A Vida Escreve

Capítulo V

Na hora do passe



Dirigia distinta organização espírita na capital baiana, quando um rapaz, interessado em grandes projetos de assistência social, veio procurá-lo.

E entre ambos a conversação se alongou.

— Petitinga, não podemos ficar parados. A hora é de trabalho, trabalho…

— Também penso assim.

— Que acha você levantarmos um orfanato para as criancinhas desamparadas de Salvador?

— Excelente projeto.

— E um sanatório para obsidiados?

— Muito importante.

— E uma vila completa para os nossos irmãos infelizes que moram em casebres misérrimos? Uma vila, Petitinga, em que pudéssemos reunir muitas famílias?

— O plano é uma bênção.

— Um lar para velhinhos é uma necessidade… Às vezes volto para a casa, à noite, e vejo anciãos na calçada. Que diz você de um albergue moderno, de amplas proporções?

— Isso seria uma concessão de Deus.

— Noto igualmente que precisamos de um instituto diferente para os alcoolizados. Uma casa-hospital, em que os internados esqueçam o vício… Que opinião é a sua?

— Nem tenho expressões. Uma obra dessas é um monumento de amor.

— E uma escola? Que diz você de uma escola? — Uma escola, em bases espíritas, é caminho do Reino de Deus.

Petitinga não cabia em si de contente.

Afinal — pensava — surpreendera ave rara.

Alguém que iria longe, homem disposto a trabalhar e a sofrer pela causa.

E como o tempo passava e tinha serviço urgente, convidou:

— Bem, meu amigo, a sua palavra brilha para mim. Continuemos conversando em serviço. Estou justamente na hora do passe a dois irmãos tuberculosos e terei muito prazer no seu concurso…

Mas o moço, incompreensivelmente, alterou o semblante. Fez-se lívido. Repetiu, várias vezes, o gesto de quem expulsa a poeira do paletó, e ele, que sonhava tantas obras de caridade, respondeu, desenxabido:

— Ora, Petitinga, isso não. Você compreende. Não posso buscar moléstias contagiosas. Tenho família.

E lá se foi…



(Psicografia de Francisco C. Xavier)