A Vida Escreve

Capítulo XXVII

Visão de Eurípedes



Começara , o apóstolo da mediunidade, em Sacramento, no Estado de Minas Gerais, a observar-se fora do corpo físico, em admirável desdobramento, quando, certa feita, à noite, viu a si próprio em prodigiosa volitação. Embora inquieto, como que arrastado pela vontade de alguém num torvelinho de amor, subia, subia…

Subia sempre.

Queria parar, e descer, reavendo o veículo carnal, mas não conseguia. Braços intangíveis tutelavam-lhe a sublime excursão. Respirava outro ambiente. Envergava forma leve, respirando num oceano de ar mais leve ainda… Viajou, viajou, à maneira de pássaro teleguiado, até que se reconheceu em campina verdejante. Reparava na formosa paisagem, quando, não longe, avistou um homem que meditava, envolvido por doce luz.

Como que magnetizado pelo desconhecido, aproximou-se…

Houve, porém, um momento, em que estacou, trêmulo.

Algo lhe dizia no íntimo para que não avançasse mais..

E num deslumbramento de júbilo, reconheceu-se na presença do Cristo.

Baixou a cabeça, esmagado pela honra imprevista, e ficou em silêncio, sentindo-se como intruso, incapaz de voltar ou seguir adiante.

Recordou as lições do Cristianismo, os templos do mundo, as homenagens prestadas ao Senhor, na literatura e nas artes, e a mensagem d’Ele a ecoar entre os homens, no curso de quase vinte séculos…

Ofuscado pela grandeza do momento, começou a chorar…

Grossas lágrimas banhavam-lhe o rosto, quando adquiriu coragem e ergueu os olhos, humilde.

Viu, porém, que Jesus também chorava…

Traspassado de súbito sofrimento, por ver-lhe o pranto, desejou fazer algo que pudesse reconfortar o Amigo Sublime… Afagar-lhe as mãos ou estirar-se à maneira de um cão leal aos seus pés…

Mas estava como que chumbado ao solo estranho…

Recordou, no entanto, os tormentos do Cristo, a se perpetuarem nas criaturas que até hoje, na Terra, lhe atiram incompreensão e sarcasmo…

Nessa linha de pensamento, não se conteve. Abriu a boca e falou, suplicante:

— Senhor, por que choras?

O interpelado não respondeu.

Mas desejando certificar-se de que era ouvido, Eurípedes reiterou:

— Choras pelos descrentes do mundo?

Enlevado, o missionário de Sacramento notou que o Cristo lhe correspondia agora ao olhar. E, após um instante de atenção, respondeu em voz dulcíssima:

— Não, meu filho, não sofro pelos descrentes aos quais devemos amor. Choro por todos os que conhecem o Evangelho, mas não o praticam…

Eurípedes não saberia descrever o que se passou então.

Como se caísse em profunda sombra, ante a dor que a resposta lhe trouxera, desceu, desceu…

E acordou no corpo de carne.

Era madrugada.

Levantou-se e não mais dormiu.

E desde aquele dia, sem comunicar a ninguém a divina revelação que lhe vibrava na consciência, entregou-se aos necessitados e aos doentes, sem repouso sequer de um dia, servindo até à morte.



(Psicografia de Francisco C. Xavier)