A Vida Conta

Capítulo VIII

A ponte de luz

Parte 1

   Terminara Jesus a prédica no monte;

  Nisso, o apóstolo Pedro se aproxima

  E diz-lhe: “Senhor, existe alguma ponte

  Que nos conduza ao Alto, ao Céu que brilha muito acima?

  Conforme ouvi de tua própria voz,

  Sei que o Reino do Amor está dentro de nós… (Lc 17:20)

  Mas deve haver, no Além, o País da Beleza,

  Mais sublime que o sol, em fulgor e grandeza…

  Onde essa ligação, Senhor, esse divino acesso?”


   Jesus silenciou, como entrando em recesso

  Da palavra de luz que lhe fluía a jorro…

  Circunvagou o olhar pelas pedras do morro

  E, depois de comprida reflexão,

  Falou ao companheiro: — “Ouve, Simão,

  Em verdade, essa ponte que imaginas

  Existe para a Vida Soberana,

  Mas temos de atingi-la por estrada

  Que não é bem a antiga estrada humana.”


   — “Como será, Senhor, esse caminho?

  Tornou Simão a perguntar.

  E Jesus respondeu sem hesitar:

  — “Coração que o escolha, às vezes, vai sozinho,

  E quase que não tem

  Senão renúncia e dor, solidão e amargura…

  E conquanto pratique e viva a lei do bem,

  Sofre o assédio do mal que o vergasta e procura

  Reduzi-lo à penúria e a desfalecimento.

   Quem busca nesta vida transitória,

  Essa ponte de luz para a eterna vitória

  Conhecerá, de perto, o sofrimento

  E há de saber amar aos próprios inimigos,

  Não contará percalços nem perigos

  Para servir aos semelhantes,

  Viverá para o bem a todos os instantes

  E mesmo quando o mal pareça o vencedor,

  Confiando-se a Deus, doará mais amor…

   E ainda que a morte, Pedro, se lhe imponha,

  Na injustiça ferindo-lhe a vergonha,

  Aceitará pedradas sem ferir,

  Desculpará injúria e humilhação

  Se deseja elevar o coração

  À ponte para o Reino do Porvir…”


   Alguns dias depois, o Cristo flagelado,

  Entregue à própria sorte

  Encontrava na cruz o impacto da morte,

  Silencioso, sozinho, desprezado…

  Terminada que foi a gritaria

  Da multidão feroz naquele dia,

  Ante o Céu anunciando aguaceiro violento,

  Pedro foi ao Calvário, aflito e atento,

  Envergando disfarce…

  Queria ver o Mestre, aproximou-se

  Para sentir-lhe o extremo desconforto…


   Simão chorou ao ver o amigo morto.


   E ao fitá-lo, magoado, longamente

  Ele ouviu, de repente,

  Uma voz a falar-lhe das Alturas:

  — “Pedro, segue, não temas, crê somente!…

  Recorda os pensamentos teus e meus…

  Esta cruz que me arrasa e me flagela

  É a ponte que sonhavas, alta e bela,

  Para o Reino de Deus.