No tribunal, a agenda da sessão Era um processo para revisão. Presentes o juiz e atendentes do foro, Bacharéis e escrivães juramentados… Toda a casa mantida por soldados E no banco dos réus, uma velhinha em choro… “Quantos anos de pena a acusada cumpriu?” Ante a fala do juiz, calmo e severo, Um agente da ordem redarguiu: “Quinze anos contados, Excelência.” O juiz revidou: — “Agora, espero Que a ré nos esclareça com paciência.” E interrogou, depois de pequena demora: — “Foi, então, a senhora quem matou o industrial Num caso que já foi plenamente julgado?” — “Fui eu, senhor juiz, num gesto tresloucado…” Respondeu a infeliz com imensa tristeza, — “Sem, ao menos, saber porque o fazia, Talvez por lastimável rebeldia, Por loucura, não sei… Um revólver ao lado, Na peça em que me achava trabalhando, Fez de mim, num momento, estranha criminosa… Os pensamentos maus como flechas em bando Invadiram-me a ideia nebulosa E matei o homem bom que confiava em mim…” O pranto prorrompeu em crise na acusada, Pobre e velha mulher, tristonha e maltratada E o juiz retornou, ao vê-la assim: — “Segundo o processado, A senhora possuía Um filho que também era empregado Na casa a que servia… A senhora confirma a alegação?…” — “Sim,” — disse a ré, mostrando na expressão Sinais de intensa dor, — “Esclareço ao doutor Que na noite do crime Ele fugiu temendo acusação…” O magistrado amigo Contemplou a acusada, enternecidamente, E avisou-lhe: — “Pois saiba o que lhe digo: Nessa noite passada, Perigoso ladrão reincidente, Penetrando uma casa resguardada, Foi ferido no peito; Um projétil causou-lhe vasta hemorragia E está morrendo num recanto estreito De nossa improvisada enfermaria. Antes que a situação se lhe agravasse, Pediu que um escrivão Viesse ouvir-lhe confissão… Perante as testemunhas, face a face, Acusou-se o autor De dois crimes de morte e um deles, por sinal, É aquele do indefeso industrial De que a senhora aqui ainda se acusa, Decerto por ser mãe, agindo por amor.” — “Como, senhor juiz?” — fala a dama confusa. — “Há quinze anos na prisão, Sei que matei sem consideração… Quanto a meu filho nunca mais o vi; Ele era um rapaz, aos vinte e três de idade, Quando fugiu, ao ver-me delinquente. Não pode ser meu filho O homem que o doutor informa estar aqui, Meu rapaz sempre foi honesto, inteligente, Um modelo completo de bondade Do qual ainda me lembro a elevação e o brilho…” Mas o juiz pediu à polícia presente Fosse mostrado à ela o preso que morria. Quatro soldados, cuidadosamente, Vieram do interior à sala úmida e fria, Trazendo o agonizante, em silêncio, na maca… O volume de sangue que perdera Impusera-lhe ao rosto estranha cor de cera. Junto à pobre velhinha, o grupo estaca. Deposto o leito simples junto à ela O pranto se lhe explode, convulsivo. Ajoelha-se a pobre… A dor se lhe revela E grita para o homem morto-vivo: — “Filho, meu filho, és tu? Que tens? Responde!… De onde vens, filho meu, de onde, onde?…” O ferido, porém, não consegue falar, Reconhece-a somente pelo olhar… Demonstra conhecer o beijo que o consola, Libera a última lágrima que rola… Ela o guarda no colo em desatino, Qual se afagasse ainda o seu doce menino… Vendo a morte, porém, cobrir-lhe os olhos baços, Sente o filho a partir, na concha dos seus braços. Louca de dor, exclama: — “Oh! filho muito amado, Não morras, não te vás, permanece a meu lado, Nunca foste ladrão, nunca foste homicida, Lutaste, quanto eu mesma, entre as provas da vida!… Oh! Deus, Oh! Grande Deus!… Oh! Pai querido e santo, Por que fizeste as mães para sofrerem tanto?!…” O silêncio tomou a sala inteira… O nobre magistrado, de alma limpa e franca, Desceu do estrado em que pontificava E veio em direção da antiga prisioneira… Beijou-lhe com respeito a cabeleira branca. Homem justo da lei, agora triste e tenso, Depôs as próprias lágrimas num lenço. Em seguida, voltou à própria posição E declarando livre aquela mãe escrava, Recordando, ele mesmo, a própria mãe Que imensamente amava, Deu por finda a sessão. |