O sumo sacerdote projetava-se como a personagem mais importante da teocracia judaica, na ausência de um rei. Era o mandatário de Iahweh na Terra, detentor da “santidade eterna”.
Dos deveres desse príncipe — além de ser o primeiro representante do povo, na fase sem rei, e além da direção do Templo e do Sinédrio — destacavam-se suas responsabilidades junto à liturgia relacionada ao Dia das Expiações, prescritas por Iahweh a Moisés, notadamente os sacrifícios de animais realizados, sob sua presidência, para purificar os seus e os pecados do povo.
Também lhe competiam diversas atividades cultuais nas festas de peregrinação (Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos).
Joachim Jeremias (2005, p. 208-212) esclarece que o supremo atributo dessa função religiosa era cumprir a expiação pela comunidade. As vestes eclesiásticas do príncipe clerical constituíam um símbolo do Judaísmo, e possuíam virtudes expiatórias. A vestimenta compunha-se de oito peças: túnica de bisso (espécie de linho finíssimo), calção de bisso, turbante, cinto, peitoral, o efó (larga faixa de tecido munida de alças), a túnica por baixo com capuz, o diadema de ouro (colocado sobre o turbante). Cada peça do traje liberava determinados pecados. O diadema de ouro, por exemplo, nos sacrifícios do Templo, expiava a impureza do sangue do animal ofertado e as impurezas do fiel ofertante.
A vida santificada do sumo sacerdote dava à sua morte o poder de expiar homicídios por negligência e mesmo homicídios intencionais praticados por judeus, isentando seus autores de punição.
No tempo de Jesus, tão preciosos paramentos não estavam à disposição irrestrita do sumo pontífice. Desde Herodes, o Grande, passando por seu filho Arquelau, ocorrendo o mesmo durante a administração romana da Judeia, o traje era guardado na Fortaleza Antônia, dentro de Jerusalém.
Mas essa restrição não foi imposta pelos romanos. O sumo sacerdote Hircano mandara construir uma torre perto do Templo e nela passou a guardar o traje, sendo seguido no exemplo por seus sucessores. Quando Herodes subiu ao trono, achou a localização dessa torre muito vantajosa e transformou-a na Fortaleza Antônia — em homenagem a Marco Antônio, o general romano, seu amigo. Herodes determinou que, a partir daí, o traje fosse guardado numa câmara de pedra lacrada com o selo dos sacerdotes, dos guardas do tesouro do Templo e do comandante militar romano, para apenas ser entregue ao sumo sacerdote sete dias antes de cada uma das três grandes festas do ano. Com os romanos, esse procedimento permaneceu de 6 a 37 d.C., até que Lucius Vitellius, buscando reconquistar a confiança dos judeus na administração romana da Judeia, reintegrou a vestimenta à guarda do Templo. Em 44 d.C., o imperador Cláudio, por um pronunciamento real, confirmou a decisão de Vitellius.
Entre os privilégios do cargo de sumo sacerdote, o maior consistia em penetrar no Santo dos Santos. O Santo era formado de uma câmara, com paredes recobertas de ouro, e peças de arte e culto: o imenso candelabro de ouro maciço, de sete braços, a mesa de ouro maciço dos pães da proposição. Naquele recinto poderiam acontecer aparições divinas ao sumo sacerdote.
Yosef Qayyafa (José Caifás), sumo sacerdote em exercício nos an
os 18:37 d.C., desposara a filha de Anás, ex-sumo sacerdote, de 6 a 15 d.C.
Marcos relata que Jesus, uma vez preso, foi conduzido à presença de Caifás, para interrogatório.
João, porém, informa que a coorte romana e os guardas do Templo, liderados por um tribuno, ataram as mãos de Jesus e o apresentaram primeiro a Anás, sogro de Caifás.
A substituição de um sumo sacerdote não lhe afastava as prerrogativas da função, senão aquela de ingressar no Santo dos Santos e de praticar alguns atos litúrgicos. Permanecia detentor de uma “santidade eterna”.
LUCAS 3:2, quando João Batista inicia suas pregações, trata Anás como sumo sacerdote, ao lado de Caifás. Lucas anotou, em
Atos 4:6, quando foram presos Pedro e João: “Estava presente o sumo sacerdote Anás, e também Caifás, Jônatas, Alexandre e todos os que eram da linhagem do sumo sacerdote”.
Jônatas e outros quatro filhos de Anás seriam sumos sacerdotes, como também alguns de seus netos. Anás fruía de poder e prestígio, fazia parte dos meios ricos; porém, não desfrutava da melhor reputação. Uma canção difamatória do Talmud dizia:
Ai de mim diante da casa de Boethus: ai de mim diante dos seus bastões! Ai de mim diante da casa de Annas; ai de mim por causa das suas denúncias! Pois eles são sumos sacerdotes e seus filhos tesoureiros e seus genros administradores e seus servos espancam o povo com bastões. (KELLER, 1978, p. 378.)
Jesus é trazido ao palácio de Anás, na parte alta e territorialmente nobre de Jerusalém. A mansão possuía um grande pátio, um porteiro e outros servos. As residências dos sumos sacerdotes ostentavam grande luxo.
Trajando túnica branca, turbante trespassado por fios de ouro, Anás interroga Jesus sobre seus discípulos e sua doutrina. E Jesus lhe responde (
JOÃO 18:20-23):
— “Falei abertamente ao mundo. Sempre ensinei na sinagoga e no Templo, onde se reúnem todos os judeus; nada falei às escondidas. Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que lhes falei; eles sabem o que eu disse”.
De fato, um conspirador não atua à luz do dia.
Um dos guardas, ante a serena e sensata consideração de Jesus, bate- lhe no rosto:
— “Assim respondes ao sumo sacerdote?”
Jesus, sem alteração, questiona o agressor:
— “Se falei mal, testemunha sobre o mal; mas, se falei bem, por que me bates?”
O Espírito Camilo interpretou com fina argúcia: a ocasião não podia ser melhor para aquele guarda tirar proveito pessoal, bajulando seu superior, mesmo em exibição de covardia, diante daquele manso. (TEIXEIRA, 1997, p. 92.)
Camilo revelou:
Nas dobras do tempo, contudo, a mão que esbofeteou o Nobre Amigo, veio a tornar-se apoio aos desvalidos numerosos das estradas ásperas do mundo, fazendo-se todo sentimento socorrista, transformado, o violento de outrora, nas vias de testemunho luminoso de amor e fidelidade ao Cristo, nas fileiras do cristianismo adiante. (TEIXEIRA, 1997, p. 95.)
A reação de Anás é enviar Jesus ao sumo sacerdote em exercício.
Do ponto de vista técnico e jurídico, não há necessidade da presença de Jesus perante Anás. O breve relato de João — cena que deve ser encaixada dentro da narrativa dos evangelhos sinópticos — fornece a impressão de um simples interrogatório preliminar, presidido pelo ex- sumo sacerdote. Talvez uma honra a Anás, pelos que querem agradá-lo; talvez um desejo do próprio Anás, quem sabe para ver, de perto, a extraordinária figura do Nazareno. O processo e formal julgamento ocorrerão pela manhã, depois do cantar do galo e das negações de Simão Pedro.
LUCAS 22:66 informa: “Quando se fez dia, reuniu-se o conselho dos anciãos do povo, chefes dos sacerdotes e escribas, e levaram-no para o Sinédrio”.
O Sinédrio, o Grande Conselho de 71 membros, a mais alta corte no campo administrativo e religioso, a suprema instância judiciária judaica, estendia suas atribuições aos judeus do mundo inteiro.
Embora Marcos deixe entender que Jesus foi levado do local de sua prisão até a casa de Caifás, onde o Sinédrio se reuniu para uma sessão noturna; fato é que os escritos de Flávio Josefo e a literatura rabínica não indicaram a existência de qualquer outra reunião do Sinédrio na casa de um sumo sacerdote.
Lucas contrasta com Marcos, pois apresenta a reunião do Conselho pela manhã, na casa do Conselho. Quando a versão lucana disse “levaram- no para o Sinédrio”, subentende-se que Sinédrio apareceu como referência à sede, ao edifício, e não ao Conselho em si. Quando Lucas descreve que Jesus foi preso e introduzido na casa do sumo sacerdote, estaria falando de Anás, em cujo pátio o evangelista descreve as negações de Pedro? O texto “Quando se fez dia [...] levaram-no para o Sinédrio” explicita que Jesus foi transportado da casa de Anás para a sede do Conselho, onde se apresentaram testemunhas contra Jesus e se verificou seu interrogatório.
Paul Winter (1998, p. 62), confrontando Marcos e Lucas, nesse ponto, analisou:
A versão lucense é livre da influência marquense. Não apenas o cenário e a ordem do tempo são diferentes; também o vocabulário varia de tal modo que a priori se torna improvável que o terceiro evangelista tivesse, nesse caso, recorrido ao segundo evangelho como fonte. Segundo Lucas, Jesus foi escarnecido e maltratado depois de sua prisão, mas antes da sessão do Sinédrio; os escarnecedores eram os carcereiros. Segundo Marcos, o escárnio ocorre depois da sessão do Sinédrio no palácio do hierarca, e são alguns membros da Corte Suprema que tomam parte da farsa cruel. Os atos dos membros do Conselho são definidos por Marcos como [...] [cuspir, cobrir, esbofetear] [...]. Em Lucas, aparecem os verbos [...] [zombar,
espancar, cobrir e blasfemar], todos referindo-se ao comportamento dos carcereiros.
Logo, em Lucas, a tradição primitiva foi conservada com mais exatidão.
Sobre o veredicto da corte judaica, contudo, os evangelhos não dissentem: “réu de morte”.
Desde a recuperação de Lázaro procuravam matá-lo. Narra o evangelho atribuído a
JOÃO 11:48 que os sacerdotes principais e fariseus reuniram o Conselho e discutiram sobre os fenômenos que Jesus operava, argumentando uns que a admiração das massas e os já muitos adeptos de sua doutrina representavam perigo para Israel: “[...] todos crerão nele e os romanos virão, destruindo o nosso lugar santo e a nossa nação”. Caifás dirigia aquela sessão do Sinédrio e propôs: “[...] é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?”. (
JOÃO 11:50.)
Após a expulsão dos vendilhões do Templo, os chefes dos sacerdotes e escribas cogitavam um meio de matá-lo. (
MARCOS 11:18.) Dois dias antes da prisão de Jesus, no pátio da casa de Caifás, uma reunião do alto clero e da nobreza leiga urdia sua prisão e morte, por um modo que não trouxesse tumulto à festa da Páscoa. (
MATEUS 26:3-5.)
Por isso, decidida a sua morte antes do trâmite legal do processo, as autoridades judaicas já não estavam preocupadas com as regras e formalidades pertinentes.
Muitos especialistas não creem que Jesus tenha sido conduzido ao Sinédrio para uma sessão regular de trabalhos, após sua passagem pelo palácio de Anás. Jacques Duquesne (2005, p. 237), entre eles, relacionou alguns argumentos:
A acusação não devia ser feita na casa do sumo sacerdote, mas no recinto do Templo (exatamente no “quarto de pedra talhada”); era preciso prorrogar a execução de uma condenação pelo Sinédrio durante 24 horas ao menos, o que não ocorreu; os direitos da defesa tinham de ser respeitados, o que também não ocorreu; Jesus não foi enterrado num dos dois lugares previstos pelo Sinédrio para os condenados à morte. Se os rigorosos fariseus, alguns dos quais certamente eram membros do Sinédrio, tivessem participado da reunião na casa de Caifás, teriam sem dúvida exigido a aplicação estrita das regras, assim como fizeram no ano 62, quando o sumo sacerdote saduceu Ananias convocou o Sinédrio sem avisá-los, para condenar Tiago, irmão de Jesus, e alguns outros cristãos. A desobediência às regras processuais no caso de Tiago tornou a sessão ilegal, e o sumo sacerdote foi punido com a suspensão de suas funções.
Duquesne sugeriu (2005, p. 238), com plausibilidade, que o julgamento de Jesus pelos judeus deve ter sido realizado por uma assembleia de representantes da maioria no Sinédrio (como acontece nos modernos parlamentos), composta pelos mesmos que já haviam decidido sua morte, com a cumplicidade e passividade da maioria, pois era suficiente para uma condenação a presença de 23 juízes dos 71 integrantes.
Marcos conta que eles “procuravam um testemunho contra Jesus para matá-lo”, mas as declarações incriminadoras que se levantaram contra Jesus não eram coerentes. A regra exigia no mínimo dois testemunhos coincidentes. Mateus mencionou algumas testemunhas falsas. E citou duas cujas declarações consistiam em terem ouvido Jesus prometer destruir o Templo e em três dias levantar outro.
Ante a ineficiência dos malsinados esforços probatórios, interfere José Caifás e indaga de Jesus se Ele é o Cristo, o Filho de Deus. Replica- lhe o sereno galileu (
MATEUS 26:64):
— “Tu o disseste. Aliás, eu vos digo que, de ora em diante, vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu”.
Dessa afirmação de Jesus aproveita-se Caifás para declará-lo blasfemo. A pena por blasfêmia prescrita no
LEVÍTICO 24:16 era a morte por apedrejamento. Em que consistiu a blasfêmia? Israel, segundo as profecias, receberia de Iahweh o poder sobre todas as nações. Jesus, com sua afirmativa, propõe que esse poder seria dado a Ele, não a Israel, e, ao mesmo tempo, reconhece implicitamente ser o Messias, constituindo isso valiosa razão política para apresentá-lo a Pilatos, pois seria, então, o libertador da nação, o condutor de Israel à hegemonia política do mundo.
Alguns estudiosos justificam o interesse dos judeus em entregar Jesus ao governante romano baseados na assertiva de Flávio Josefo, segundo a qual o Império, no ano 6 d.C., subtraíra dos judeus o jus gladii, o direito de executar suas sentenças de morte, passando a submetê-las à confirmação do procurador romano. (KELLER, 1978, p. 379.) Uma fórmula jurídica do Talmud parece corroborar a informação de Josefo. João também faz alusão a essa proibição. Conforme João, Pilatos disse aos acusadores de Jesus: “Tomai-o vós mesmos, e julgai-o conforme a vossa Lei”. E responderam ao procurador romano: “Não nos é permitido condenar ninguém à morte”. (
JOÃO 18:31.)
Não é, porém, o que se depreende da morte de Estêvão. Cerca de dois anos depois da crucificação de Jesus, Estêvão é julgado também por blasfêmia (
Atos 6:11) e, em seguida ao seu discurso de defesa perante o Sinédrio, “[...] arrastando-o para fora da cidade, começaram a apedrejá-lo” (
Atos 7:58).
Joachim Jeremias (2005, p. 246 e
302) narrou a condenação à morte imposta pelo Sinédrio à filha de um sacerdote surpreendida em adultério, ao tempo de Agripa I (41 a 44 d.C.). Acrescentou o erudito pesquisador que a decisão, nesse caso, obedeceu não ao direito farisaico, mas ao saduceu. O direito farisaico propunha que a pena de morte por fogueira (
LEVÍTICO 21:9) se aplicava internamente, infligida com chumbo derretido derramado pela boca do réu. O direito saduceu defendia queimar os culpados exteriormente, por fogueira tradicional. Assim, a jovem Imarta Bath Tali foi queimada publicamente em Jerusalém.
Incontestável exemplo de autonomia jurídico-criminal se extrai do julgamento e da execução de Tiago. Escreveu Flávio Josefo (2005, p. 925):
Anano [...] era homem ousado e empreendedor, da seita dos saduceus, que, como dissemos, são os mais severos de todos os judeus e os mais rigorosos nos julgamentos. Ele aproveitou [...] para reunir um conselho, diante do qual fez comparecer Tiago, irmão de Jesus, chamado Cristo, e alguns outros; acusou-os de terem desobedecido às leis e os condenou ao apedrejamento.
Parece suficientemente demonstrado o exercício da justiça criminal pelos judeus, com possibilidade de sujeição dos veredictos à pena de morte. Se essa faculdade não foi empregada no caso de Jesus, foi por mera conveniência, qual seja, transferir a responsabilidade de sua morte à autoridade romana, num exercício de autopreservação da elite judaica perante o povo. A aristocracia clerical, especialmente os saduceus, entre os quais se escolhiam o sumo sacerdote e principais dirigentes religiosos, enfrentava um progressivo descontentamento das massas. Seus privilégios e fortunas, criminosamente desfrutados pelo papel de intermediar as relações do Império Romano e do povo subjugado, necessitavam ser protegidos. Os nobres judeus nem podiam tolerar um movimento popular que provocasse desestabilidade social, e consequente intervenção militar romana, nem podiam se indispor ainda mais com o povo.
Paul Winter (1998, p.
41) comentou o impedimento proposto por João:
Se o segundo evangelista tivesse a informação que aparece em
JO 18:31b, ele a teria passado a seus leitores para motivar sua história e explicar por que Jesus, já condenado à morte, foi levado a um novo julgamento diante do governador. E teria explicado por que ele, condenado [...] [por blasfemar], foi na verdade executado por conta de uma acusação diferente. [...]. O segundo evangelista teria perspicácia bastante para perceber essa incoerência. Como não menciona qualquer impedimento legal à autoridade do Sinédrio, devemos presumir que ele não sabia de qualquer impedimento.
O Império Romano sempre priorizou a administração indireta, sendo sua política geral deixar à cidade-estado, conquistada ou anexada, a competência para organizar suas instituições judiciárias (na defesa dos interesses que não diziam respeito a Roma), de modo que as questões locais fossem resolvidas por tribunais locais. Por isso, os líderes judeus mais de uma vez mostraram preferência por um governador romano a um príncipe local.
Depois da morte de Herodes, o Grande, embaixadores do Sinédrio foram a Roma dizer a César Augusto que preferiam um prefeito imperial estrangeiro a qualquer dos filhos de Herodes. Dez anos após, fizeram o mesmo quanto a Arquelau, comunicando as arbitrariedades do etnarca e conseguindo sua deposição, para, a partir daí, sujeitarem-se ininterruptamente à administração de procuradores de Roma. Essa preferência só encontra respaldo numa conclusão: os direitos tradicionais dos judeus de autodeterminação eram mais respeitados pelos administradores imperiais. Os romanos não tinham interesse na jurisdição interna dos judeus e só aceitaram mandar um governador para a Judeia com relutância, pela necessidade de proteger as estradas que comunicavam a Síria ao Egito.
Muito provavelmente, os prefeitos romanos se reservavam o poder de julgar e punir infrações capituladas como insurreição, alta traição ou perturbação da ordem pública. Quanto aos temas de ordem religiosa, e nos demais casos previstos na legislação mosaica, a autonomia judaica foi preservada, abrangendo mesmo o poder de julgar sobre vida e morte, e a respectiva execução da sentença, inclusive com diferentes tipos de penas capitais.
É preciso reconhecer, todavia, que, do ponto de vista histórico, não há confirmação sobre a competência legal do Sinédrio para a aplicação da pena capital por autoridade própria. E talvez esse seja um enigma insolúvel, se depender das fontes humanas.
Seja como for, os evangelhos num ponto não deixam dúvidas: no edifício destinado ao desempenho das funções do Grande Sinédrio, o tribunal judaico, ou uma comissão de seus representantes, interpelado por Caifás, julgou Jesus réu de morte.
A sessão judicial foi encerrada e sua condenação aprovada.
O manso então foi ultrajado: cuspiram-lhe no rosto, esbofetearam-no; fizeram zombarias. Cruel brincadeira divertiu os circunstantes: cobriram- lhe o rosto com um pano e, dando-lhe golpes, escarneceram:
— “Faze-nos uma profecia, Cristo: quem é que te bateu?”