Dizem que, em plenos céus, encontraram-se, um dia, A cigarra cantora e a formiga prudente, Mas deixando de longe a fábula dos homens A fala do Senhor foi muito diferente. Ele disse à formiga: “Sê bendita, No esforço que fizeste… Embora pequenina, Ensinaste na Terra as lições do trabalho, Exaltando o valor da disciplina. Construíste, guardaste, entesouraste, Reservando celeiro ao próprio excesso, E demonstraste aos homens quanto vale A previdência ao culto do progresso. Bendita sejas, por que promoveste A união de teus grupos e parentes… Serás na Terra o símbolo do apoio Com que se deve amar aos próprios descendentes…” Tendo havido uma pausa, a formiga contente Talvez ansiando armar algum ingênuo enredo, Desejou complicar a amiga desprezada Que vivera cantando no arvoredo. Mas o Senhor voltando ao verbo alto e sereno, Decidiu-se expressando a própria Lei: — “E, quanto a ti, cigarra, sê louvada Pela atenção no encargo que te dei. Raros homens souberam perceber-te Na elevada missão de que foste investida, O Céu determinou cantasses, embalando A Natureza em luta, ante as ordens da vida. Cantavas sem prender-te a tesouro e celeiro, Sabendo que eu jamais te negaria, Pensamento e palavra, harmonia e beleza Para a benção do pão de cada dia. Viajores prostrados de cansaço, Ao ouvir-te as canções, guardando-as na lembrança, Refaziam a fé nos poderes da vida, Prosseguindo a jornada ao toque da esperança… Troncos ao sol do estio, ressecados, Erguendo aos céus os ramos sofredores, Escutando-te a voz, aguardavam, em prece, O regresso da chuva a cobri-los de flores… Cantavas e a coragem retomava Lares e prados, montes e caminhos, Derramavas a música no Espaço Alcançando os jardins, as árvores e os ninhos… E muita vez, cantavas de tristeza Sem que ninguém te visse a solidão, Mas atendeste aos Céus que te pedia, Servir cantando em forma de oração. A formiga é a prudência apoiando o progresso, Para que a Terra lute e evolua, a contento, Entretanto, cigarra, serás sempre, A inspiração de luz do firmamento.” Artista, aceita a vida, embora as dores Que a vida em si te impõe, sem compreendê-las, O progresso constante é a grandeza do mundo, A arte, porém, pertence ao País das Estrelas. .Maria Dolores |