Da Manjedoura A Emaús

Introdução



O sentimento religioso apresentava sinais de maturidade suficiente para compreender um Criador.
As vozes da filosofia já soavam na Índia, dando origem à primeira tradição filosófica da história. Entre os egípcios, a preocupação com o além da morte produzia salutar idealismo: a vida deveria constituir um esforço de aprendizado para bem morrer.
Em grupos assim, as reflexões superiores do pensamento depuravam o sentimento religioso através do filtro vagaroso do tempo.
Os Espíritos nobres que dirigem o progresso humano determinaram, então, a encarnação dos primeiros organizadores do pensamento religioso, originando religiões enobrecidas na China, na Índia, na Mesopotâmia e no Egito.
Esses mestres missionários do passado, todavia, só contavam com diminuto número de indivíduos em condições de lhes assimilar o conhecimento transcendente. Por isso, isolavam suas revelações em grupos de iniciados, entre discípulos exaustivamente selecionados, deixando às massas populares ensinos de atemorização, ritos exóticos, véus misteriosos e simbólicos, para impor-lhes controle social e lhes satisfazer as angustiantes fixações mágicas.
O Espírito André Luiz nos diz que “dentre todos, desempenha o Egito missão especial, organizando escolas de iniciação mais profunda”. (XAVIER, 2013j, Pt. 1, cap. 20, it. Religião egipciana, p. 162.) Os sacerdotes de Tebas e Heliópolis compreendiam a unidade de Deus, praticavam a cura pelo magnetismo e a comunicação com os mortos, obtendo deles ensinamentos e disciplinas para a autoeducação.
Amenófis 4 (o faraó Akenaton) tentou infundir o monoteísmo em seus súditos, procurando transferir o princípio do Deus único da intimidade dos santuários para as massas, mas após a morte de Akenaton (1362 a.C.) e de sua esposa, a bela Nefertiti, os antigos sacerdotes de Tebas e Heliópolis restabeleceram os deuses tradicionais, para reorganização do Egito, que entrou em colapso político e econômico durante o reinado de Akenaton.
Pouco depois, reencarna Moisés entre os descendentes de pastores nômades escravizados pelo povo do Nilo. Sua tarefa seria tornar o monoteísmo um princípio exotérico (sem restrição), em vez de esotérico (a círculo restrito); transferi-lo dos meios iniciáticos para a vida cotidiana das comunidades.
Abraão, cerca de 700 anos antes, ouviu o chamado para organizar o grupo familiar e nômade que, no futuro, mais numeroso, seria entregue às mãos de Moisés.
Patriarca dos israelitas e dos árabes, Abraão é venerado pelo Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Da velha Ur, na Caldeia, o Espírito Iahweh o convocou a deixar sua terra para ir habitar uma região distante, onde originaria uma gloriosa nação. (GENESIS 12:1-2.)
Mas em que consistiu a revelação a Abraão? Na “unidade de Deus — e nada mais”. (MENEZES, 2014, cap. A Doutrina Espírita como filosofia teogônica, p. 94.) Iahweh não apresentou obrigações morais nem diretrizes comportamentais, senão ser reconhecido como o único deus. Essa é a parte divina da religião de Abraão. A ela o patriarca reuniu uma parte humana, baseada em alguns usos e costumes dos cultos de sua época.
Com Moisés, chegava o tempo de se ampliarem os horizontes do monoteísmo abraâmico, dando-lhe repercussões morais. No entanto, essa transição deveria operar-se lentamente.

As revelações espirituais para serem produtivas precisam ser gradativas. Cada revelação aumenta o ensino na medida da capacidade momentânea do grupo social ao qual se dirige, “e limpa a religião de certas impurezas, que o atraso humano torna necessárias à fecundação das eternas verdades”. (MENEZES, 2014, cap. A Doutrina Espírita como filosofia teogônica, p. 99.)
Diferentemente da revelação a Abraão, feita a uma família, e sem outra orientação moral que não fosse respeitar o Deus único, com Moisés, a revelação será mais extensa e substanciosa: será feita a uma nação e, em vez de um preceito geral, apresentará dez mandamentos.
Moisés foi educado primorosamente como príncipe egípcio, na qualidade de filho adotivo da princesa Termútis. Ele detinha singulares faculdades mediúnicas, e sua colocação junto à casa do faraó serviu para dotá-lo da cultura, dos conhecimentos iniciáticos do Egito, preparando-o para sua missão.
Não por acaso, há expressiva semelhança entre o Decálogo e a Confissão Negativa Egípcia, que consistia em uma série de afirmações que o morto deveria fazer no “Saguão das Duas Verdades”, quando o peso de seu coração seria comparado, numa balança, ao de uma pluma de avestruz, o símbolo da verdade. Na Confissão se dizia: “Não cometi injustiça, não acusei falsamente, não matei homens, não agi mal contra ninguém, não cometi adultério, não fui ganancioso, não furtei” etc. Se a balança fosse favorável ao morto, ele seria conduzido à presença de Osíris, o senhor da eternidade, que lhe indicaria seu lugar na vida espiritual. Do contrário, seria vitimado pelo “devorador dos mortos”.
O Decálogo é síntese luminosa, conformando diretrizes de justiça e estatuindo o respeito ao direito dos semelhantes.
Mas, como ocorreu com a revelação parcial recebida por Abraão, a religião organizada por Moisés também será composta por dois elementos — o divino e o humano. Às linhas comportamentais superiores delineadas no Sinai, Moisés aliará um código implacável, consagrando o olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento. (ÊXODO 21:24-25.)
Bezerra de Menezes (2014, cap. A Doutrina Espírita como filosofia teogônica, p.
97) observou:
Se Moisés, naqueles tempos de atraso material, em que o homem era quase animal selvagem, dominado pelas paixões brutais e pela força, lhe impusesse os divinos mandamentos, proscrevendo todo ato de vingança e de violência, veria repelidas as Tábuas da Lei, porque a natureza, nos ignorantes, tem mais força que a razão e a consciência. O santo varão foi, pois, obrigado a ceder à natureza brutal de seu povo, no intuito de inocular-lhe o contraveneno daquela mesma brutalidade. [...] Representou-lhes o Senhor como um soberano cruel e vingativo, que doutro modo ninguém aceitaria [...].
[...] para produzir seus salutares efeitos, condescende com os erros arraigados no coração da humanidade, donde a existência em toda religião, desde Abraão até Moisés, dos dois caracteres: o divino e o humano [...].
Treze séculos depois, a humanidade estava amadurecida para a segunda grande revelação.
A mediunidade ímpar de Moisés havia falado de uma promessa que por muitos séculos alimentaria as esperanças do seu povo: Iahweh enviaria outro profeta, em cuja boca colocaria as suas palavras. (DEUTERONÔMIO 18:15-18.) Segundo o Dêutero-Isaías (bloco de capítulos do livro de ISAÍAS 40:55, escrito por um profeta anônimo), um mensageiro seria escolhido para que, em sua alma, Iahweh pusesse seu espírito, a fim de que a justiça fosse espalhada entre as nações (ISAÍAS 42:1). Um rei — diria Zacarias — incumbido de anunciar a paz, e cuja influência se estenderia de um mar a outro, até os extremos da Terra. (ZACARIAS 9:10.)
Jesus, personificando a promessa milenar, declarou: “Eu sou a luz do mundo”.

Ele se dirigiu aos simples de coração e aos sofredores, entregando- lhes as bem-aventuranças por mensagem de esperança e consolação.
Em sua lição, a felicidade é mais um estágio avançado de consciência que a criatura desenvolve com o apoio da Providência divina, que ampara sua evolução, como sustenta a ave que voa no céu azul e veste o lírio que esplende na natureza. Nascendo e renascendo para progredir, trabalhando, amando e perdoando sem cessar, o homem caminha pelas muitas moradas da casa do Pai, na realização do “sede perfeitos”.
A revelação de Jesus não contém os elementos distintivos, o divino e o humano. É toda divina! Com Ele, a religião é, acima de tudo, método de educação do Espírito imortal.
Havia chegado o tempo em que Deus deveria ser amado “em espírito e verdade”.
Os templos são úteis, não imprescindíveis. Rituais, hierarquias, supremacias? As religiões devem ser chaves que abram as arcas dos tesouros divinos para todos.
Fariseus e saduceus se opuseram com ferocidade a essas ideias, necessitados de templos, cargos e primazias.
Diversamente de Moisés, Jesus não foi complacente com os preconceitos e as conveniências humanas; contestou-os com serena energia.
Não veio revogar nem a lei do Sinai nem os ensinos das esferas superiores que os médiuns profetas haviam transmitido; ao contrário, veio dar-lhes pleno cumprimento. Quanto aos usos, costumes e normas propriamente dos profetas e das escolas religiosas, em muitos aspectos Ele veio reformá-los, e combateu, especialmente, o abuso das práticas exteriores e as falsas interpretações.
Moisés não pronunciou a última palavra do livro das revelações.
Só quando o homem alcançar o apogeu de sua maturidade terrestre, a revelação também chegará a seu apogeu.

Teria o homem chegado a esse apogeu, no tempo de Jesus?
Obviamente, não.
O próprio Cristo afirmou a progressividade da revelação. Na inesquecível despedida no cenáculo, disse aos apóstolos que deixava de ensinar muitas coisas, por não ser oportuno. O mundo não estava em condições de recebê-las e compreendê-las. A revelação seria futuramente completada.