e tendente ao cumprimento da missão que lhes compete junto dos mesmos. Desse modo aceitam abnegadamente as vicissitudes e sofrimentos da encarnação. (1) Vede 1ª. Parte, cap. I, n° 3, nota 1.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 10 •
No intervalo das existências corporais o Espírito torna a entrar no mundo espiritual, onde é feliz ou desgraçado segundo o bem ou o mal que fez. Uma vez que o estado espiritual é o estado definitivo do Espírito e o corpo espiritual não morre, deve ser esse também o seu estado normal. O estado corporal é transitório e passageiro. É no estado espiritual sobretudo que o Espírito colhe os frutos do progresso realizado pelo trabalho da encarnação; é também nesse estado que se prepara para novas lutas e toma as resoluções que há de pôr em prática na sua volta à Humanidade. O Espírito progride igualmente na erraticidade, adquirindo conhecimentos especiais que não poderia obter na Terra, e modificando as suas idéias. O estado corporal e o espiritual constituem a fonte de dois gêneros de progresso, pelos quais o Espírito tem de passar alternadamente, nas existências peculiares a cada um dos dois mundos.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 11 •
A reencarnação pode dar-se na Terra ou em outros mundos. Há entre os mundos alguns mais adiantados onde a existência se exerce em condições menos penosas que na Terra, física e moralmente, mas onde também só são admitidos Espíritos chegados a um grau de perfeição relativo ao estado desses mundos. A vida nos mundos superiores já é uma recompensa, visto nos acharmos isentos, aí, dos males e vicissitudes terrenos. Onde os corpos, menos materiais, quase fluídicos, não mais são sujeitos às moléstias, às enfermidades, e tampouco têm as mesmas necessidades. Excluídos os Espíritos maus, gozam os homens de plena paz, sem outra preocupação além da do adiantamento pelo trabalho intelectual. Reina lá a verdadeira fraternidade, porque não há egoísmo; a verdadeira igualdade, porque não há orgulho, e a verdadeira liberdade por não haver desordens a reprimir, nem ambiciosos que procurem oprimir o fraco. Comparados à Terra, esses mundos são verdadeiros paraísos, quais pousos ao longo do caminho do progresso conducente ao estado definitivo. Sendo a Terra um mundo inferior destinado à purificação dos Espíritos imperfeitos, está nisso a razão do mal que aí predomina, até que praza a Deus fazer dela morada de Espíritos mais adiantados. Assim é que o Espírito, progredindo gradualmente à medida que se desenvolve, chega ao apogeu da felicidade; porém, antes de ter atingido a culminância da perfeição, goza de uma felicidade relativa ao seu progresso. A criança também frui os prazeres da infância, mais tarde os da mocidade, e finalmente os mais sólidos, da madureza.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 12 •
A felicidade dos Espíritos bem-aventurados não consiste na ociosidade contemplativa, que seria, como temos dito multas vezes, uma eterna e fastidiosa inutilidade. A vida espiritual em todos os seus graus é, ao contrário, uma constante atividade, mas atividade isenta de fadigas. A suprema felicidade consiste no gozo de todos os esplendores da Criação, que nenhuma linguagem humana jamais poderia descrever, que a imaginação mais fecunda não poderia conceber. Consiste também na penetração de todas as coisas, na ausência de sofrimentos físicos e morais, numa satisfação intima, numa serenidade dalma imperturbável, no amor que envolve todos os seres, por causa da ausência de atrito pelo contacto dos maus, e, acima de tudo, na contemplação de Deus e na compreensão dos seus mistérios revelados aos mais dignos. A felicidade também existe nas tarefas cujo encargo nos faz felizes. Os puros Espíritos são os Messias ou mensageiros de Deus pela transmissão e execução das suas vontades. Preenchem as grandes missões, presidem à formação dos mundos e à harmonia geral do Universo, tarefa gloriosa a que se não chega senão pela perfeição. Os da ordem mais elevada são os únicos a possuírem os segredos de Deus, inspirando-se no seu pensamento, de que são diretos representantes.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 13 •
As atribuições dos Espíritos são proporcionadas ao seu progresso, às luzes que possuem, às suas capacidades, experiência e grau de confiança inspirada ao Senhor soberano.Nem favores, nem privilégios que não sejam o prêmio ao mérito; tudo é medido e pesado na balança da estrita justiça. As missões mais importantes são confiadas somente àqueles que Deus julga capazes de as cumprir e incapazes de desfalecimento ou comprometimento. E enquanto que os mais dignos compõem o supremo conselho, sob as vistas de Deus, a chefes superiores é cometida a direção de turbilhões planetários, ê a outros conferida a de mundos especiais. Vêm, depois, pela ordem de adiantamento e subordinação hierárquica, as atribuições mais restritas dos prepostos ao progresso dos povos, à proteção das famílias e indivíduos, ao impulso de cada ramo de progresso, às diversas operações da Natureza até aos mais ínfimos pormenores da Criação. Neste vasto e harmônico conjunto há ocupações para todas as capacidades, aptidões e esforços; ocupações aceitas com júbilo, solicitadas com ardor, por serem um meio de adiantamento para os Espíritos que ao progresso aspiram.
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• Item 14 •
Ao lado das grandes missões confiadas aos Espíritos superiores, há outras de importância relativa em todos os graus, concedidas a Espíritos de todas as categorias, podendo afirmar-se que cada encarnado tem a sua, isto é, deveres a preencher a bem dos seus semelhantes, desde o chefe de família, a quem incumbe o progresso dos filhos, até o homem de gênio que lança às sociedades novos germens de progresso. É nessas missões secundárias que se verificam desfalecimentos, prevaricações e renúncias que prejudicam o indivíduo sem afetar o todo.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 15 •
Todas as inteligências concorrem, pois, para a obra geral, qualquer que seja o grau atingido, e cada uma na medida das suas forças, seja no estado de encarnação ou no espiritual. Por toda parte a atividade, desde a base ao ápice da escala, instruindo-se, coadjuvando-se em mútuo apoio, dando-se as mãos para alcançarem o zênite.Assim se estabelece a solidaridade entre o mundo espiritual e o corporal, ou, em outros termos, entre os homens e os Espíritos, entre os Espíritos libertos e os cativos. Assim se perpetuam e consolidam, pela purificação e continuidade de relações, as verdadeiras simpatias e nobres afeições. Por toda parte, a vida e o movimento: nenhum canto do infinito despovoado, nenhuma região que não seja incessantemente percorrida por legiões inumeráveis de Espíritos radiantes, invisíveis aos sentidos grosseiros dos encarnados, mas cuja vista deslumbra de alegria e admiração as almas libertas da matéria. Por toda parte, enfim, há uma felicidade relativa a todos os progressos, a todos os deveres cumpridos, trazendo cada um consigo os elementos de sua felicidade, decorrente da categoria em que se coloca pelo seu adiantamento. Das qualidades do indivíduo depende-lhe a felicidade, e não do estado material do meio em que se encontra, podendo a felicidade, portanto, existir em qualquer parte onde haja Espíritos capazes de a gozar. Nenhum lugar lhe é circunscrito e assinalado no Universo. Onde quer que se encontrem, os Espíritos podem contemplar a majestade divina, porque Deus está em toda parte.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 16 •
Entretanto, a felicidade não é pessoal: Se a possuíssemos somente em nós mesmos, sem poder reparti-la com outrem, ela seria tristemente egoísta. Também a encontramos na comunhão de idéias que une os seres simpáticos. Os Espíritos felizes, atraindo-se pela similitude de gestos e sentimentos, formam vastos agrupamentos ou famílias homogêneas, no selo das quais cada individualidade irradia as qualidades próprias e satura-se dos eflúvios serenos e benéficos emanados do conjunto. Os membros deste, ora se dispersam para se darem à sua missão, ora se reúnem em dado ponto do Espaço a fim de se prestarem contas do trabalho realizado, ora se congregam em torno dum Espírito mais elevado para receberem instruções e conselhos.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 17 •
Posto que os Espíritos estejam por toda parte, os mundos são de preferência os seus centros de atração, em virtude da analogia existente entre eles e os que os habitam. Em torno dos mundos adiantados abundam Espíritos superiores, como em torno dos atrasados pululam Espíritos inferiores. Cada globo tem, de alguma sorte, sua população própria de Espíritos encarnados e desencarnados, alimentada em sua maioria pela encarnação e desencarnação dos mesmos. Esta população é mais estável nos mundos inferiores, pelo apego deles à matéria, e mais flutuante nos superiores. Destes últimos, porém, verdadeiros focos de luz e felicidade, Espíritos se destacam para mundos inferiores a fim de neles semearem os germens do progresso, levar-lhes consolação e esperança, levantar os ânimos abatidos pelas provações da vida. Por vezes também se encarnam para cumprir com mais eficácia a sua missão.
Primeira Parte • Doutrina
• Item 18 •
Nessa imensidade ilimitada, onde está o Céu? Em toda parte. Nenhum contorno lhe traça limites. Os mundos adiantados são as últimas estações do seu caminho, que as virtudes franqueiam e os vícios interditam. Ante este quadro grandioso que povoa o Universo, que dá a todas as coisas da Criação um fim e uma razão de ser, quanto é pequena e mesquinha a doutrina que circunscreve a Humanidade a um ponto imperceptível do Espaço, que no-la mostra começando em dado instante para acabar igualmente com o mundo que a contém, não abrangendo mais que um minuto na Eternidade! Como é triste, fria, glacial essa doutrina quando nos mostra o resto do Universo, durante e depois da Humanidade terrestre, sem vida, nem movimento, qual vastíssimo deserto imerso em profundo silêncio! Como é desesperadora a perspectiva dos eleitos votados à contemplação perpétua, enquanto a maioria das criaturas padece tormentos sem-fim! Como lacera os corações sensíveis a idéia dessa barreira entre mortos e vivos! As almas ditosas, dizem, só pensam na sua felicidade, como as desgra-çadas, nas suas dores. Admira que o egoísmo reine sobre a Terra quando no-lo mostram no Céu? Oh! quão mesquinha se nos afigura essa idéia da grandeza, do poder e da bondade de Deus! Quanto é sublime a idéia que dEle fazemos pelo Espiritismo! Quanto a sua doutrina engrandece as idéias e amplia o pensamento! Mas, quem diz que ela é verdadeira? A Razão primeiro, a Revelação depois, e, finalmente, a sua concordância com os progressos da Ciência. Entre duas doutrinas, das quais uma amesquinha e a outra exalta os atributos de Deus; das quais uma só está em desacordo e a outra em harmonia com o progresso; das quais uma se deixa ficar na retaguarda enquanto a outra caminha, o bom-senso diz de que lado está a verdade. Que, confrontando-as, consulte cada qual a consciência, e uma voz íntima lhe falará por ela. Pois bem, essas aspirações íntimas são a voz de Deus, que não pode enganar os homens. Mas, dir-se-á, por que Deus não lhes revelou de princípio toda a verdade? Pela mesma razão por que senão ensina à infância o que se ensina aos de idade madura. A revelação limitada foi suficiente a certo período da Humanidade, e Deus a proporciona gradativamente ao progresso e às forças do Espírito. Os que recebem hoje uma revelação mais completa são os mesmos Espíritos que tiveram dela uma partícula em outros tempos e que de então por diante se engrandeceram em inteligência. Antes de a Ciência ter revelado aos homens as forças vivas da Natureza, a constituição dos astros, o verdadeiro papel da Terra e sua formação, poderiam eles compreender a imensidade do Espaço e a pluralidade dos mundos? Antes de a Geologia comprovar a formação da Terra, poderiam os homens tirar-lhe o inferno das entranhas e compreender o sentido alegórico dos seis dias da Criação? Antes de a Astronomia descobrir as leis que regem o Universo, poderiam compreender que não há alto nem baixo no Espaço, que o céu não está acima das nuvens nem limitado pelas estrelas? Poderiam identificar-se com a vida espiritual antes dos progressos da ciência psicológica? conceber depois da morte uma vida feliz ou desgraçada, a não ser em lugar circunscrito e sob uma forma material? Não; compreendendo mais pelos sentidos que pelo pensamento, o Universo era muito vasto para a sua concepção; era preciso restringi-lo ao seu ponto de vista para alargá-lo mais tarde. Uma revelação parcial tinha sua utilidade, e, embora sábia até então, não satisfaria hoje. O absurdo provém dos que pretendem poder governar os homens de pensamento, sem se darem conta do progresso das idéias, quais se fossem crianças. (Vede O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. III.)
Espíritos em condições medianas
Segunda Parte • Exemplos • JOSEPH BRÊ • (Falecido em 1840 e evocado em Bordéus, por sua neta, em 1
862)
O homem honesto segundo Deus ou segundo os homens
• Item 1 •
Caro avô, podeis dizer-me como vos encontrais no mundo dos Espíritos, dando-me quaisquer pormenores úteis ao nosso progresso?
- Resposta: Tudo que quiseres, querida filha. Eu expio a minha descrença; porém, grande é a bondade de Deus, que atende às circunstâncias. Sofro, mas não como poderias imaginar: é o desgosto de não ter melhor aproveitado o tempo aí na Terra.
Segunda Parte • Exemplos • JOSEPH BRÊ • (Falecido em 1840 e evocado em Bordéus, por sua neta, em 1
862)
O homem honesto segundo Deus ou segundo os homens
• Item 2 •
Como? Pois não vivestes sempre honestamente?
- Resposta: Sim, no juízo dos homens; mas há um abismo entre a honestidade perante os homens e a honestidade perante Deus. E uma vez que desejas instruir-te, procurarei demonstrar-te a diferença. Aí, entre vós, é reputado honesto aquele que respeita as leis do seu país, respeito arbitrário para muitos. Honesto é aquele que não prejudica o próximo ostensivamente, embora lhe arranque muitas vezes a felicidade e a honra, visto o código penal e a opinião pública não atingirem o culpado hipócrita. Em podendo fazer gravar na pedra do túmulo um epitáfio de virtude, julgam muitos terem pago sua dívida à Humanidade! Erro! Não basta, para ser honesto perante Deus, ter respeitado as leis dos homens; é preciso antes de tudo não haver transgredido as leis divinas. Honesto aos olhos de Deus será aquele que, possuído de abnegação e amor, consagre a existência ao bem, ao progresso dos seus semelhantes; aquele que, animado de um zelo sem limites, for ativo na vida; ativo no cumprimento dos deveres materiais, ensinando e exemplificando aos outros o amor ao trabalho; ativo nas boas ações, sem esquecer a condição de servo ao qual o Senhor pedirá contas, um dia, do emprego do seu tempo; ativo finalmente na prática do amor de Deus e do próximo. Assim o homem honesto, perante Deus, deve evitar cuidadoso as palavras mordazes, veneno oculto sob flores, que destrói reputações e acabrunha o homem, muitas vezes cobrindo-o de ridículo. O homem honesto, segundo Deus, deve ter sempre cerrado o coração a quaisquer germens de orgulho, de inveja, de ambição; deve ser paciente e benévolo para com os que o agredirem; deve perdoar do fundo dalma, sem esforços e sobretudo sem ostentação, a quem quer que o ofenda; deve, enfim, praticar o preceito conciso e grandioso que se resume "no amor de Deus sobre todas as coisas e do próximo como a si mesmo". Eis aí, querida filha, aproximadamente o que deve ser o homem honesto perante Deus. Pois bem: tê-lo-ia eu sido? Não. Confesso sem corar que faltei a muitos desses deveres; que não tive a atividade necessária; que o esquecimento de Deus impeliu-me a outras faltas, as quais, por não serem passíveis às leis humanas, nem por isso deixam de ser atentatórias à lei de Deus. Compreendendo-o, muito sofri, e assim é que hoje espero mais consolado a misericórdia desse Deus de bondade, que perscruta o meu arrependimento. Transmite, cara filha, repete tudo o que aí fica a quantos tiverem a consciência onerada, para que reparem suas faltas à força de boas obras, a fim de que a misericórdia de Deus se estendapor sobre eles. Seus olhos paternais lhes calcularão as provações. Sua mão potente lhes apagará as faltas.
Segunda Parte • Exemplos • Sra. HÉLÈNE MICHEL
Jovem de 25 anos, falecida subitamente no lar, sem sofrimentos, sem causa previamente conhecida. Rica e um tanto frívola, a leviandade de caráter predispunha-a mais para as futilidades da vida do que para as coisas sérias. Não obstante, possuía um coração bondoso e era dócil, afetuosa e caritativa. Evocada três dias após a morte por pessoas conhecidas, exprimia-se assim: "Não sei onde estou... que turbação me cerca! Chamaste-me, e eu vim. Não compreendo por que não estou em minha casa; lamentam a minha ausência quando presente estou, sem poder fazer-me reconhecida. Meu corpo não mais me pertence, e no entanto eu lhe sinto a algidez.. Quero deixá-lo e mais a ele me prendo, sempre... Sou como que duas personalidades... Oh! quando chegarei a compreender o que comigo se passa? É necessário que vá lá ainda... meu outro "eu", que lhe sucederá na minha ausência? Adeus." Nota - O sentimento da dualidade que não está ainda destruído por uma completa separação, é aqui evidente. Caráter volúvel, permitindo-lhe a posição e a fortuna a satisfação de todos os caprichos, deveria igualmente favorecer as tendências de leviandade. Não admira, pois, tenha sido lento o seu desprendimento, a ponto de, três dias após a morte, sentir-se ainda ligada ao invólucro corporal. Mas, como não possuísse vícios sérios e fosse de boa índole, essa situação nada tinha de penosa e não deveria prolongar-se por muito tempo. Evocada novamente depois de alguns dias, as suas idéias estavam já muito modificadas. Eis o que disse: "Obrigada por haverdes orado por mim. Reconheço a bondade de Deus, que me subtraiu aos sofrimentos e apreensões conseqüentes ao desligamento do meu Espírito. A minha pobre mãe será dificílimo resignar-se; entretanto será confortada, e o que a seus olhos constitui sensível desgraça, era fatal e indispensável para que as coisas do Céu se lhe tornassem no que devem ser: tudo. Estarei ao seu lado até o fim da sua provação terrestre, ajudando-a a suportá-la. "Não sou infeliz, porém, muito tenho ainda a fazer para aproximar-me da situação dos bem-aventurados. Pedirei a Deus me conceda voltar a essa Terra para reparação do tempo que aí perdi nesta última existência. "A fé vos ampare, meus amigos; confiai na eficácia da prece, mormente quando partida do coração. Deus é bom."
- Pergunta: Levastes muito tempo a reconhecer-vos?
- Resposta: Compreendi a morte no mesmo dia que por mim orastes.
- Pergunta: Era doloroso o estado de perturbação?
- Resposta: Não, eu não sofria, acreditava sonhar e aguardava o despertar. Minha vida não foi isenta de dores, mas todo ser encarnado nesse mundo deve sofrer. Resignando-me à vontade de Deus, a minha resignação foi por Ele levada em conta. Grata vos sou pelas preces que me auxiliaram no reconhecimento de mim mesma. Obrigada; voltarei sempre com prazer. Adeus.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 1 •
Evocação:
- Resposta: Eis-me aqui.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 2 •
Vossa irmã pediu-nos para evocar-vos, pois, conquanto seja médium, não está ainda bastante desenvolvida.
- Resposta: Responderei da melhor forma possível.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 3 •
Em primeiro lugar ela deseja saber se sois feliz. R. - Estou na erraticidade, estado transitório que não proporciona nem felicidade nem castigo absolutos.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 4 •
Permanecestes por muito tempo inconsciente do vosso estado?
- Resposta: Estive muito tempo perturbado e só voltei a mim para bendizer da piedade dos que, lembrando-se de mim, por mim oraram.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 5 •
E podeis precisar o tempo dessa perturbação?
- Resposta: Não.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 6 •
Quais os parentes que reconhecestes primeiro?
- Resposta: Minha mãe e meu pai, os quais me receberam ao despertar, iniciando-me em a nova vida.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 7 •
A que atribuir o fato de parecer que nos últimos extremos da moléstia confabuláveis com as pessoas caras da Terra?
- Resposta: Ao conhecimento antecipado pela revelação do mundo que viria habitar. Vidente antes da morte, meus olhos só se turbaram no momento da separação do corpo, porque os laços carnais eram ainda muito vigorosos.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 8 •
Como explicar as recordações da infância que de preferência vos ocorriam?
- Resposta: Ao fato de o principio se identificar mais com o fim, que com o meio da vida. P. Como explicar isso?
- Resposta: Importa dizer que os moribundos lembram e vêem, como reflexo consolador, a pureza infantil dos primeiros anos. Nota - É provavelmente por motivo providencial semelhante que os velhos, à proporção que se aproximam do termo da vida, têm, por vezes, nítida lembrança dos mais ínfimos episódios da infância.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 9 •
Por que, referindo-vos ao corpo, faláveis sempre na terceira pessoa?
- Resposta: Porque era vidente comovo-lo disse, e sentia claramente as diferenças entre o físico e o moral; essas diferenças, muito amalgamadas entre si pelo fluido vital, tornam-se distintíssimas aos olhos dos moribundos clarividentes. Nota - Eis aí uma particularidade singular da morte deste senhor. Nos seus últimos momentos, ele dizia sempre: Ele tem sede, é preciso dar-lhe de beber; ele tem frio, é preciso aquecê-lo; sofre em tal ou tal região, etc. E quando se lhe dizia: Mas sois vós que tendes sede? - respondia: "Não, é ele." Aqui ressaltam perfeitamente as duas existências; o eu pensante está no Espírito e não no corpo; o Espírito, em parte desprendido, considerava o corpo outra individualidade, que a bem dizer lhe não pertencia; era portanto ao seu corpo que se fazia mister dessedentar, e não a ele Espírito. Este fenômeno nota-se também em alguns sonâmbulos.
Segunda Parte • Exemplos • O MARQUÊS DE SAINT-PAUL • (Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1
861)
• Item 10 •
O que dissestes sobre a erraticidade do vosso Espírito e sua respectiva perturbação, levaria a duvidar da vossa felicidade, ao contrário do que se poderia inferir das vossas qualidades. Demais, há Espíritos errantes felizes e infelizes.
- Resposta: Estou num estado transitório; aqui as virtudes humanas passam a ter seu justo valor. Certo, este estado é mil vezes preferível ao da minha encarnação terrestre; mas porque alimentei sempre aspirações ao verdadeiramente bom e belo, minha alma não ficará satisfeita senão quando se alçar aos pés do Criador.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
Passara uma parte da sua vida na marinha mercante, como médico de navio baleeiro, adquirindo em tal ambiente idéias um tanto materialistas; recolhido à cidade de J..., exerceu aí a modesta profissão de médico da roça. Havia algum tempo, adquirira a certeza de estar afetado de urna hipertrofia do coração, e, sabendo a moléstia incurável, deixava-se abater pela perspectiva da morte, num estado de melancolia inconsolável. Predisse o dia certo do falecimento, com antecipação de cerca dedois meses, e, chegado o momento, ele reuniu a família para dizer-lhe o último adeus. Estando abeirados do seu leito a esposa, a mãe, os três filhos e outros parentes, quando a primeira tentava erguê-lo, ele prostrou-se, tornando-se de um roxo lívido e fechando os olhos, pelo que foi julgado morto. A esposa colocou-se então de permeio, para ocultar aos filhos esse espetáculo. Minutos depois, o doente reabriu os olhos; sua fisionomia, por assim dizer iluminada, tomou radiante expressão de beatitude, e ele exclamou: - "Oh! meus filhos, belo! sublime! Oh! a morte! que benefício! que coisa suave! Morto, senti minha alma elevar-se bem alta, porém, Deus me permitiu voltasse para dizer-vos: Não lamenteis a minha morte, que é a libertação. Ah! que eu não posso descrever-vos a magnificência de tudo quanto vi, as impressões que experimentei! Mas não poderíeis compreendê- las... Oh! meus filhos, comportai-vos sempre de modo a merecer esta inefável felicidade reservada aos homens de bem; vivei conformemente aos preceitos da caridade; do que tiverdes dai uma parte aos necessitados. "Minha querida mulher, deixo-te numa posição pouco lisonjeira; temos dívidas a receber, mas eu te conjuro a não atormentares os nossos devedores; se estiverem em apuros, espera que possam pagar; e aos que não o puderem fazer, perdoa-lhes. Deus te recompensará. Tu, meu filho, trabalha para manteres tua mãe; sê honesto sempre e guarda-te de fazer algo que possa manchar a nossa família. Toma esta cruz, herança de minha mãe; não a deixes nunca, e oxalá te recorde ela sempre os meus derradeiros conselhos: Meus filhos, ajudai-vos, ajudai-vos mutuamente para que a boa harmonia reine entre vós; não sejais vaidosos nem orgulhosos; perdoai aos vossos inimigos se quiserdes que Deus vos perdoe..." Depois, fazendo-os chegar a si, tomou-lhes as mãos, acrescentando: - "Filhos, eu vos abençôo." - E seus olhos cerraram-se, desta vez para sempre; seu rosto, porém, conservou uma expressão tão imponente que, até ao momento de ser amortalhado, numerosa turba veio contemplá-lo, tomada de admiração. Tendo-nos um amigo da família fornecido estes pormenores assaz interessantes, lembramo-nos que a evocação podia tornar-se instrutiva a todos nós, e útil ao próprio Espírito.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 1 •
Evocação:
- Resposta: Estou perto de vós.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 2 •
Relataram-nos as circunstâncias em que se deu a vossa passagem, e ficamos cheios de admiração. Quereis ter a bondade de nos descrever ainda mais minuciosamente o que vistes no intervalo do que poderíamos denominar as vossas duas mortes?
- Resposta: O que vi... E poderíeis compreendê-lo? Não sei, visto como não encontraria expressões apropriadas à compreensão do que pude ver durante os instantes em que me foi possível deixar o envoltório mortal.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 3 •
E sabeis em que lugar estivestes? Seria longe da Terra, em outro planeta, ou no Espaço?
- Resposta: O Espírito não mede distâncias, nem lhes conhece o valor como a vós acontece. Arrebatado por não sei que agente maravilhoso, eu vi os esplendores de um céu, desses que só em sonho podemos imaginar. Esse percurso, através do infinito, fazia-se com celeridade tal que eu não pude precisar os instantes nele empregados pelo meu Espírito.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 4 •
E fruís atualmente a felicidade que entrevistes?
- Resposta: Não; bem desejaria poder frui-la, mas Deus não deveria recompensar-me de tal maneira. Revoltei-me muitas vezes contra os pensamentos abençoados que o coração me ditava e a morte parecia-me uma injustiça. Médico incrédulo, eu havia assimilado na arte de curar uma aversão profunda à segunda natureza, que é o nosso impulso inteligente, divino; para mim a imortalidade da alma não passava de ficção própria para seduzir as naturezas pouco instruídas, embora o nada meespantasse, maldizendo o misterioso agente que atua perenemente. A Filosofia desviara-me, sem que eu desse por isto, da compreensão da grandeza do Eterno, que sabe distribuir a dor e a alegria para ensino da Humanidade.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 5 •
Logo após o definitivo desprendimento reconhecestes o vosso estado?
- Resposta: Não; eu só me reconheci durante a transição que o meu Espírito experimentou para percorrer a etérea região. Isto, porém, não ocorreu imediatamente, sendo-me precisos alguns dias para o meu despertar. Deus concedera-me uma graça, em razão do que vos vou explicar: A minha primitiva descrença não mais existia; tornara-me crente antes da morte, depois de haver cientificamente sondado com gravidade a matéria que me atormentava, de não haver encontrado ao fim das razões terrestres senão a razão divina, que me inspirou e consolou, dando-me coragem mais forte que a dor. Assim, bendizia o que amaldiçoara, encarava a morte como uma libertação. A idéia de Deus é grande como o mundo! Oh! que supremo consolo na prece, que nos enternece e comove: ela é o elemento mais positivo da nossa natureza imaterial; foi por ela que compreendi, que cri firme, soberanamente, e, por isso, Deus, levando em conta os meus atos, houve por bem recompensar-me antes do termo da minha encarnação.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 6 •
Poder-se-ia dizer que estivestes morto nessa primeira crise?
- Resposta: Sim e não: tendo o Espírito abandonado o corpo, naturalmente a carne extinguia-se; entretanto, retomando posse da morada terrena, a vida voltou ao corpo, que passou por uma transição, por um sono.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 7 •
E sentíeis então os laços que vos prendiam ao corpo?
- Resposta: Sem dúvida; o Espírito tem um grilhão fortíssimo a prendê-lo, e não entra na vida natural antes que dê o último estremecimento da carne.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 8 •
Como, pois, na vossa morte aparente e durante alguns minutos, pôde o vosso Espírito desprender-sesúbita e imperturbavelmente, ao passo que o desprendimento efetivo se fez acompanhar da perturbação por alguns dias? Parece-nos que no primeiro caso, os laços entre corpo e Espírito subsistindo mais que no segundo, o desprendimento devera ser mais lento, ao contrário justamente do que se deu.
- Resposta: Tendes muitas vezes evocado um Espírito encarnado, recebendo respostas exatas; eu estava nas condições desses tais, porque Deus me chamava e os seus servidores me diziam: - "Vem..." Obedeci, agradecendo-lhe o favor especial que houve por bem conceder-me para que pudesse entrever, compreendendo-a, a sua infinita grandeza. Obrigado a vós, que antes da morte real me permitistes doutrinar os meus, para que façam boas e justas encarnações.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 9 •
Donde provinham as belas palavras que após o despertar dirigistes à vossa família?
- Resposta: Eram o reflexo do que tinha visto e ouvido; os bons Espíritos inspiravamme a linguagem e davam fulgor à minha fisionomia.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 10 •
Que impressão julgais ter a vossa revelação produzido nos assistentes, notadamente nos vossos filhos?
- Resposta: Surpreendente, profunda; a morte não é mentirosa; os filhos, por mais ingratos que possam ser, curvam-se sempre à encarnação que termina. Se pudéssemos penetrar o coração dos filhos, junto de um túmulo entreaberto, vê-lo-íamos apenas palpitar de sentimentos verdadeiros, sinceros, tocados pela mão secreta dos Espíritos, que dizem em todos os pensamentos: Tremei se duvidais; a morte é a reparação, a justiça de Deus, e eu vos asseguro, em que pese aos incrédulos, que a minha família e os amigos creram nas palavras por mim pronunciadas antes da morte. Eu era, ao demais, intérprete de um outro mundo.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 11 •
Dizendo não gozardes da felicidade entrevista, pode inferir-se que sejais infeliz?
- Resposta: Não, uma vezque me tornei crente antes da morte, e isto de coração e consciência. A dor acabrunha nesse mundo, mas fortalece sob o ponto de vista do futuro espiritual. Notai que Deus teve em conta as minhas preces e a crença nEle depositada em absoluto; estou firme no caminho da perfeição, e chegarei ao fim que me foi permitido lobrigar. Orai, meus amigos, por este mundo invisível que preside aos vossos destinos; esta permuta fraternal é de caridade; é a alavanca que põe em comunhão os Espíritos de todos os mundos.
Segunda Parte • Exemplos • SR. CARDON, médico
• Item 12 •
Acaso quereríeis dirigir algumas palavras à vossa mulher e filhos?
- Resposta: Peço a todos os meus que acreditem no Deus poderoso, justo, imutável; na prece que consola e alivia; na caridade que é a mais pura prática da encarnação humana; peço-lhes que se lembrem que do pouco também se pode dar, pois o óbolo do pobre é o mais meritório aos olhos de Deus, desse Deus que sabe que muito dá um pobre, mesmo que dê pouco. "O rico precisa dar muito, e repetidamente, para merecer outro tanto. O futuro é a caridade, a benevolência em todos os atos; é considerar que todos os Espíritos são irmãos, sem se preocupar jamais com as mil pueris vaidades da Terra. "Tereis rudes provações, querida, amada família; aceitai-as, porém, corajosamente, lembrando-vos de que Deus as vê. Repeti amiúde esta prece: - "Deus de amor e bondade, que tudo faculta e sempre, dá-nos força superior a todas as vicissitudes, torna-nos bons, humildes e caridosos, pequenos pela fortuna e grandes de coração. Permite seja espírita o nosso Espírito na Terra, a fim de melhor te compreendermos e te amarmos. "Seja teu nome emblema de liberdade, oh! meu Deus! - O consolador de todos os oprimidos, de todos os que necessitam amar, perdoar e crer. Cardon."
Segunda Parte • Exemplos • ERIC STANISLAS • (Comunicação espontânea. Sociedade de Paris; agosto de 1863.)
Que ventura nos proporcionam as emoções vivamente sentidas por valorosos corações! Ó suaves pensamentos que vindes abrir o caminho da salvação a tudo que vive, que respira material e espiritualmente. Não deixe jamais o bálsamo consolador de derramar-se profusamente sobre vós e sobre nós! De que expressões nos servirmos, que traduzam a felicidade dos irmãos, desencarnados, ao perscrutarem o amor que une a todos? "Ah! irmãos, quanto bem por toda parte, que de sentimentos suaves, elevados e simples como vós, como a vossa Doutrina, sois chamados a implantar ao longo da estrada a percorrer; mas, também, quanto vos será outorgado antes mesmo de terdes adquirido direitos! "Assisti a tudo quanto se passou esta noite; ouvi, compreendi e vou procurar a meu nuto cumprir o meu dever e instruir a classe dos Espíritos imperfeitos. Ouvi: eu estava longe de ser feliz; abismado na imensidade, no infinito, os meus padecimentos eram tanto mais intensos, quanto difícil me era o compreendê-los. "Bendito seja Deus, que me permitiu vir a um santuário, que não pode ser franqueado impunemente pelos maus. "Amigos, quanto vos agradeço, quanto de forças entre vós recobrei! Ó homens de bem, reuni-vos constantemente; estudai, uma vez que não podeis duvidar dos frutos das reuniões sérias; os Espíritos que têm muito ainda a aprender, os que ficam voluntariamente inativos, preguiçosos e esquecidos dos seus deveres, podem encontrar-se, em virtude de circunstâncias fortuitas ou não, aí entre vós; e então, fortemente tocados, quantas vezes lhes é dado, reconhecendo-se, entreverem o fim, o objetivo cobiçado, ao mesmo tempo que procurarem, fortes pelo exemplo que lhes dais, os meios de fugir ao penoso estado que os avassala. "Com grande satisfação me constituo intérprete das almas sofredoras, porquanto é a homens de coração que me dirijo, na certeza de não ser repelido. "Ainda uma vez aceitai, pois, homens generosos, a expressão do meu reconhecimento em particular, e em geral de todos a quem tanto bem tendes feito, talvez sem o saberdes.
Eric Stanislas
O guia do médium: - Meus filhos, este é um Espírito que sofreu por muito tempo, transviado do bom caminho. Agora compreendeu os seus erros, arrependeu-se e volveu os olhos para o Deus que negara. A sua posição não é a de um feliz, porém ele aspira à felicidade e não mais sofre. Deus permitiu-lhe esta audição para que desça depois a uma esfera inferior, a fim de instruir e estimular o progresso de Espíritos que, como ele, transgrediram a lei. É a reparação que lhe compete. Afinal, ele conquistará a felicidade, porque tem força de vontade.
Segunda Parte • Exemplos • Sra. ANNA BELLEVILLE • Jovem mulher falecida aos trinta e cinco anos de idade,
Jovem mulher falecida aos trinta e cinco anos de idade, após cruel enfermidade. Vivaz, espirituosa, dotada de inteligência rara, de meticuloso critério e eminentes qualidades morais; esposa e mãe de família devotada, ela possuía, ao demais, uma integridade de caráter pouco comum e uma fecundidade de recursos que a trazia sempre a coberto das mais críticas eventualidades da existência. Sem guardar ressentimento das pessoas de quem poderia queixar-se, estava sempre pronta a prestar-lhes oportuno serviço. intimamente ligados à sua pessoa desde longos anos, pudemos acompanhar todas as fases da sua existência, bem como todas as peripécias do seu fim. Proveio de um acidente a moléstia que havia de levá-la, depois de a reter três anos de cama, presa dos mais cruéis sofrimentos, aliás suportados até ao fim com uma coragem heróica, e a despeito dos quais a graça natural do seu Espírito jamais a abandonou. Ela acreditava firmementena existência da alma e na vida futura, mas pouco se preocupava com isso; todos os seus pensamentos se relacionavam com o presente, que muito lhe importava, posto não tivesse medo da morte e fosse indiferente aos gozos materiais. A sua vida era simples e sem sacrifício abria mão do que não podia obter; mas possuía inato o sentimento do bem e do belo, que apreciava até nas coisas mínimas. Queria viver menos para si que para os filhos, avaliando a falta que lhes faria, e era isso que a prendia à vida. Conhecia o Espiritismo sem o ter estudado a fundo; interessava-se por ele, mas nunca pôde fixar as idéias sobre o futuro: este era para ela uma realidade, mas não lhe deixava no Espírito uma impressão profunda. O que praticava de bom era o resultado de um impulso natural, espontâneo, sem idéia de recompensas ou de penas futuras. De há muito era desesperador o seu estado e iminente o desenlace. circunstância que ela própria não ignorava. Um dia, achando-se ausente o marido, sentiu-se desfalecer e compreendeu que a hora era chegada; embaciando-se-lhe a vista, a perturbação a invadia, sentindo todas as angústias da separação. Custava-lhe, contudo, a morte antes da volta do esposo. Fazendo supremo esforço sobre si mesma, murmurou: "Não, não quero morrer!" Então sentiu renascer-lhe a vida e recobrou o uso pleno das suas faculdades. Quando o marido chegou, disse-lhe: "Eu ia morrer, mas quis aguardar a tua vinda, por isso que tinha algumas recomendações a fazer-te." Assim se prolongou a luta entre a vida e a morte por três meses ainda, tempo que mais não foi que dolorosa agonia. Evocação no dia seguinte ao da morte: - Meus bons amigos, obrigada pelo interesse que vos mereço; demais, fostes para mim como bons parentes. Pois bem, regozijai-vos porque sou feliz. Confortai meu pobre marido e velai por meus filhos. Eu segui logo para junto deles, depois que desencarnei.
- Pergunta: Podemos supor que a vossa perturbação não foi longa, uma vez que nos respondeis com lucidez.
- Resposta: Ah! meus amigos, eu sofri tanto... e vós bem sabeis que sofria com resignação. Pois bem! a minha provação está concluída. Não direi que esteja completamente libertada, não; mas o certo é que não sofro mais, e isso para mim é um grande alívio! Desta feita estou radicalmente curada, porém, preciso ainda do auxílio das vossas preces para vir mais tarde colaborar convosco.
- Pergunta: Qual poderia ser a causa dos vossos longos sofrimentos?
- Resposta: Um passado terrível, meu amigo.
- Pergunta: Podeis revelar-nos esse passado?
- Resposta: Oh! deixai que o esqueça um pouco... paguei-o tão caro... Um mês depois da morte:
- Pergunta: Agora que deveis estar completamente desprendida e que melhor nos reconheceis, muito estimaríamos ter convosco uma palestra mais explícita. Podereis, por exemplo, dizer-nos qual a causa da vossa prolongada agonia? Estivestes durante três meses entre a vida e a morte...
- Resposta: Obrigada, meus amigos, pela vossa lembrança como pelas vossas preces! Quão salutares me foram estas, e como concorreram para a minha libertação! Tenho ainda necessidade de ser confortada; continuai a orar por mim. Vós compreendeis o valor da prece. As que dizeis não são de modo algum fórmulas banais, como as murmuradas por tantos outros que lhes não medem o alcance, o fruto de uma boa prece. "Sofri muito, porém os meus sofrimentos foram largamente compensados, sendo-me permitido estar muitasvezes perto dos queridos filhos, que deixei com tanto pesar! "Prolonguei por mim mesma esses sofrimentos; o desejo ardente de viver, por amor dos filhos, fazia com que me agarrasse de alguma sorte à matéria, e, ao contrário dos outros, eu não queria abandonar o desgraçado corpo com o qual era forçoso romper, se bem que ele fosse para mim o instrumento de tantas torturas. "Eis aí a razão da minha longa agonia. Quanto à moléstia e aos padecimentos decorrentes, eram expiação do passado - uma divida a mais, que paguei. Ah! meus bons amigos, se eu vos tivesse ouvido, quanta mudança na minha vida atual! "Que alívio experimentaria nos últimos momentos, e quão fácil teria sido a separação, se em vez de a contrariar eu me tivesse abandonado confiadamente à vontade de Deus, à corrente que me arrastava! Mas, em lugar de volver os olhos ao futuro que me aguardava, eu apenas via o presente que ia deixar! "Quando houver de voltar à Terra, serei espírita, vo-lo afirmo. Que ciência sublime! Assisto constantemente às vossas reuniões e aos conselhos que vos são transmitidos. Se eu, quando na Terra, pudesse compreendê-los, os meus sofrimentos teriam sido atenuados. A ocasião não tinha chegado. "Hoje compreendo a bondade e a justiça de Deus, conquanto me não encontre suficientemente adiantada para despreocupar-me das coisas da vida; meus filhos principalmente me atraem, não mais para amimá-los, porém para velar por eles, inculcando-lhes o caminho que o Espiritismo traça neste momento. Sim, meus bons amigos, eu tenho ainda graves preocupações, entre as quais avulta aquela da qual depende o futuro dos meus filhos."
- Pergunta: Podeis ministrar-nos quaisquer informações sobre o passado que deplorais?
- Resposta: Ah! meus bons amigos, estou pronta a confessar-me. Eu tinha desprezado o sofrimento alheio, vendo indiferente os sofrimentos da minha mãe, a quem chamava doente imaginária. Por não vê-la de cama, supunha que não sofresse e zombava dos seus queixumes. Eis como Deus castiga. Seis meses depois da morte:
- Pergunta: Agora que um tempo assaz longo se passou desde que deixastes o invólucro material, tende a bondade de descrever-nos a vossa posição e ocupações no mundo espiritual. R. Na vida terrestre, eu era o que vulgarmente se chama uma boa pessoa; antes de tudo, porém, prezava o meu bem-estar; compassiva por índole, talvez não fosse capaz de penoso sacrifício para minorar um infortúnio. Hoje, tudo mudou, e posto seja sempre a mesma, o eu de outrora modificou-se. Ganhei com a modificação e vejo que não há nem categorias nem condições além do mérito pessoal, no mundo dos invisíveis, onde um pobre caridoso e bom se sobreleva ao rico que humilhava com a sua esmola. Velo especialmente pelos que se afligem com tormentos familiares, com a perda de parentes ou de fortuna. A minha missão é reanimá-los e consolá-los, e com isso me sinto feliz.
Anna.
Importante questão decorre dos fatos supramencionados. Ei-la: Poderá uma pessoa, por esforço da própria vontade, retardar o momento de separação da alma do corpo? Resposta do Espírito S. Luís: - Resolvida afirmativamente, sem restrições, esta questão poderia dar lugar a conseqüências falsas. Certamente, em dadas condições, pode um Espírito encarnado prolongar a existência corporal a fim de terminar instruções indispensáveis, ou, ao menos, por ele como tais julgadas - é uma concessão que se lhe pode fazer, como no caso vertente, além de muitos outros exemplos. Esta dilação de vida não pode, porém, deixar de ser breve, visto como é defeso ao homem inverter a ordem das leis naturais, bem como retornar de moto próprio à vida, desde que ela tenha atingido o seu termo. E uma sustação momentânea apenas. Preciso é no entanto que da possibilidade do fato não se conclua a sua generalidade, tampouco que dependa de cada qual prolongar por este modo a sua existência. Como provação para o Espírito ou no interesse de missão a concluir, os órgãos depauperados podem receber um suplemento de fluido vital que lhes permita prolongar de alguns instantes a manifestação material do pensamento. Estes casos são excepcionais e não fazem regra. Tampouco se deve ver nesse fato uma derrogação de Deus à imutabilidade das suas leis, mas apenas uma consequência do livre-arbítrio da alma que, no momento extremo, tem consciência de sua missão e quer, a despeito da morte, concluir o que não pôde até então. As vezes pode ser também uma espécie de castigo infligido ao Espírito duvidoso do futuro, esse prolongamento de vitalidade com o qual tem necessariamente de sofrer.
São Luís.
Nota - Poder-se-ia ainda admirar a rapidez relativa com que se desprendeu este Espírito, dado o seu apego à vida corporal; cumpre, porém, considerar que tal apego nada tinha de material nem sensual, antes possuindo mesmo a sua face moral, motivada como era pelas necessidades dos filhos ainda tenros. Enfim, era um Espírito adiantado em inteligência e moralidade. Por mais um grau, e poder-se-ia considerá-lo um dos Espíritos dos mais felizes. Não havia, portanto, nos laços perispiríticos a tenacidade resultante da identificação material; pode dizer-se que a vida, debilitada por longa enfermidade, apenas se prendia por tênues fios, que ele desejava impedir se rompessem. Contudo, a sua resistência foi punida com a dilação dos sofrimentos concernentes à própria moléstia e não com a dificuldade do desprendimento. Assim, realizado este, eis por que a perturbação foi breve. Um outro fato igualmente importante decorre desta, como da maiorparte das evocações feitas em épocas diversas, mais ou menos distantes da morte: é a transformação gradual das idéias do Espírito, cujo progresso se traduz, não por melhores sentimentos, mas por uma apreciação mais justa das coisas. O progresso da alma na vida espiritual é, portanto, um fato demonstrado pela experiência. A vida corporal é a praticagem desse progresso, a demonstração das suas resoluções, o cadinho em que ele se depura. Desde que a alma progride depois da morte, a sua sorte não pode ser irrevogavelmente fixada, porquanto a fixação definitiva da sorte é, como já o dissemos, a negação do progresso. E não podendo coexistir simultaneamente as duas coisas, resta a que tem por si a sanção dos fatos e da razão.