O refúgio de amor da Boa Nova, Denominado Casa do Caminho; Albergava um montão de pessoas em prova, Entremostrando, fartamente, Doença, inquietação, cansaço, desalinho… O sol se despedia no poente. Tudo, em Jerusalém, no entardecer, Requeria parada de lazer Depois do dia quente. Entretanto, na Casa do Senhor, Intensa, prosseguia, A tarefa de paz, de compreensão e amor… Enfermos sem família que os quisesse, Débeis mentais em desvalia, Mulheres desoladas, Crianças de ninguém, colhidas nas calçadas, Junto dos companheiros de Jesus, Alinhavam-se em prece, Rogando aos Céus socorro, amparo e luz… No transcurso do dia, Simão Pedro suara e trabalhara tanto, Que se acolhera, a sós, em singelo recanto, Tentando se esquivar à estafa que sentia… Mas, um dos assessores, Veio apressado pelos corredores, E disse-lhe, através da voz tremente: — “Irmão Pedro, chegou à nossa porta Um velhinho em feridas… Geme e grita com dores incontidas. É o rabino Joaz que conheceis, Antigo fazedor de nossas leis .” Pedro aprumou-se e respondeu: Como quem se arrojara a intenso asco: — “Joaz, filho de Aquim, o terrível carrasco, Que odeia o mundo galileu?” Em seguida indagou do jovem emissário: — “Não conheces a trama do Calvário? Pois não sabes, nos textos em que estudas, Que foi ele um dos vários matadores Que aconselharam Judas A complicar o Mestre Inesquecível? E, dando um murro à mesa, Ajuntou: “É impossível!… Aqui não entrará semelhante traidor… Que ele sofra, por lei da Natureza, Remorso e enfermidade, entre gritos de dor… Cumpro o que penso e falo, Eu mesmo irei à porta, a fim de despachá-lo…” Descia a noite devagar, A penumbra invadia o grande lar. Pedro avançava para a entrada, Mostrando na expressão a alma rude e agitada Mas, quase rente à porta, um homem sereno Nele cravou o olhar calmo e profundo… O apóstolo excitado o reconheceria Fosse onde fosse, em todo o mundo… Era Jesus, o Mestre Nazareno… Empolgado de pranto e de alegria, Simão interrompeu, atarantado: “A que vindes, Senhor? Ordenai o que for de vosso agrado… O Cristo replicou, carregando de amor As palavras sublimes que trazia: — “Compreendo, Simão, a repulsa que sentes Não pudeste esquecer as horas de agonia Dos nossos dias diferentes… Mas escuta, Simão: É preciso abrandar o coração… Olvidar toda ofensa é prosseguir em paz. Pedro, venho pedir-te por Joaz, Ele já não é mais o duro algoz de outrora, É um pobre penitente que se escora Nas chagas que carrega, Um enfermo infeliz De alma cansada e cega Que a si mesmo se acusa e se maldiz… Recorda a nossa fala de outras vezes, Se Joaz te feriu a alma fraterna e boa, Pedro, escuta!… Perdoa Setenta vezes sete vezes… Não te detenhas, vai, Lembra o Infinito Amor de Nosso Pai… Cada qual pagará pelas culpas que tem Na justiça que vela sem cessar, Quanto a nós cabe sempre a tarefa do bem: Aprender e servir, compreender e amar… Auxilia-me, enfim, Faze o bem a Joaz, qual o fazes por mim!…” Dissolveu-se na sombra a divina figura; O apóstolo chorou, tocado de amargura… Depois, ganhou a porta em ritmo apressado. Um homem seminu jazia esfarrapado, Estirado na pedra à sua própria frente. O antigo pescador contemplou o doente E inquiriu sobre ele ao tristonho rapaz Que se punha a assisti-lo. O moço esclareceu: — “Amigo, este é Joaz Que pede proteção ao teto deste asilo, Está mudo, febrento, desprezado… Recebei-o, por Deus, ao vosso lado Por tutelado e amigo, O rabino de outrora hoje é um triste mendigo…” Transformado, Simão, Alçou Joaz Ao nível de seu próprio coração. Depois falou para o interlocutor: — “Ide em paz Deixai Joaz conosco, é nosso irmão, Ele pertence agora ao nosso amor, Tal qual se fez e tal qual se apresenta…” E enquanto o jovem sai como quem não se atrasa A fim de obedecer aos seus chefes hebreus, Pedro ainda aditou em voz tranquila e atenta, — “Ele será mais nosso em nossa casa Que esta casa é de Deus!…” |