Antologia dos Imortais

Capítulo XXI

Raimundo Correia



O vento corre uivante e desempedra

Alvo seixo engastado na montanha.

A pedra solta cai sobre outra pedra,

Brotam faíscas de uma luz castanha…


Novo golpe do vento e o fogo medra

Na alfombra ressequida, em doida sanha…

Há luta que se alteia e se desmedra

No incêndio arrasador em fúria estranha…


Mais forte zune o vento e a tudo encrispa,

Sobem chamas cruéis de chispa em chispa…

O homem chora a perdida sementeira…


Também no mundo é assim… Por bagatela

Surge a paixão que se desencastela, 13

Queimando a safra de uma vida inteira…


RAIMUNDO da Mota de Azevedo CORREIA — Para Manuel Bandeira, R. Correia “certamente é o maior artista do verso que já tivemos”. “O maior dos parnasianos,” — afirma Agrippino Grieco — “e um dos poucos que tiveram íntima sensibilidade, foi Raimundo Correia.” Exerceu cargos de magistratura, administração e diplomacia, e foi professor da Faculdade de Direito de Ouro Preto. Membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Ronald de Carvalho (, pág.
295) declara que o poeta, “por suas tendências à meditação e seu entranhado amor aos problemas íntimos da consciência, ficou mais perto da que os seus companheiros”. “Em sua arte poética existia algo de nobre e superior, dentro de uma emoção nunca transbordante, mas sempre vigiada pelo senso crítico.” (A. Lins e A. B. Hollanda, , II, pág. 611.) (A bordo do vapor brasileiro San’ Luiz, barra de Mangunça, Município de Cururupu, Maranhão, 13 de Maio de 1859 — Paris, 13 de Setembro de 1911.)

BIBLIOGRAFIA: ; ; ; etc.


. “Surge a paixão que se desencastela”. Este decassílabo sáfico com acento secundário na 8ª silaba, conquanto venha de um parnasiano, não constitui inovação na poética de Raimundo Correia. Pelo menos é o que depreendemos dos exemplos seguintes, colhidos em sua Poesia Completa e Prosa:

— “Por sobre as águas indolentemente” (Verso 14º do soneto “Ofélia”, páginas 145-146);

— “De escuma, e raios e fosforescências… (Verso 18º do poema “O Dia acorda! Deus por uma fresta”, de Versos e Versões, pág. 190);

— “Vi-te no céu; e, enamoradamente,” (Verso 2º do soneto “Beijos do Céu”, pág. 301).


: O tema deste soneto — “Bagatela” — corresponde às características aportadas por Péricles Eugênio da Silva Ramos, sobre a poesia de R. Correia: “As características de sua poesia são, pelo fundo, um agudo sentimento da transitoriedade das coisas e insolúvel pessimismo; e, pela forma, perceptível senso das virtualidades vocabulares. Sempre foi considerado um dos grandes do parnasianismo; e não há por que rever essa posição.” (Pan. III, págs. 77-78.)



Observe-se a onomatopeia, acentuando a ideia de incêndio: “chamas cruéis de chispa em chispa…/ O homem chora…”


(Psicografia de Waldo Vieira)