Aulas da Vida

Capítulo XIV

Valorização da vida



O rapaz entrou no hospital de acidentados, demonstrando grande sofrimento.

O carro derrapara no asfalto, encharcado de chuva.

Trazia o rosto escoriado, entretanto, o pior era a perna massacrada; balançando na altura do joelho.

O médico de plantão determinou fosse ele transportado para a sala de cirurgia.

A equipe de enfermagem, de cuja assessoria espiritualmente partilhamos, unificou a própria atenção.

Antes de ser anestesiado, o moço pediu com tristeza:

— Doutor, quero a perna sã para o jogo de domingo… Não posso faltar a meu time…

Depois dormiu, ignorando que acordaria mutilado, porque a amputação se fazia inevitável.


Logo após, senhora distinta veio até nós, seguindo em pranto, um homem depositado na maca:

— Doutor — rogou em voz baixa, entrecortada de lágrimas — salve meu esposo… Fomos assaltados… Estou louca de angústia, mas sei que ele tomou dois tiros.

O plantonista promoveu a internação da vítima para a assistência intensiva, no entanto, decorrida uma hora de esforço inútil, voltou à sala e disse à dama, então cercada de parentes:

— Senhora, infelizmente, nada mais temos a fazer… Seu marido está morto.


Em seguida, novo caso apareceu.

Aflita mulher penetrou o recinto, abraçando a filha que chorava desconsolada.

Tratava-se de bela menina, alteando a mão direita estranhamente ferida.

Escorregara sobre um tacho de leite fervente e mergulhara o braço no líquido em fogo, tentando escorar-se contra a queda total.

Conduzida aos curativos, clamou suplicante:

— Doutor, preciso da mão curada depressa… Na semana que vem, terei minhas últimas provas de formação em piano…

O chefe em serviço articulou algumas frases de esperança, antes de autorizar-lhe o retorno à casa, mas vimos nós que na mão queimada já faltavam três dedos.


Mais alguns momentos e um homem de cabelos grisalhos nos surgiu à frente, junto de alguém que jazia inerte, sob o cuidado de padioleiros atentos.

— Doutor — falou o recém-chegado, apontando o corpo que o lençol resguardava — é meu filho… Escreveu um bilhete vago e atirou no próprio peito… A polícia está informada… Meu rapaz é nervoso e doente, mas sou viúvo e ele é tudo o que eu tenho… Rogo o seu auxílio, em nome de Deus!…

O missionário da medicina descobriu o rosto do jovem, pesquisou-lhe algum sinal de vida e depois respondeu para o homem triste:

— O seu filho está entregue a Deus… Neste mundo, realmente, ele já não vive mais…

Na face paterna, duas grossas lágrimas desceram dós olhos, procurando a comissura dos lábios…


Tocada em meus mais íntimos sentimentos, pedi licença ao mentor que nos dirigia para o afastamento de alguns minutos.

Ele indagou se me ocorria essa ou aquela alteração, dispensando-me, no entanto, a fim de que me ausentasse por instantes ligeiros.

Quis explicar-lhe que desejava vir, até vocês, amados amigos, para comentarmos a importância da vida, mas, junto dele, não consegui pronunciar palavra.