Alma e Vida

Capítulo XXIX

Arte e vida




Dizem que, em plenos céus, encontraram-se, um dia,

A cigarra cantora e a formiga prudente,

Mas deixando de longe a fábula dos homens

A fala do Senhor foi muito diferente.


Ele disse à formiga: “Sê bendita,

No esforço que fizeste… Embora pequenina,

Ensinaste na Terra as lições do trabalho,

Exaltando o valor da disciplina.

Construíste, guardaste, entesouraste,

Reservando celeiro ao próprio excesso,

E demonstraste aos homens quanto vale

A previdência ao culto do progresso.

Bendita sejas, por que promoveste

A união de teus grupos e parentes…

Serás na Terra o símbolo do apoio

Com que se deve amar aos próprios descendentes…”


Tendo havido uma pausa, a formiga contente

Talvez ansiando armar algum ingênuo enredo,

Desejou complicar a amiga desprezada

Que vivera cantando no arvoredo.


Mas o Senhor voltando ao verbo alto e sereno,

Decidiu-se expressando a própria Lei:

— “E, quanto a ti, cigarra, sê louvada

Pela atenção no encargo que te dei.

Raros homens souberam perceber-te

Na elevada missão de que foste investida,

O Céu determinou cantasses, embalando

A Natureza em luta, ante as ordens da vida.

Cantavas sem prender-te a tesouro e celeiro,

Sabendo que eu jamais te negaria,

Pensamento e palavra, harmonia e beleza

Para a benção do pão de cada dia.

Viajores prostrados de cansaço,

Ao ouvir-te as canções, guardando-as na lembrança,

Refaziam a fé nos poderes da vida,

Prosseguindo a jornada ao toque da esperança…

Troncos ao sol do estio, ressecados,

Erguendo aos céus os ramos sofredores,

Escutando-te a voz, aguardavam, em prece,

O regresso da chuva a cobri-los de flores…

Cantavas e a coragem retomava

Lares e prados, montes e caminhos,

Derramavas a música no Espaço

Alcançando os jardins, as árvores e os ninhos…

E muita vez, cantavas de tristeza

Sem que ninguém te visse a solidão,

Mas atendeste aos Céus que te pedia,

Servir cantando em forma de oração.

A formiga é a prudência apoiando o progresso,

Para que a Terra lute e evolua, a contento,

Entretanto, cigarra, serás sempre,

A inspiração de luz do firmamento.”


Artista, aceita a vida, embora as dores

Que a vida em si te impõe, sem compreendê-las,

O progresso constante é a grandeza do mundo,

A arte, porém, pertence ao País das Estrelas.


.Maria Dolores