Abastado fazendeiro fluminense, de ideias espíritas, vinha do sítio à cidade, a fim de entender-se com o Juiz de Menores sobre o comportamento reprovável de um filho. O jovem de catorze anos fizera-se malfeitor. A princípio, subtraía valores em casa. Em seguida, passou a escandalizar parentes. Supunham-no enfermo. Levado ao facultativo, recebeu conselho, medicação.
Ainda assim, não se emendou. A pequena mão leve preocupava.
Por último, era apontado como sendo o autor do desaparecimento de grande soma de residência vizinha. O pai, aflito, marcara encontro com a autoridade e, de passagem por Nilópolis, parou num posto de gasolina. Um companheiro reconheceu-o. Abraços. E, de imediato, a roda de amigos. Assunto vai, assunto vem.
José Luís do Espírito Santo, ferroviário espírita, humilde e abnegado, está no círculo. Ouve a conversa com discrição. De quando em quando, atende a esse ou àquele necessitado. É um coração materno a rogar auxílio. Um velhinho a pedir café. Um doente que lhe apresenta o semblante triste. Essa ou aquela criança tentando amparo. O dinheiro é pouco, mas José Luís saca do bolso, sem exauri-lo. Para cada um tem o auxílio como resposta.
A certa altura, o fazendeiro itinerante observa, conselheiral:
— Meu amigo, tenho muita simpatia pela Doutrina Espírita, mas creio que o exagero da caridade é um abuso. Ajudar a torto e a direito é criar vadios.
O ferroviário esboçou o gesto de quem fora surpreendido em falta e justificou-se:
— Dou coisa alguma, doutor. Um homem; como eu, conta apenas migalhas. De fato, o senhor tem razão. É possível que a gente ajudando possa, aqui e ali, ver surgir vadios. Mas sempre noto que a gente, acumulando muitos bens sem proveito, faz também os ladrões.
E sem saber que tocava fundo na chaga do homem:
— E às vezes fazemos ladrões dentro da própria casa.
(Psicografia de Francisco C. Xavier)