Abisma-se minha alma aos impulsos da prece, Fitando a dor além que a muitos entristece… Pelos campos da morte onde o mal prepondera, O ente humano enfermiço agita-se qual fera. A voragem hiante eletriza e arrebata O espírito rendido à revolta insensata. Na grande inquietação do ser que a tudo anela E que descobre, alfim, que a carne se esfacela, A alma forte que ria, hoje chora a sofrer Na vastidão do umbral que transfigura o ser. Cavernas e pauis, precipícios e furnas… Mausoléus de quem vive em névoas taciturnas… Neblina e fetidez… O tempo, em caos, dormita… Horrendos animais em urros, choro e grita… Cada vulto é um dragão que indignado ulula Preso à inveja, à vingança, à dissensão, à gula… E arrasta-se a sentir remorsos de culpado Em frio enregelante e em calor abafado. A populaça brame… E avança o turbilhão No gargalhar febril de caminho malsão! Os farrapos da vida, errantes pelo espaço, Pervagam sem parar, gemendo a passo e passo… Mas todos saldarão os seus mais torvos crimes, Sob a luz do porvir, em vitórias sublimes, Quando renascerão na carne redentora Guardados pela dor, nossa mestra e tutora! E o visitante, em meio aos seres padecentes, Rega a senda que pisa em lágrimas pungentes. Alguém pode esquecer, no imo de si mesmo, Tantas almas na dor a chorarem a esmo?… Reflete, amigo, assim, que aí em teu remanso O pranto irado e hostil profana o luar manso… Quando em fúria te açoite a borrasca do inverno, Aceita a provação que é luz do Sol Eterno! Há muito companheiro entregue ao sofrimento, Sob materialismo ingrato e virulento. O ateu, estátua viva a morrer enganado, Acalenta consigo estranho e horrível fado… O crime que passou, no qual ninguém mais pensa, Resta ecoando na alma, igual rude sentença… Oferece a quem chora o afago da ternura; Aos frêmitos de dor, a bênção doce e pura. O serviço do amor, sem láurea ou recompensa, Ser-te-á nova luz na luz divina e imensa. Não olvides jamais o conceito imortal: Há alegria no bem e há tristeza no mal!… |
Raimundo Antônio de BULHÃO PATO — Poeta, prosador e tradutor português, Bulhão Pato pertenceu à Academia das Ciências de Lisboa, tendo ido para Portugal com apenas 9 anos de idade. Afirma João Gaspar Simões que o poeta, amigo dileto de Alexandre Herculano, frequentou a roda dos maiores escritores da época. Poeta harmonioso, espontâneo e apaixonado, foi, segundo Mendes dos Remédios (, pág. 582), “o último representante da escola típica do Romantismo, cujos fundadores conheceu e tratou”. (Bilbau, Espanha, 3 de Março de 1829 — Torre da Caparica, Portugal, 24 de Agosto de 1912.)
BIBLIOGRAFIA: ; ; ; etc.
: A fim de que possamos observar o gosto do poeta para os alexandrinos dispostos em parelhas, vamos transcrever-lhe apenas pequeno trecho de “O Pinheiro Bravo” (apud Cláudio Brandão, Antol. Contemp., págs. 423-424):
“………
Da cruel granizada, em tempos de invernia,
Muita vez me abrigou a tua ramaria!
O furacão austral não te insultava a fronte —
Em-pé; robusto e só, no píncaro do monte!”
Refere-se o poeta às regiões purgatoriais da Espiritualidade.
O Espírito, no Umbral, perde a noção do tempo-hora.
O poeta faz alusão aos casos de zoantropia. Em grande parte, formas licantrópicas.
Ler com hiato: no/ i/mo e a/ es/mo.
Belíssima imagem: “o ateu, estátua viva a morrer…”
Epímone: “nova luz na luz divina”. — .
Dupla antítese.
(Psicografia de Waldo Vieira)