Se ontem, atribulado, andei sem rumo certo, Nômade do ideal, gemendo estrada afora, Hoje, crente, proclamo, ao coração que chora, A alegria imortal do espírito liberto… Renovado, feliz, vou pelo mundo agora, Já não mais como fui, amargando o deserto, E antevejo o painel do futuro entreaberto, Em torrentes de amor a crescer hora a hora… Em Jesus encontrei o Mentor dos Mentores, A guardar no Evangelho a Cartilha Suprema, Libertação do mal, consolação nas dores. Glorificado seja o Senhor Bem Amado, Erguendo a liberdade ao pé de cada algema, Pregando a redenção para todo culpado!… |
Suspenso em pleno peito amplo vergel florido, Existe qual jardim sem espinho e sem hera… Por mais chuva ou mais sol, conserva o colorido, E, embora o frio em torno, esplende em primavera… Do regato a jorrar não se escuta um gemido… Nas brisas de perfume o amor jamais se altera… E nesse abrigo santo, em pétalas tecido, A doçura vigia em generosa espera… Remanso de bondade em divino transporte, Oásis no deserto a sorrir para a morte, Quem consegue exaltar esse ninho fecundo?… Só Deus !… Só Deus, usando a luz da aurora acesa, Poderá definir a infinita grandeza Do coração de mãe como a glória do mundo!… |
ISMAEL Alves Pereira MARTINS — Poeta, jornalista e polemista, colaborou nas mais importantes revistas simbolistas do Paraná. Falando sobre o seu único livro de versos, Fernando Góes (. IV, pág.
221) conclui: “Poemas de alguém que teve uma vida de sofrimentos e que giram em torno do amor à família, da morte, da dúvida, da dor. De forma descuidada — Ismael confessa faltar-lhe o “segredo da Forma”, o “mérito da Arte” — esses versos são confissões e às vezes pungentes desabafos.” Pertenceu ao Centro de Letras do Paraná, do qual fora sócio fundador, e é, na Academia Paranaense de Letras, o patrono da cadeira n° 34. (Campo Largo, Paraná, 27 de Julho de 1876 — Curitiba, 7 de Dezembro de 1926.)
BIBLIOGRAFIA: , versos; , prosa; etc.
. O poeta atribulado de “Vinte e Nove de Julho…”
“Vinte e nove de Julho! Ao lembrar este dia,
Às vezes pergunto a Deus: porque nasci?”
(Apud A. Muricy, Pan. Mov. Simb. Bras., II, pág. 216.)
volta agora no poeta “renovado, feliz”, de “Glorificação”.
É forçoso dizer que, neste soneto, o poeta deixa transparecer a euforia natural daqueles que encontram a resposta às antigas dúvidas que os acicatavam. No caso presente, o autor de Ciclos, depois de fundamentar a “ideia vaga”, expressa nos quartetos do soneto “Eternas perguntas”, na qual admitia já haver vivido em outro mundo, demonstra não mais ignorar aquilo que deixou nos tercetos do soneto a que aludimos:
“De onde vim? Aonde vou? Será verdade
Que a morte não existe? A eternidade
Será o consolo prometido à gente?
O homem que será? Verme inconstante
Ou sublimado ser que a todo instante
Se transforma e revive eternamente?”
(Ap. Rodrigo Júnior e…, Ant. Paranaense, pág. 192.)
Aliteração em d.
Ler com hiato: ho/ra a/ ho/ra.
Note-se a elipse: “Por mais (que haja) chuva ou sol…”
Epizeuxe: “Só Deus!… Só Deus…”
(Psicografia de Waldo Vieira)