A Vida Conta

Capítulo V

Recado de amor



Chama-se Aurora a nobre companheira,

Uma das que encontrei na hora derradeira

Do corpo cujo laço me prendia;

Mensageira da paz e da alegria,

É um misto de menina, flor e estrela…

Depois de longa convivência,

Em meu novo processo de existência,

Pude efetivamente conhecê-la.


Para logo notei que Aurora onde estivesse,

Ante os amigos de qualquer idade,

Lembrava um coração que, de todo, se desse

A tecer fios de felicidade

Para quem lhe escutasse as palavras de luz;

No entanto, aos poucos, vi que ela trazia

Extenso traço de melancolia,

Obscuro pesar, escondido e profundo.

Sem que eu nada indagasse, certa feita,

Ela me disse: — “Irmã Dolores,

Devo tornar ao mundo

Numa jornada estreita.

Irmã, onde estiveres, onde fores,

Roga ao Céu abençoe a luta que me leva

A socorrer um ente amado,

Para mim, tal qual filho desgarrado,

Nas veredas da treva…”


“Mas não podes, irmã, — perguntei, com cuidado,

Ampará-lo daqui, sem renascer na Terra?”

— “Não, não posso, — ela disse, é na volta que insisto,

Já que em cinco existências, lado a lado,

Esse filho que eu amo é um homem transtornado

Que fugiu por orgulho à presença do Cristo.”


Depois de semelhante entendimento,

Acompanhei-a, certa vez,

A fim de conhecer-lhe o ente amado

A quem se afeiçoara noutras eras…

Nele encontrei um cidadão prendado,

Esbanjando poder, nome e talento.

Conquanto homem de bem, de maneiras sinceras,

Casado, pai de um filho

Que ainda não chegara a contar quatro anos,

Professor e eminente cientista,

Emitia conceitos desumanos,

Se alguém falava em fé, expondo-se-lhe à vista.


Logo após, muitas vezes,

Ateu maior, entre os grandes ateus,

Dele escutei opiniões como estas:

— “Santos e religiões nessa história de Deus

São lendas de pessoas desonestas,

O espírito é ilusão da mente alucinada,

Quando a morte aparece, a vida é cinza e nada.”


Mas Aurora voltou — afeição renascida —,

Tomando dele próprio a sua nova vida.

A mãezinha querida, excelente senhora,

Por sugestão do Plano Superior,

Deu-lhe o nome de Aurora…

Tenra criança ainda, ela exprimia amor,

Impressionando ao pai com o luminoso olhar…

No regaço materno, era uma flor no lar.

Crescendo um tanto mais, era-lhe a companhia,

O pai achara nela a fonte da alegria…

Cinco anos apenas e a criança

Endereçava a ele assuntos tais,

Que o genitor se via em profunda mudança,

Nos seus próprios anelos paternais.


Assim que os dois se punham mais sozinhos,

Fosse em casa, nas praias, nos caminhos,

A pequena fazia indagações:

— “Papai, quem fez o mar assim tão grande?

Quem cultiva estas plantas que nós vemos?

Quem criou nossos pés para que a gente ande?

Quem segura no chão a casa em que vivemos?

Papai, quem dá comida aos pássaros na serra?

Quem fez o sol? será que o sol assim, tão brilhante e tão quente,

É uma vela de Deus, iluminando a Terra?”


O pai ouvia a filha, enternecidamente,

E respondia, admirado:

— “Filhinha, vais crescer ao nosso lado

Tudo compreenderás no momento preciso…”

E parava a pensar, sob longo sorriso.

Após algum silêncio, a expressar alegria,

Vendo as aves saltando, ramo em ramo,

Sempre agarrada ao pai, a pequena dizia:

— “Papai, de tudo o que já sei

Sabe o que já falei?

Já falei à mãezinha que eu te amo…”


Mas, um dia surgiu… Há sempre um “mas”

Quando a vida feliz perde o gosto da paz.

A menina adoeceu, inesperadamente

E, após longa pesquisa, o médico anuncia

A presença de estranha leucemia…

Os pais lutaram quais leões, à frente

De um perigo mortal, no entanto, hora por hora,

Notam a pequenina e tema Aurora

A definhar e a definhar…

Até que, em certa noite, unidos a chorar

Sem qualquer esperança que os conforte,

Viram-na repousar no silêncio da morte.

Lembrando um anjo lindo estruturado em cera,

A filhinha querida adormecera.


Dois meses sobre os traços da ocorrência

A pedido de Aurora,

Fui visitar-lhe a residência.

Não mais achei ali a beleza de outrora…

Tentei buscar-lhe o pai que soube ausente

E encontrei-o num quadro comovente;

Estava triste e só num campo santo,

Tateando na lousa o nome da filhinha

E, demonstrando a mágoa que o retinha,

Falava em alta voz, encharcada de pranto:

— “Filha do coração, embora eu viva triste,

A verdade me diz que a morte não existe.

Anjo de paz e amor, é impossível morrer,

Vives hoje no Além, tanto quanto em meu ser…

Perder-te a companhia é toda a minha dor,

Não olvides teu pai, cansado e sofredor!…

Nunca te esquecerei, filha dos sonhos meus,

A saudade de ti trouxe-me a luz de Deus…”


Então, pude anotar

Naquela inteligência em supremo pesar,

Mostrando o coração sem disfarce e sem véus,

Que toda vida curta, ao brilhar e morrer,

Para quem ama e fica, ante o mundo a sofrer,

É um recado de amor no correio dos Céus!…