A Vida Escreve

Capítulo X

O aparte



Perante o enorme ajuntamento de sofredores desencarnados, no Plano Espiritual, o , apóstolo da Doutrina Espírita no Brasil, rematava a preleção.

Falara, com muito brilho, acerca dos desregramentos morais.

Destacara os males da alma e os desastres do espírito.

Dispunha-se à retirada, quando fino ironista o invectivou:

— Escute, doutor. O senhor disse que a calúnia é um braseiro no caluniador. Eu caluniei e nada senti. O senhor disse que o furto é um espinho no ladrão. Eu roubei e nada senti. O senhor disse que o destruidor de lares terrestres carrega a lâmina do arrependimento a retalhar-lhe o coração. Destruí diversos lares e nada senti. O senhor disse que o criminoso tem a nuvem do remorso a sufocá-lo. Eu matei e nada senti…

— Meu filho — disse o pregador —, que sente um cadáver quando alguém lhe incendeia o braço inerte?

— Nada — disse, rindo, o opositor sarcástico —, pois cadáver não reage.

E a conversação prosseguiu.

— Que sente um cadáver se lhe enterram um espinho no peito?

— Coisa alguma.

— Que sente um cadáver se o mergulham num lago de piche?

— Absolutamente nada, ora essa! O cadáver é a imagem da morte.

Doutor Bezerra fitou o triste interlocutor e, meneando paternalmente a cabeça, concluiu:

— Pois olhe, meu filho, quando alguém não sente o mal que pratica, em verdade carrega consigo a consciência morta. É um morto-vivo.



(Psicografia de Francisco C. Xavier)