A Gênese
CAPÍTULO XIV
Os Fluidos
Elementos fluídicos
• Item 1 •
A Ciência resolveu a questão dos milagres que decorrem mais particularmente do elemento material, quer explicando-os, quer demonstrando-lhes a impossibilidade, em face das leis que regem a matéria. Mas os fenômenos em que prepondera o elemento espiritual, não podendo ser explicados unicamente por meio das Leis da Natureza, escapam às investigações da Ciência. É por isto que eles, mais do que os outros, apresentam os caracteres aparentes do maravilhoso. É, pois, nas leis que regem a vida espiritual que se pode encontrar a explicação dos milagres dessa categoria.
Elementos fluídicos
• Item 2 •
O fluido cósmico universal é, como já foi demonstrado, a matéria elementar primitiva, cujas modificações e transformações constituem a inumerável variedade dos corpos da Natureza. (Cap. X.) Como princípio elementar do Universo, ele assume dois estados distintos: o de eterização ou imponderabilidade, que se pode considerar o estado normal primitivo, e o de materialização ou de ponderabilidade, que é, de certo modo, consecutivo ao primeiro. O ponto intermediário é o da transformação do fluido em matéria tangível. Mas, ainda aí, não há transição brusca, visto que se podem considerar os nossos fluidos imponderáveis como termo médio entre os dois estados. (Cap. IV, itens 10 e seguintes.)
Cada um desses dois estados dá lugar, naturalmente, a fenômenos especiais: ao segundo pertencem os do mundo visível e ao primeiro os do mundo invisível. Uns, os chamados fenômenos materiais, são da alçada da Ciência propriamente dita; os outros, qualificados de fenômenos espirituais ou psíquicos, porque se ligam de modo especial à existência dos Espíritos, cabem nas atribuições do Espiritismo. Como, porém, a vida espiritual e a vida corporal se acham em contato incessante, os fenômenos das duas categorias muitas vezes se produzem simultaneamente. No estado de encarnação, o homem somente pode perceber os fenômenos psíquicos que se prendem à vida corpórea; os que são do domínio exclusivo da vida espiritual escapam aos sentidos materiais e só podem ser percebidos no estado de Espírito. [1]
Elementos fluídicos
• Item 3 •
No estado de eterização, o fluido cósmico não é uniforme; sem deixar de ser etéreo, sofre modificações tão variadas em gênero e mais numerosas talvez do que no estado de matéria tangível. Essas modificações constituem fluidos distintos que, embora procedam do mesmo princípio, são dotados de propriedades especiais e dão origem aos fenômenos peculiares do mundo invisível.
Dentro da relatividade de tudo, esses fluidos têm para os Espíritos, que também são fluídicos, uma aparência tão material quanto a dos objetos tangíveis para os encarnados e são, para eles, o que são para nós as substâncias do mundo terrestre. Eles os elaboram e combinam para produzirem determinados efeitos, como fazem os homens com os seus materiais, ainda que por processos diferentes.
Lá, porém, como neste mundo, somente aos Espíritos mais esclarecidos é dado compreender o papel que desempenham os elementos constitutivos do mundo onde eles se acham. Os ignorantes do mundo invisível são tão incapazes de explicar a si mesmos os fenômenos a que assistem e para os quais muitas vezes concorrem maquinalmente, como os ignorantes da Terra o são para explicar os efeitos da luz ou da eletricidade, para dizer de que modo é que veem e escutam.
Elementos fluídicos
• Item 4 •
Os elementos fluídicos do mundo espiritual escapam aos nossos instrumentos de análise e à percepção dos nossos sentidos, feitos para perceberem a matéria tangível e não a matéria etérea. Há os pertencentes a um meio diverso a tal ponto do nosso, que deles só podemos fazer ideia mediante comparações tão imperfeitas como aquelas mediante as quais um cego de nascença procura fazer ideia da teoria das cores.
Mas, entre esses fluidos, alguns são tão intimamente ligados à vida corpórea que, de certa forma, pertencem ao meio terreno. Em falta de percepção direta, podem-se observar os seus efeitos, como se observam os do fluido do ímã, fluido que jamais se viu, podendo-se adquirir sobre a natureza deles conhecimento de alguma precisão. Esse estudo é essencial, porque está nele a solução de uma imensidade de fenômenos inexplicáveis unicamente pelas leis da matéria.
Elementos fluídicos
• Item 5 •
O ponto de partida do fluido universal é o grau de pureza absoluta, da qual nada nos pode dar ideia; o ponto oposto é a sua transformação em matéria tangível. Entre esses dois extremos, dão-se inúmeras transformações, mais ou menos aproximadas de um e de outro. Os fluidos mais próximos da materialidade, os menos puros, conseguintemente, compõem o que se pode chamar a atmosfera espiritual da Terra. É desse meio, onde igualmente vários são os graus de pureza, que os Espíritos encarnados e desencarnados deste planeta haurem os elementos necessários à economia de suas existências. Por mais sutis e impalpáveis que nos pareçam, esses fluidos não deixam por isso de ser de natureza grosseira, em comparação com os fluidos etéreos das regiões superiores.
O mesmo se dá na superfície de todos os mundos, salvo as diferenças de constituição e as condições de vitalidade próprias de cada um. Quanto menos material é a vida neles, tanto menos afinidade têm os fluidos espirituais com a matéria propriamente dita.
A qualificação de fluidos espirituais não é rigorosamente exata, já que, em última análise, eles são sempre matéria mais ou menos quintessenciada. De realmente espiritual, só mesmo a alma ou princípio inteligente. Dá-se-lhes essa denominação por comparação apenas e, sobretudo, pela afinidade que eles guardam com os Espíritos. Pode-se dizer que são a matéria do mundo espiritual, razão por que são chamados fluidos espirituais.
Elementos fluídicos
• Item 6 •
Quem conhece, aliás, a constituição íntima da matéria tangível? Ela talvez somente seja compacta em relação aos nossos sentidos, e o que o provaria é a facilidade com que os fluidos espirituais e os Espíritos a atravessam, aos quais não oferece maior obstáculo do que o que os corpos transparentes oferecem à luz.
Tendo por elemento primitivo o fluido cósmico etéreo, deve ser possível à matéria tangível, desagregando-se, voltar ao estado de eterização, do mesmo modo que o diamante, o mais duro dos corpos, pode volatilizar-se em gás impalpável. Na realidade, a solidificação da matéria não passa de um estado transitório, que pode voltar ao seu estado primitivo quando deixam de existir as condições de coesão.
Quem sabe mesmo se, no estado de tangibilidade, a matéria não é capaz de adquirir uma espécie de eterização que lhe daria propriedades particulares? Certos fenômenos, que parecem autênticos, tenderiam a fazer supor que assim fosse. Ainda não conhecemos senão as fronteiras do mundo invisível; o futuro, sem dúvida, nos reserva o conhecimento de novas leis, que nos permitirão compreender o que para nós ainda é mistério.
Formação e propriedades do perispírito
• Item 7 •
O perispírito, ou corpo fluídico dos Espíritos, é um dos produtos mais importantes do fluido cósmico; é uma condensação desse fluido em torno de um foco de inteligência ou alma. Já vimos que também o corpo carnal tem seu princípio de origem nesse mesmo fluido condensado e transformado em matéria tangível. No perispírito, a transformação molecular se opera diferentemente, pois o fluido conserva a sua imponderabilidade e suas qualidades etéreas. O corpo perispirítico e o corpo carnal têm, pois, origem no mesmo elemento primitivo; ambos são matéria, ainda que em dois estados diferentes.
Formação e propriedades do perispírito
• Item 8 •
Os Espíritos extraem o seu perispírito do meio em que se encontram, isto é, eles formam esse envoltório a partir dos fluidos ambientes. Resulta daí que os elementos constitutivos do perispírito devem variar conforme os mundos. Sendo Júpiter considerado um planeta muito adiantado em comparação com a Terra, e como um orbe onde a vida corpórea não apresenta a materialidade da nossa, os envoltórios perispiríticos hão de ser ali de natureza muito mais quintessenciada do que aqui. Ora, assim como não poderíamos existir naquele mundo com o nosso corpo carnal, também os nossos Espíritos não poderiam nele penetrar com o perispírito terrestre que os envolve. Deixando a Terra, o Espírito aí abandona o seu envoltório fluídico e toma outro apropriado ao mundo onde vai habitar.
Formação e propriedades do perispírito
• Item 9 •
A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de adiantamento moral do Espírito. Os Espíritos inferiores não podem mudar de envoltório a seu bel-prazer e, por conseguinte, não podem passar, à vontade, de um mundo para outro. O envoltório fluídico de alguns deles, se bem que etéreo e imponderável com relação à matéria tangível, é ainda pesado demais, se assim nos podemos exprimir, com relação ao mundo espiritual, para não permitir que eles saiam do meio que lhes é próprio. Nessa categoria se devem incluir aqueles cujo perispírito é tão grosseiro que eles o confundem com o corpo carnal, razão pela qual acreditam-se vivos. Esses Espíritos, cujo número é considerável, permanecem na superfície da Terra, como os encarnados, julgando-se entregues às suas ocupações terrenas. Outros, um pouco mais desmaterializados, não o são, contudo, suficientemente, para se elevarem acima das regiões terrestres. [2]
Os Espíritos superiores, ao contrário, podem vir aos mundos inferiores e, até, encarnar neles. Tiram, dos elementos constitutivos do mundo onde entram, os materiais para a formação do envoltório fluídico ou carnal apropriado ao meio em que se encontram. Fazem como o príncipe que despe temporariamente suas vestes para envergar os trajes plebeus, sem deixar por isso de ser nobre.
. assim que os Espíritos da categoria mais elevada podem manifestar-se aos habitantes da Terra ou encarnar em missão entre estes. Tais Espíritos trazem consigo, não o envoltório, mas a lembrança intuitiva das regiões de onde vieram e que veem em pensamento. São videntes entre cegos.
Formação e propriedades do perispírito
• Item 10 •
A camada de fluidos espirituais que envolvem a Terra pode ser comparada às camadas inferiores da atmosfera, mais pesadas, mais compactas, menos puras do que as camadas superiores. Esses fluidos não são homogêneos; são uma mistura de moléculas de diversas qualidades, entre as quais necessariamente se encontram as moléculas elementares que lhes formam a base, porém mais ou menos alteradas. Os efeitos que esses fluidos produzem estarão na razão da soma das partes puras que eles encerram. Tal, por comparação, o álcool retificado, ou misturado, em diferentes proporções, com a água ou outras substâncias: seu peso específico aumenta, por efeito dessa mistura, enquanto sua força e sua inflamabilidade diminuem, embora no todo continue a haver álcool puro.
Os Espíritos chamados a viver naquele meio tiram dele seus perispíritos; porém, conforme o Espírito seja mais ou menos depurado, seu perispírito se formará das partes mais puras ou das mais grosseiras do fluido peculiar ao mundo onde ele encarna. O Espírito produz aí, sempre por comparação e não por assimilação, o efeito de um reativo químico que atrai a si as moléculas que a sua natureza pode assimilar.
Resulta disso esse fato capital: a constituição íntima do perispírito não é idêntica em todos os Espíritos encarnados ou desencarnados que povoam a Terra ou o espaço que a circunda. O mesmo já não se dá com o corpo carnal, que, como foi demonstrado, se forma dos mesmos elementos, qualquer que seja a superioridade ou a inferioridade do Espírito. Por isso, em todos, o corpo produz os mesmos efeitos, as necessidades são semelhantes, ao passo que diferem em tudo o que respeita ao perispírito.
Também resulta que: o envoltório perispirítico de um Espírito se modifica com o progresso moral que este realiza em cada encarnação, embora ele encarne no mesmo meio; que os Espíritos superiores, encarnando excepcionalmente, em missão, num mundo inferior, têm perispírito menos grosseiro do que o dos naturais desse mundo.
Formação e propriedades do perispírito
• Item 11 •
O meio está sempre em relação com a natureza dos seres que nele têm de viver: os peixes, na água; os seres terrestres, no ar; os seres espirituais, no fluido espiritual ou etéreo, mesmo que estejam na Terra. O fluido etéreo está para as necessidades do Espírito, como a atmosfera está para as necessidades dos encarnados. Ora, do mesmo modo que os peixes não podem viver no ar; que os animais terrestres não podem viver numa atmosfera muito rarefeita para seus pulmões, os Espíritos inferiores não podem suportar o brilho e a impressão dos fluidos mais etéreos. Não morreriam no meio desses fluidos, porque o Espírito não morre, mas uma força instintiva os mantém afastados dali, como a criatura terrena se afasta de um fogo muito ardente ou de uma luz muito deslumbrante. Eis por que não podem sair do meio que lhes é peculiar à natureza; para mudarem de meio, precisam antes mudar de natureza, despojar-se dos instintos materiais que os retêm nos meios materiais; numa palavra, que se depurem e se transformem moralmente. Então, gradualmente se identificam com um meio mais depurado que se lhes torna uma necessidade, como os olhos, para quem viveu longo tempo nas trevas, insensivelmente se habituam à luz do dia e ao fulgor do Sol.
Formação e propriedades do perispírito
• Item 12 •
Assim, tudo no Universo se liga, tudo se encadeia; tudo se acha submetido à grande e harmoniosa lei de unidade, desde a mais compacta materialidade até a mais pura espiritualidade. A Terra é como um vaso de onde se escapa uma fumaça densa que vai clareando à medida que se eleva e cujas parcelas rarefeitas se perdem no espaço infinito.
A potência divina refulge em todas as partes desse grandioso conjunto e, no entanto, pretende-se que Deus, não contente com o que já fez, venha perturbar essa harmonia! Que se rebaixe ao papel de mágico, produzindo efeitos pueris, dignos de um prestidigitador! E, como se não bastasse, ousam lhe dar, como rival em habilidade, o próprio Satanás! Não haveria modo de amesquinhar mais a majestade divina e admiram-se de que a incredulidade progrida.
!endes razão de dizer: “A fé vai-se!”. Mas a que se vai é a fé em tudo o que choca o bom-senso e a razão; a mesma fé à que outrora levava a dizerem: “Vão-se os deuses!”. Mas a fé nas coisas sérias, a fé em Deus e na imortalidade está sempre viva no coração do homem e, por mais sufocada que tenha sido sob o amontoado de histórias pueris com que a oprimiram, ela se reerguerá mais forte, desde que se sinta libertada, tal como a planta que, comprimida, se levanta de novo, logo que a banham os raios do sol.
!im, tudo é milagre na Natureza, porque tudo é admirável e dá testemunho da sabedoria divina! Esses milagres são visíveis a toda a gente, a todos os que têm olhos de ver e ouvidos de ouvir e não em proveito apenas de alguns. Não! Não há milagres no sentido que comumente atribuem a essa palavra, porque tudo decorre das leis eternas da Criação, e essas leis são perfeitas.
Ação dos Espíritos sobre os fluidos. Criações fluídicas. Fotografia do pensamento
Formação e propriedades do perispírito
• Item 13 •
Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados do fluido cósmico universal, são, a bem dizer, a atmosfera dos seres espirituais; o elemento de onde eles tiram os materiais sobre os quais operam; o meio onde ocorrem os fenômenos especiais perceptíveis à visão e à audição do Espírito, mas que escapam aos sentidos carnais, impressionáveis somente pela matéria tangível; o meio onde se forma a luz peculiar ao mundo espiritual, diferente da luz comum, pela causa e pelos efeitos; finalmente, o veículo do pensamento, como o ar é o veículo do som.
Formação e propriedades do perispírito
• Item 14 •
Os Espíritos atuam sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas empregando o pensamento e a vontade. Para os Espíritos, o pensamento e a vontade são o que é a mão para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual direção, os aglomeram, combinam ou dispersam, organizando com eles conjuntos que apresentam uma aparência, uma forma, uma coloração determinadas; mudam-lhes as propriedades, como um químico muda a dos gases ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.
Algumas vezes, essas transformações resultam de uma intenção; de outras, são produto de um pensamento inconsciente. Basta que o Espírito pense uma coisa para que esta se produza, como basta que module uma ária para que esta repercuta na atmosfera.
. assim, por exemplo, que um Espírito se torna visível a um encarnado que possua vista psíquica, sob as aparências que tinha quando vivo na época em que o segundo o conheceu, embora ele haja tido, depois dessa época, muitas encarnações. Apresenta-se com o vestuário, os sinais exteriores – enfermidades, cicatrizes, membros amputados etc. – que tinha então. Um decapitado se apresentará sem a cabeça, o que não significa de modo algum que haja conservado essa aparência. Certamente, como Espírito, ele não é coxo, nem maneta, nem zarolho, nem decapitado; o que ocorre é que, retrocedendo o seu pensamento à época em que tinha tais efeitos, seu perispírito lhes toma instantaneamente as aparências, que deixam de existir logo que o mesmo pensamento cessa de agir naquele sentido. Se, pois, de uma vez ele foi negro, e branco de outra, apresentar-se-á como branco ou negro, conforme a encarnação a que se refira a sua evocação e à que se transporte o seu pensamento.
Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que ele estava habituado a usar. Um avarento manuseará ouro; um militar trará suas armas e seu uniforme; um fumante, o seu cachimbo; um lavrador, o seu arado e seus bois; uma mulher velha, a sua roca. Para o Espírito, que também é fluídico, esses objetos fluídicos são tão reais como eram antes, no estado material, para o homem vivo; mas, em virtude de serem criações do pensamento, a existência deles é tão fugaz quanto o próprio pensamento que os gerou. [3]
Formação e propriedades do perispírito
• Item 15 •
Sendo os fluidos o veículo do pensamento, este atua sobre os fluidos como o som sobre o ar; eles nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som. Pode-se, pois, dizer, sem receio de errar, que há, nesses fluidos, ondas e raios de pensamentos, que se cruzam sem se confundirem, como há no ar ondas e vibrações sonoras.
Há mais: criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no envoltório perispirítico, como num espelho; toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa. Tenha um homem, por exemplo, a ideia de matar a outro; por mais impassível que se conserve o seu corpo material, seu corpo fluídico é posto em ação pelo pensamento e reproduz todas as sutilezas deste último; executa fluidicamente o gesto, o ato que desejou praticar. O pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira é pintada, como num quadro, tal qual se lhe desenrola no espírito.
. assim que os mais secretos movimentos da alma repercutem no envoltório fluídico; que uma alma pode ler em outra alma como num livro e ver o que não é perceptível aos olhos do corpo. Contudo, vendo a intenção, ela pode pressentir a execução do ato que lhe será a consequência, mas não pode determinar o instante em que o mesmo ato será executado, nem precisar seus detalhes, nem, ainda, afirmar que ele ocorra, porque circunstâncias ulteriores poderão modificar os planos e mudar as disposições. Ela não pode ver o que ainda não esteja no pensamento do outro; o que vê é a preocupação habitual do indivíduo, seus desejos, seus projetos, seus desígnios bons ou maus.
Qualidades dos fluidos
• Item 16 •
A ação dos Espíritos sobre os fluidos espirituais tem consequências de importância capital e direta para os encarnados. Sendo esses fluidos o veículo do pensamento e podendo este lhes modificar as propriedades, é evidente que eles devem achar-se impregnados das qualidades boas ou más dos pensamentos que os fazem vibrar, modificando-se pela pureza ou impureza dos sentimentos. Os maus pensamentos corrompem os fluidos espirituais, como os miasmas deletérios corrompem o ar respirável. Os fluidos que envolvem os Espíritos maus, ou que estes projetam, são, portanto, viciados, ao passo que os que recebem a influência dos Espíritos bons são tão puros quanto o comporta o grau da perfeição moral destes.
Qualidades dos fluidos
• Item 17 •
Seria impossível fazer-se uma enumeração ou classificação dos fluidos bons e maus, ou especificar as suas qualidades respectivas, considerando-se que a diversidade deles é tão grande quanto a dos pensamentos.
Os fluidos não possuem qualidades sui generis, mas as que adquirem no meio onde se elaboram; modificam-se pelos eflúvios desse meio, como o ar pelas exalações, a água pelos sais das camadas que atravessa. Conforme as circunstâncias, suas qualidades são, como as da água e do ar, temporárias ou permanentes, o que os torna especialmente apropriados à produção de tais ou tais efeitos.
Os fluidos também não possuem denominações especiais. Como os odores, eles são designados pelas suas propriedades, seus efeitos e tipos originais. Sob o ponto de vista moral, trazem a marca dos sentimentos de ódio, de inveja, de ciúme, de orgulho, de egoísmo, de violência, de hipocrisia, de bondade, de benevolência, de amor, de caridade, de doçura etc. Sob o aspecto físico, eles são excitantes, calmantes, penetrantes, adstringentes, irritantes, dulcificantes, soporíficos, narcóticos, tóxicos, reparadores, expulsivos; tornam-se força de transmissão, de propulsão, etc. O quadro dos fluidos seria, pois, o de todas as paixões, das virtudes e dos vícios da Humanidade e das propriedades da matéria, correspondentes aos efeitos que eles produzem.
Qualidades dos fluidos
• Item 18 •
Sendo apenas Espíritos encarnados, os homens têm uma parcela da vida espiritual, visto que vivem dessa vida tanto quanto da vida corpórea; primeiramente durante o sono e, muitas vezes, no estado de vigília. Ao encarnar, o Espírito conserva o seu perispírito, com as qualidades que lhe são próprias, e que, como se sabe, não fica circunscrito pelo corpo, mas irradia à sua volta e o envolve como que de uma atmosfera fluídica.
Pela sua união íntima com o corpo, o perispírito desempenha um papel preponderante no organismo. Pela sua expansão, põe o Espírito encarnado em relação mais direta com os Espíritos livres e também com os Espíritos encarnados.
O pensamento do encarnado atua sobre os fluidos espirituais, como o dos desencarnados, e se transmite de Espírito a Espírito pelas mesmas vias; conforme seja bom ou mau, saneia ou vicia os fluidos ambientes.
Uma vez que os fluidos ambientes são modificados pela projeção dos pensamentos do Espírito, seu envoltório perispirítico, que é parte constituinte do seu ser e que recebe de modo direto e permanente a impressão de seus pensamentos, deve, com mais forte razão, guardar as marcas de suas qualidades boas ou más. Os fluidos viciados pelos eflúvios dos Espíritos maus podem depurar-se pelo afastamento destes, cujos perispíritos, porém, serão sempre os mesmos, enquanto o Espírito não se modificar por si próprio.
Sendo o perispírito dos encarnados de natureza idêntica à dos fluidos espirituais, ele os assimila com facilidade, qual se fora uma esponja a embeber-se de um líquido. Esses fluidos exercem sobre o perispírito uma ação tanto mais direta quanto, por sua expansão e irradiação, o perispírito acaba se confundindo com eles.
Os fluidos espirituais atuam sobre o perispírito e este, por sua vez, reage sobre o organismo material com que se acha em contato molecular. Se os eflúvios são de boa natureza, o corpo ressente uma impressão salutar; se forem maus, a impressão será penosa. Se os eflúvios maus forem permanentes e enérgicos, poderão ocasionar desordens físicas; certas enfermidades não têm outra causa.
Os meios onde predominam os Espíritos maus são, pois, impregnados de fluidos deletérios que o encarnado absorve pelos poros perispiríticos, como absorve pelos poros do corpo os miasmas pestilenciais.
Qualidades dos fluidos
• Item 19 •
Assim se explicam os efeitos que se produzem nos lugares de reunião. Uma assembleia é um foco de irradiação de pensamentos diversos. É como uma orquestra, um coro de pensamentos, onde cada um emite uma nota. Resulta daí uma multiplicidade de correntes e de eflúvios fluídicos cuja impressão cada um recebe pelo sentido espiritual, como num coro musical cada um recebe a impressão dos sons pelo sentido da audição.
Mas do mesmo modo que há irradiações sonoras, harmônicas ou dissonantes, também há pensamentos harmônicos ou discordantes. Se o conjunto é harmonioso, a impressão é agradável; se for discordante, a impressão será penosa. Ora, para isso não é necessário que o pensamento se exteriorize por palavras; quer ele se externe, quer não, a irradiação existe sempre.
Tal é a causa da satisfação que se experimenta numa reunião simpática, animada de pensamentos bons e benévolos, na qual reina uma saudável atmosfera moral e se respira à vontade; sai-se reconfortado dali, porque impregnado de salutares eflúvios fluídicos. Basta, porém, que se misturem aí alguns pensamentos malévolos, para produzirem o efeito de uma corrente de ar gelado num meio tépido ou o de uma nota desafinada num concerto. Desse modo também se explica a ansiedade, o indefinível mal-estar que se experimenta numa reunião antipática, na qual pensamentos malévolos provocam correntes de fluido repugnante.
Qualidades dos fluidos
• Item 20 •
O pensamento produz, pois, uma espécie de efeito físico que reage sobre o moral, fato este que só o Espiritismo podia tornar compreensível. O homem o sente instintivamente, visto que procura as reuniões homogêneas e simpáticas, nas quais sabe que pode haurir novas forças morais. Pode-se mesmo dizer que em tais reuniões ele recupera as perdas fluídicas que sofre todos os dias pela irradiação do pensamento, como recupera, por meio dos alimentos, as perdas do corpo material. É que, com efeito, o pensamento é uma emissão que ocasiona uma perda real de fluidos espirituais e, por conseguinte, de fluidos materiais, de maneira tal que o homem precisa retemperar-se com os eflúvios que recebe do exterior.
Quando se diz que um médico cura um doente por meio de boas palavras, enuncia-se uma verdade absoluta, porque um pensamento bondoso traz consigo fluidos reparadores que atuam sobre o físico, tanto quanto sobre o moral.
Qualidades dos fluidos
• Item 21 •
Dir-se-á que se podem evitar os homens sabidamente mal-intencionados. Sim, certamente; mas como fugiremos à influência dos Espíritos maus que pululam à nossa volta e, sem serem vistos, se insinuam por toda parte.
? meio é muito simples, porque depende da vontade do próprio homem, que traz consigo o necessário preservativo. Os fluidos se combinam pela semelhança de suas naturezas; os dessemelhantes se repelem; há incompatibilidade entre os fluidos bons e os maus, como entre o óleo e a água.
O que se faz quando o ar está viciado? Procede-se ao seu saneamento, cuida-se de depurá-lo, destruindo o foco dos miasmas, expelindo os eflúvios malsãos, por meio de correntes mais fortes de ar salubre. Contra a invasão dos fluidos maus é preciso que se oponham os fluidos bons e, como cada um tem no seu próprio perispírito uma fonte fluídica permanente, todos trazem consigo o remédio indispensável. Trata-se apenas de depurar essa fonte e de lhe dar qualidades tais que se constitua para as más influências um repulsor, em vez de ser uma força atrativa. O perispírito, portanto, é uma couraça a que se deve dar a melhor têmpera possível. Ora, como as suas qualidades guardam relação direta com as qualidades da alma, é preciso trabalhar pela sua melhoria, visto que são as imperfeições da alma que atraem os Espíritos maus.
As moscas são atraídas pelos focos de corrupção; destruídos esses focos, elas desaparecerão. Dá-se a mesma coisa com os Espíritos maus, que vão para onde o mal os atrai; eliminado o mal, eles se afastarão. Os Espíritos realmente bons, encarnados ou desencarnados, nada têm que temer da influência dos maus.
Vista espiritual ou psíquica. Dupla vista. [4] Sonambulismo. Sonhos
• Item 22 •
O perispírito é o traço de união entre a vida corpórea e a vida espiritual. É por seu intermédio que o Espírito encarnado se acha em relação contínua com os desencarnados; é, em suma, com o auxílio dele que se operam no homem fenômenos especiais, cuja causa fundamental não se encontra na matéria tangível e que, por essa razão, parecem sobrenaturais.
. nas propriedades e nas irradiações do fluido perispirítico que se deve buscar a causa da dupla vista, ou vista espiritual, a que também se pode chamar vista psíquica, da qual muitas pessoas são dotadas, quase sempre sem o saberem, assim como a vista sonambúlica.
O perispírito é o órgão sensitivo do Espírito. É por seu intermédio que o Espírito encarnado percebe as coisas espirituais que escapam aos sentidos carnais. Pelos órgãos do corpo, a visão, a audição e as diversas sensações são localizadas e limitadas à percepção das coisas materiais; pelo sentido espiritual, ou psíquico, elas são generalizadas: o Espírito vê, ouve e sente, por todo o seu ser, tudo o que se encontra na esfera de irradiação do seu fluido perispirítico.
No homem, tais fenômenos constituem a manifestação da vida espiritual; é a alma a agir fora do organismo. Na dupla vista ou percepção pelo sentido psíquico, ele não vê com os olhos do corpo, embora, muitas vezes, por hábito, dirija o olhar para o ponto que lhe chama a atenção. Vê com os olhos da alma, e a prova disto é que vê perfeitamente bem com os olhos fechados e vê o que está muito além do seu campo visual. Lê o pensamento figurado no raio fluídico. (Item 15.) [5]
Vista espiritual ou psíquica. Dupla vista. [4] Sonambulismo. Sonhos
• Item 23 •
Embora, durante a vida, o Espírito se encontre preso ao corpo pelo perispírito, não se acha tão escravizado a ponto de não poder alongar a cadeia que o prende e transportar-se a um ponto distante, seja na Terra ou no espaço. Só a contragosto o Espírito permanece ligado ao corpo, porque a sua vida normal é a de liberdade, ao passo que a vida corpórea é a do servo preso à gleba.
O Espírito, portanto, sente-se feliz em deixar o corpo, como o pássaro ao deixar a gaiola; aproveita todas as ocasiões para dele se libertar, todos os instantes em que a sua presença não é necessária à vida de relação. É o fenômeno designado como emancipação da alma, o qual se produz sempre durante o sono. Toda vez que o corpo repousa e que os sentidos ficam inativos, o Espírito se desprende. (O Livro dos Espíritos, Livro II, cap. VIII.)
Nesses momentos o Espírito vive da vida espiritual, enquanto o corpo vive apenas da vida vegetativa; acha-se, em parte, no estado em que se encontrará após a morte; percorre o espaço, conversa com os amigos e com outros Espíritos, livres ou encarnados como ele.
O laço fluídico que o prende ao corpo só se rompe definitivamente por ocasião da morte; a separação completa somente se dá por efeito da extinção absoluta da atividade do princípio vital. Enquanto o corpo vive, o Espírito, a qualquer distância que esteja, é instantaneamente chamado à sua prisão, desde que a sua presença aí se torne necessária. Ele, então, retoma o curso da vida exterior de relação. Por vezes, ao despertar, conserva uma lembrança das suas peregrinações, uma imagem mais ou menos precisa, que constitui o sonho; ou, pelo menos, traz delas intuições que lhe sugerem ideias e pensamentos novos, justificando plenamente o provérbio: A noite é boa conselheira.
Assim se explicam igualmente certos fenômenos característicos do sonambulismo natural e magnético, da catalepsia, da letargia, do êxtase etc., e que nada mais são do que manifestações da vida espiritual. [6]
Vista espiritual ou psíquica. Dupla vista. [4] Sonambulismo. Sonhos
• Item 24 •
Considerando-se que a visão espiritual não se opera por meio dos olhos do corpo, segue-se que a percepção das coisas não se verifica mediante a luz ordinária: de fato, a luz material é feita para o mundo material; para o mundo espiritual existe uma luz especial cuja natureza desconhecemos, porém que é, sem dúvida, uma das propriedades do fluido etéreo, adequada às percepções visuais da alma. Há, portanto, luz material e luz espiritual. A primeira emana de focos circunscritos aos corpos luminosos; a segunda tem o seu foco em toda parte, sendo esta a razão por que não há obstáculo para a visão espiritual; esta não é embaraçada nem pela distância, nem pela opacidade da matéria, não existindo para ela a obscuridade. O mundo espiritual é, pois, iluminado pela luz espiritual, que tem seus efeitos próprios, como o mundo material é iluminado pela luz solar.
Vista espiritual ou psíquica. Dupla vista. [4] Sonambulismo. Sonhos
• Item 25 •
Assim, envolta no seu perispírito, a alma traz consigo o seu princípio luminoso. Penetrando a matéria em virtude da sua essência etérea, não há corpos opacos para a sua visão. Entretanto, a vista espiritual não tem a mesma extensão, nem a mesma penetração em todos os Espíritos. Somente os Espíritos puros a possuem em toda a sua pujança. Nos inferiores ela se acha enfraquecida pela relativa grosseria do perispírito, que se lhe interpõe como se fora uma espécie de nevoeiro.
Ela se manifesta em diferentes graus, nos Espíritos encarnados, pelo fenômeno da segunda vista, tanto no sonambulismo natural ou magnético, quanto no estado de vigília. Conforme o grau de poder da faculdade, diz-se que a lucidez é maior ou menor. É com o auxílio dessa faculdade que certas pessoas veem o interior do organismo humano e descrevem as causas das doenças.
Vista espiritual ou psíquica. Dupla vista. [4] Sonambulismo. Sonhos
• Item 26 •
A vista espiritual, portanto, faculta percepções especiais que, não tendo por sede os órgãos materiais, se operam em condições muito diversas das que decorrem da vida corpórea. Por esta razão, não se podem esperar efeitos idênticos, nem experimentá-la pelos mesmos processos. Efetuando-se fora do organismo, ela tem uma mobilidade que frustra todas as previsões. Deve ser estudada em seus efeitos e em suas causas e não por assimilação com a vista ordinária, que ela não se destina a suprir, salvo casos excepcionais, que não se poderiam tomar como regra.
Vista espiritual ou psíquica. Dupla vista. [4] Sonambulismo. Sonhos
• Item 27 •
Nos Espíritos encarnados, a vista espiritual é necessariamente incompleta e imperfeita e, por conseguinte, sujeita a aberrações. Tendo por sede a própria alma, o estado desta há de influir nas percepções que aquela vista faculte. Conforme o grau de desenvolvimento, as circunstâncias e o estado moral do indivíduo, ela pode dar, quer durante o sono, quer no estado de vigília: 1º a percepção de certos fatos materiais e reais, como o conhecimento de alguns eventos que se passam a grande distância, os detalhes descritivos de uma localidade, as causas de uma doença e os remédios adequados para o seu tratamento; 2º a percepção de coisas igualmente reais do mundo espiritual, como a presença dos Espíritos; 3º imagens fantásticas criadas pela imaginação, análogas às criações fluídicas do pensamento. (Veja-se, acima, o item 14.) Estas criações se acham sempre em relação com as disposições morais do Espírito que as gera. É assim que o pensamento de pessoas fortemente imbuídas de certas crenças religiosas e com elas preocupadas lhes apresenta o inferno, suas fornalhas, suas torturas e seus demônios, tais quais essas pessoas os imaginam. Às vezes, é toda uma epopeia. Os pagãos viam o Olimpo e o Tártaro, como os cristãos veem o inferno e o paraíso. Se, ao despertarem ou saírem do êxtase, conservam lembrança exata de suas visões, tais pessoas as tomam como realidades confirmativas de suas crenças, quando tudo não passa de produto de seus próprios pensamentos. [7] É preciso, pois, que se faça uma distinção muito rigorosa nas visões extáticas, antes de se dar crédito a elas. A tal propósito, o remédio para a excessiva credulidade é o estudo das leis que regem o mundo espiritual.
Vista espiritual ou psíquica. Dupla vista. [4] Sonambulismo. Sonhos
• Item 28 •
Os sonhos propriamente ditos apresentam as três características das visões acima descritas. Às duas primeiras categorias dessas visões pertencem os sonhos de previsões, pressentimentos e avisos. [8] Na terceira, isto é, nas criações fluídicas do pensamento, é que se pode encontrar a causa de certas imagens fantásticas, que nada têm de real, com relação à vida material, mas que têm, para o Espírito, uma realidade tal, que o corpo lhe sente o contrachoque, havendo casos em que os cabelos embranquecem sob a impressão de um sonho. Essas criações podem ser provocadas: pela exaltação das crenças; pelas lembranças retrospectivas; por gostos, desejos, paixões, temor, remorsos; pelas preocupações habituais; pelas necessidades do corpo, ou por um incômodo qualquer nas funções do organismo; finalmente, por outros Espíritos, com objetivo benévolo ou maléfico, conforme a sua natureza. [9]
Catalepsia. Ressurreições
• Item 29 •
A matéria inerte é insensível; o fluido perispirítico o é igualmente, mas transmite a sensação ao centro sensitivo, que é o Espírito. As lesões dolorosas do corpo repercutem, pois, no Espírito, qual choque elétrico, por intermédio do fluido perispirítico, que parece ter nos nervos os seus fios condutores. É o influxo nervoso dos fisiologistas que, desconhecendo as relações desse fluido com o princípio espiritual, ainda não puderam achar explicação para todos os efeitos.
Esta interrupção pode ocorrer pela amputação de um membro ou pela secção de um nervo, mas também, parcialmente ou de maneira geral e sem nenhuma lesão, nos momentos de emancipação, de grande superexcitação ou preocupação do Espírito. Nesse estado, o Espírito não pensa no corpo e, em sua febril atividade, atrai a si, a bem dizer, o fluido perispirítico que, retirando-se da superfície, produz aí uma insensibilidade momentânea. Poder-se-ia também admitir que, em certas circunstâncias, se opera uma modificação molecular no próprio fluido perispirítico, que lhe tira temporariamente a propriedade de transmissão. É por isso que, muitas vezes, no ardor do combate, um militar não percebe que está ferido; que uma pessoa, cuja atenção se acha concentrada num trabalho, não ouve o ruído que fazem à sua volta. Efeito análogo, porém mais pronunciado, ocorre com alguns sonâmbulos na letargia e na catalepsia. Finalmente, do mesmo modo também se pode explicar a insensibilidade dos convulsionários e de certos mártires. (Revista Espírita, janeiro de 1868: “Os Aïssaouas, ou os convulsionários da Rua le Peletier”.)
A paralisia já não tem absolutamente a mesma causa: aí o efeito é todo orgânico; são os próprios nervos, os fios condutores que se tornam inaptos à circulação fluídica; são as cordas do instrumento que se alteraram.
Catalepsia. Ressurreições
• Item 30 •
Em certos estados patológicos, em que o Espírito deixou o corpo e o perispírito só se acha aderido a ele por meio de alguns pontos, o corpo apresenta todas as aparências da morte, de sorte que se enuncia uma verdade absoluta, dizendo que a vida aí está por um fio. Tal estado pode durar mais ou menos tempo, podendo mesmo certas partes do corpo entrar em decomposição, sem que, no entanto, a vida se ache definitivamente extinta. Enquanto não se haja rompido o último fio, o Espírito pode, quer por uma ação enérgica da sua própria vontade, quer por um influxo fluídico estranho, igualmente forte, ser chamado de volta ao corpo. É como se explicam certos fatos de prolongamento da vida contra todas as probabilidades e algumas supostas ressurreições. É a planta a renascer, como às vezes acontece, de uma só fibrila da raiz. Quando, porém, as últimas moléculas do corpo fluídico já se destacaram do corpo carnal ou quando este último já chegou a um estado irreparável de degradação, o regresso à vida se torna impossível. [10]
Curas
• Item 31 •
Como já vimos, o fluido universal é o elemento primitivo do corpo carnal e do perispírito, os quais são simples transformações dele. Pela identidade da sua natureza, esse fluido, condensado no perispírito, pode oferecer princípios reparadores ao corpo; o Espírito, encarnado ou desencarnado, é o agente propulsor que infiltra num corpo deteriorado uma parte da substância do seu envoltório fluídico. A cura se opera mediante a substituição de uma molécula malsã por uma molécula sã. O poder curativo estará, pois, na razão direta da pureza da substância inoculada; mas depende, também, da energia da vontade, que provoca uma emissão fluídica mais abundante e dá ao fluido maior força de penetração. Depende ainda das intenções daquele que deseje realizar a cura, seja homem ou Espírito. Os fluidos que emanam de uma fonte impura são quais substâncias medicamentosas alteradas.
Curas
• Item 32 •
Os efeitos da ação fluídica sobre os doentes são extremamente variados, de acordo com as circunstâncias. Algumas vezes é lenta e reclama tratamento prolongado, como no magnetismo ordinário; de outras vezes é rápida, como uma corrente elétrica. Há pessoas dotadas de tal poder, que operam curas instantâneas em alguns doentes, por meio apenas da imposição das mãos ou até, exclusivamente, por ato da vontade. Entre os dois polos extremos dessa faculdade, há infinitas gradações. Todas as curas desse gênero são variedades do magnetismo e só diferem pela intensidade e pela rapidez da ação. O princípio é sempre o mesmo: o fluido, a desempenhar o papel de agente terapêutico e cujo efeito se acha subordinado à sua qualidade e a circunstâncias especiais.
Curas
• Item 33 •
A ação magnética pode produzir-se de muitas maneiras:
1º) Pelo próprio fluido do magnetizador; é o magnetismo propriamente dito, ou magnetismo humano, cuja ação se acha subordinada à força e, sobretudo, à qualidade do fluido;
2º) Pelo fluido dos Espíritos, atuando diretamente e sem intermediário sobre um encarnado, seja para o curar ou acalmar um sofrimento, seja para provocar o sono sonambúlico espontâneo, seja para exercer sobre o indivíduo uma influência física ou moral qualquer. É o magnetismo espiritual cuja qualidade está na razão direta das qualidades do Espírito. [11]
3º) Pelos fluidos que os Espíritos derramam sobre o magnetizador, ao qual este serve de condutor. É o magnetismo misto, semiespiritual, ou, se o preferirem, humano-espiritual. Combinado com o fluido humano, o fluido espiritual lhe imprime qualidades que lhe faltam. Em tais circunstâncias, o concurso dos Espíritos é, algumas vezes, espontâneo, porém é provocado, com mais frequência, por um apelo do magnetizador.
Curas
• Item 34 •
A faculdade de curar pela influência fluídica é muito comum e pode desenvolver-se pelo exercício; mas a de curar instantaneamente pela imposição das mãos é mais rara e o seu apogeu pode ser considerado excepcional. No entanto, em épocas diversas e no seio de quase todos os povos, surgiram indivíduos que a possuíram em grau eminente. Nestes últimos tempos, apareceram muitos exemplos notáveis, cuja autenticidade não sofre contestação. Uma vez que as curas desse gênero repousam num princípio natural e que o poder de operá-las não constitui privilégio, o que se segue é que elas não se operam fora da Natureza e que só são miraculosas na aparência. [12]
Aparições. Transfigurações
• Item 35 •
No seu estado normal, o perispírito é invisível para nós; como, porém, é formado de matéria etérea, o Espírito pode, em certos casos, por ato da sua vontade, fazê-lo passar por uma modificação molecular que o torna momentaneamente visível. É assim que se produzem as aparições, que não se dão, do mesmo modo que os outros fenômenos, fora das Leis da Natureza. Nada tem esse de mais extraordinário do que o do vapor que, invisível quando muito rarefeito, se torna visível quando condensado.
Conforme o grau de condensação do fluido perispirítico, a aparição é às vezes vaga e vaporosa; de outras vezes, mais claramente definida; de outras, enfim, tem todas as aparências da matéria tangível. Pode mesmo chegar até a tangibilidade real, a ponto de o observador se enganar sobre a natureza do ser que tem diante de si.
As aparições vaporosas são frequentes, sendo a forma sob a qual se apresentam muitos indivíduos, depois de terem morrido, às pessoas que lhes são afeiçoadas. As aparições tangíveis são mais raras, se bem haja delas numerosos exemplos, perfeitamente autenticados. Se o Espírito quer dar-se a conhecer, imprimirá ao seu envoltório todos os sinais exteriores que tinha quando vivo. [13]
Aparições. Transfigurações
• Item 36 •
É de notar-se que as aparições tangíveis só têm da matéria carnal as aparências, sem, contudo, terem as suas qualidades. Em virtude da natureza fluídica que as caracteriza, não podem ter a mesma coesão da matéria, porque, na realidade, elas não possuem carne. Formam-se instantaneamente e desaparecem do mesmo modo ou se evaporam pela desagregação das moléculas fluídicas. [14] Os seres que se apresentam nessas condições não nascem nem morrem como os outros homens. São vistos e deixam de ser vistos, sem que se saiba de onde vêm, como vieram, nem para onde vão. Ninguém os poderia matar, nem prender, nem encarcerar, visto que não têm corpo carnal. Os golpes que porventura se lhes desferissem atingiriam somente o vácuo.
Tal o caráter dos agêneres, com os quais se pode conversar e trocar ideias, sem suspeitar da sua natureza, mas que não demoram longo tempo entre os homens e não podem tornar-se comensais de uma casa, nem figurar entre os membros de uma família. [15]
Além disso, os agêneres denotam sempre, em suas atitudes, qualquer coisa de estranho e de insólito que lembra ao mesmo tempo a materialidade e a espiritualidade: neles, o olhar é simultaneamente vaporoso e penetrante, não possuindo a nitidez do olhar através dos olhos de carne; a linguagem, breve e quase sempre sentenciosa, nada tem do brilho e da volubilidade da linguagem humana; a aproximação deles causa uma sensação particular e indefinível de surpresa, que inspira uma espécie de temor, e quem com eles se põe em contato, embora os tome por indivíduos quais todos os outros, é levado a dizer involuntariamente: Ali está uma criatura singular. [16]
Aparições. Transfigurações
• Item 37 •
Como o perispírito é o mesmo, tanto nos encarnados, como nos desencarnados, um Espírito encarnado, por efeito completamente idêntico, pode, num momento de liberdade, aparecer num ponto diverso daquele em que repousa seu corpo, com os traços que lhe são habituais e com todos os sinais de sua identidade. Foi esse fenômeno, do qual se conhecem muitos casos autênticos, que levou à crença na existência dos homens duplos. [17]
Aparições. Transfigurações
• Item 38 •
Um efeito peculiar aos fenômenos dessa espécie consiste no fato de as aparições vaporosas, e mesmo tangíveis, não serem perceptíveis a toda gente, indistintamente. Os Espíritos só se mostram quando o querem e a quem também o querem. Um Espírito, pois, poderia aparecer, numa assembleia, a um ou a muitos dos presentes e não ser visto pelos demais. Isso acontece porque as percepções desse gênero se efetuam por meio da vista espiritual, e não por intermédio da vista carnal, levando-se em conta que, além dessa modalidade de vista não ser dada a toda gente, pode ser retirada, se for conveniente, pela só vontade do Espírito, àquele a quem ele não queira mostrar-se, como pode dá-la momentaneamente, se julgar necessário.
A condensação do fluido perispirítico nas aparições, mesmo nos casos de tangibilidade, não tem, pois, as propriedades da matéria ordinária; a não ser assim as aparições seriam perceptíveis pelos olhos do corpo, de sorte que todas as pessoas presentes as perceberiam. [18]
Aparições. Transfigurações
• Item 39 •
Podendo o Espírito operar transformações na contextura do seu envoltório perispirítico e irradiando-se esse envoltório em torno do corpo qual atmosfera fluídica, pode produzir-se na superfície mesma do corpo um fenômeno análogo ao das aparições. A imagem do corpo real pode apagar-se mais ou menos completamente, sob a camada fluídica, e assumir outra aparência; ou, então, vistos através da camada fluídica modificada, à semelhança de um prisma, os traços primitivos podem tomar outra expressão. Se, saindo do terra a terra, o Espírito encarnado se identifica com as coisas do mundo espiritual, a expressão de um semblante feio pode tornar-se bela, radiosa e até luminosa; se, ao contrário, o Espírito é presa de paixões más, um semblante belo pode tomar um aspecto horroroso.
Assim se operam as transfigurações, que refletem sempre qualidades e sentimentos predominantes no Espírito. O fenômeno resulta, portanto, de uma transformação fluídica; é uma espécie de aparição perispirítica, que se produz sobre o próprio corpo do vivo e, algumas vezes, no momento da morte, em lugar de se produzir ao longe, como nas aparições propriamente ditas. O que distingue as aparições desse gênero é o fato de serem, geralmente, perceptíveis por todos os assistentes e com os olhos do corpo, precisamente por se basearem na matéria carnal visível, ao passo que, nas aparições puramente fluídicas, não há matéria tangível. [19]
Manifestações físicas. Mediunidade
• Item 40 •
Os fenômenos das mesas girantes e falantes, da suspensão etérea dos corpos pesados, da escrita mediúnica, tão antigos quanto o mundo, mas vulgares atualmente, facultam a explicação de alguns fenômenos análogos, aos quais, pela ignorância da lei que os rege, se atribuía caráter sobrenatural e miraculoso. Tais fenômenos repousam sobre as propriedades do fluido perispirítico, quer dos encarnados, quer dos Espíritos livres.
Manifestações físicas. Mediunidade
• Item 41 •
É por meio do seu perispírito que o Espírito atuava sobre o seu corpo vivo; é ainda por intermédio desse mesmo fluido que ele se manifesta; ao atuar sobre a matéria inerte, produz ruídos, movimentos de mesa e outros objetos, que levanta, derruba ou transporta. Esse fenômeno nada tem de surpreendente, se considerarmos que, entre nós, os mais possantes motores se encontram nos fluidos mais rarefeitos e mesmo imponderáveis, como o ar, o vapor e a eletricidade.
. igualmente com o auxílio do seu perispírito que o Espírito faz que os médiuns escrevam, falem ou desenhem. Como já não dispõem de corpo tangível para agir ostensivamente quando quer manifestar-se, ele se serve do corpo do médium, cujos órgãos toma de empréstimo, fazendo que atue como se fora seu próprio corpo, mediante o eflúvio fluídico que derrama sobre ele.
Manifestações físicas. Mediunidade
• Item 42 •
É pelo mesmo processo que o Espírito atua sobre a mesa, quer para que esta se mova, sem que o seu movimento tenha significação determinada, quer para que dê pancadas inteligentes, indicativas das letras do alfabeto, a fim de formarem palavras e frases, fenômeno designado sob o nome de tiptologia. A mesa não passa de um instrumento de que o Espírito se utiliza, como se serve do lápis para escrever, dando-lhe uma vitalidade momentânea, por meio do fluido que lhe inocula, porém absolutamente não se identifica com ela. Assim, as pessoas que, tomadas de emoção ao manifestar-se um ser que lhes é caro, abraçam a mesa, praticam um ato ridículo; é exatamente como se abraçassem a bengala de que um amigo se serve para bater no chão. Fazem a mesma coisa os que dirigem a palavra à mesa, como se o Espírito estivesse encerrado na madeira, ou como se a madeira se houvesse tornado Espírito.
Quando comunicações são transmitidas por esse meio, deve-se imaginar que o Espírito está, não na mesa, mas ao lado, tal qual se acharia se estivesse vivo e como seria visto se, nesse momento, pudesse tornar-se visível. Dá-se a mesma coisa nas comunicações pela escrita: ver-se-ia o Espírito ao lado do médium, dirigindo sua mão ou lhe transmitindo pensamentos por meio de uma corrente fluídica.
Manifestações físicas. Mediunidade
• Item 43 •
Quando a mesa se destaca do solo e flutua no espaço sem ponto de apoio, o Espírito não a ergue com a força de um braço, mas a envolve e penetra de uma espécie de atmosfera fluídica que neutraliza o efeito da gravitação, como faz o ar com os balões e os papagaios de papel. O fluido que se infiltra na mesa dá-lhe momentaneamente maior leveza específica. Quando fica pregada ao solo, ela se acha numa situação análoga à da campânula pneumática sob a qual se fez o vácuo. Não há aqui mais que simples comparações destinadas a mostrar a analogia dos efeitos e não a semelhança absoluta das causas. (O Livro dos Médiuns, Segunda parte, cap. IV.)
Compreende-se, de acordo com o que fica dito, que não há para o Espírito maior dificuldade em erguer uma pessoa do que em levantar uma mesa, em transportar um objeto de um lugar para outro, ou atirá-lo seja onde for. Todos esses fenômenos se produzem em virtude da mesma lei. [20]
Quando a mesa “persegue” alguém, não é que o Espírito corra em sua direção, visto que ele pode permanecer tranquilamente no mesmo lugar. O que acontece em tais casos é que ele dá uma impulsão à mesa, por meio de uma corrente fluídica, com o auxílio da qual ela se move a seu bel-prazer, apontando em direção à pessoa visada.
Quando as pancadas são ouvidas na mesa ou em outro lugar, não é que o Espírito esteja a bater com a mão ou com qualquer objeto. Ele apenas dirige sobre o ponto de onde vem o ruído um jato de fluido e este produz o efeito de um choque elétrico. Ele modifica o ruído, como qualquer pessoa é capaz de modificar os sons produzidos pelo ar. [21]
Manifestações físicas. Mediunidade
• Item 44 •
Um fenômeno muito frequente na mediunidade é a aptidão de certos médiuns para escrever em língua que lhes é estranha; a tratar, oralmente ou por escrito, de assuntos que estão fora do alcance da instrução que receberam. Não é raro se verem alguns que escrevem correntemente sem nunca terem aprendido a escrever; outros que compõem poesias sem jamais na vida terem sabido fazer um verso; outros que desenham, pintam, esculpem, compõem música, tocam um instrumento sem conhecerem desenho, pintura, escultura ou arte musical. É frequente o fato de um médium escrevente reproduzir com perfeição a grafia e a assinatura que os Espíritos, que por ele se comunicam, tinham quando vivos, embora jamais os houvesse conhecido.
Entretanto, esse fenômeno não é mais maravilhoso do que o de se fazer que uma criança escreva quando se conduz sua mão; pode-se, dessa maneira, conseguir que ela execute tudo o que se queira. Pode-se fazer que qualquer pessoa escreva num idioma que ela ignore, ditando-se-lhe as palavras letra a letra. Compreende-se que o mesmo se possa dar com a mediunidade, desde que se atente na maneira por que os Espíritos se comunicam com os médiuns que, para eles, não passam de instrumentos passivos. Se, porém, o médium tem o mecanismo, se venceu as dificuldades práticas, se as expressões lhe são familiares e, finalmente, se possui no cérebro os elementos daquilo que o Espírito quer fazê-lo executar, ele se acha na posição do homem que sabe ler e escrever correntemente; o trabalho se torna mais fácil e mais rápido; resta ao Espírito apenas transmitir seus pensamentos ao intérprete, para que este os reproduza pelos meios de que dispõe.
A aptidão de um médium para coisas que lhe são estranhas decorre, na maioria das vezes, dos conhecimentos que ele possuiu em outra existência e dos quais seu Espírito conservou a intuição. Se, por exemplo, ele foi poeta ou músico, encontrará mais facilidade para assimilar o pensamento poético ou musical que um Espírito queira fazê-lo expressar. A língua que ele hoje ignora pode ter-lhe sido familiar em outra existência, o que explica maior aptidão de sua parte para escrever mediunicamente nessa língua. [22]
Obsessões e possessões
• Item 45 •
Os Espíritos maus pululam em torno da Terra, em consequência da inferioridade moral de seus habitantes. A ação maléfica desses Espíritos faz parte dos flagelos com que a Humanidade se debate neste mundo. A obsessão, que é um efeito dessa ação, como as doenças e todas as tribulações da vida, deve, pois, ser considerada como provação ou expiação e aceita como tal.
A obsessão é a ação persistente que um Espírito mau exerce sobre um indivíduo. Apresenta características muito diferentes, que vão desde a simples influência moral, sem sinais exteriores perceptíveis, até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais. Ela oblitera todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade audiente e psicográfica, a obsessão se traduz pela obstinação de um Espírito em querer manifestar-se, com exclusão de todos os outros.
Obsessões e possessões
• Item 46 •
Assim como as moléstias resultam das imperfeições físicas que tornam o corpo acessível às influências perniciosas exteriores, a obsessão decorre sempre de uma imperfeição moral, que dá ascendência a um Espírito mau. A uma causa física opõe-se uma força física; a uma causa moral é preciso que se contraponha uma força moral. Para preservar o corpo das enfermidades, é preciso fortificá-lo; para garantir a alma contra a obsessão, tem-se que fortalecê-la. Daí, para o obsidiado, a necessidade de trabalhar pela sua própria melhoria, o que na maioria das vezes é suficiente para livrá-lo do obsessor, sem o socorro de pessoas estranhas. Este socorro se torna necessário quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque neste caso o paciente não raro perde a vontade e o livre-arbítrio.
Quase sempre a obsessão exprime vingança tomada por um Espírito e cuja origem frequentemente se encontra nas relações que o obsidiado manteve com o obsessor, em precedente existência.
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso, que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É daquele fluido que é preciso desembaraçá-lo. Ora, um fluido mau não pode ser eliminado por outro igualmente mau. Por meio de ação idêntica à do médium curador, nos casos de enfermidade, há que se expulsar o fluido mau com o auxílio de um fluido melhor.
Nem sempre, porém, basta esta ação mecânica; cumpre, sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso que se tenha o direito de falar com autoridade, que, entretanto, não a possui quem não tenha superioridade moral. Quanto maior esta for, tanto maior também será aquela.
Mas ainda não é tudo: para assegurar a libertação, é preciso que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus desígnios; que nele desponte o arrependimento, assim como o desejo do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com vistas à sua educação moral. Pode-se então ter a grata satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito.
A tarefa se torna mais fácil quando o obsidiado, compreendendo a sua situação, concorre para ela com a vontade e a prece. Já não se dá o mesmo quando, seduzido pelo Espírito que o domina, se ilude com relação às qualidades deste último e se compraz no erro a que é conduzido, porque, então, longe de a secundar, o obsidiado repele toda assistência. É o caso da fascinação, sempre infinitamente mais rebelde do que a mais violenta subjugação. (O Livro dos Médiuns, Segunda parte, cap. XXIII.)
Em todos os casos de obsessão, a prece é o mais poderoso auxiliar de que se dispõe para atuar contra os propósitos maléficos do Espírito obsessor.
Obsessões e possessões
• Item 47 •
Na obsessão, o Espírito atua exteriormente, com a ajuda do seu perispírito, que ele identifica com o do encarnado, ficando este enlaçado por uma espécie de teia e constrangido a agir contra a sua vontade.
Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. Por conseguinte, a possessão é sempre temporária e intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um Espírito encarnado, considerando-se que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção. (Cap. XI, item 18.)
De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito se serve dele como se fora seu próprio corpo; fala por sua boca, vê pelos seus olhos, age com seus braços, como o faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante, em que o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um desencarnado; no caso da possessão, é o desencarnado que fala e atua, de modo que, quem o haja conhecido em vida, reconhecerá sua linguagem, sua voz, os gestos e até a expressão da fisionomia.
Obsessões e possessões
• Item 48 •
Na obsessão há sempre um Espírito malfeitor. Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma do corpo de um encarnado, que voluntariamente lho empresta, como emprestaria sua roupa a outro encarnado. Isso é feito sem qualquer perturbação ou mal-estar, durante o tempo em que o Espírito encarnado se acha em liberdade, como no estado de emancipação, conservando-se este último ao lado do seu substituto para ouvi-lo.
Quando o Espírito possessor é mau, as coisas se passam de outro modo. Ele não toma moderadamente o corpo do encarnado, antes se apodera dele, se este, que é o titular, não possui bastante força moral para lhe resistir. E o faz por maldade para com este, a quem tortura e martiriza de todas as formas, indo ao extremo de tentar exterminá-lo, seja por estrangulação, seja atirando-o ao fogo ou a outros lugares perigosos. Servindo-se dos órgãos e dos membros do infeliz paciente, blasfema, injuria e maltrata os que o cercam; entrega-se a excentricidades e a atos que apresentam todas as características da loucura furiosa.
Os fatos deste gênero, posto que em diferentes graus de intensidade, são muito numerosos, e muitos casos de loucura não resultam de outra causa. Com frequência a eles se juntam desordens patológicas, que são meras consequências e contra as quais nada adiantam os tratamentos médicos, enquanto subsiste a causa originária. O Espiritismo, dando a conhecer essa fonte de onde provém uma parte das misérias humanas, indica o remédio a ser aplicado: atuar sobre o autor do mal que, sendo um ser inteligente, deve ser tratado por meio da inteligência. [23]
Obsessões e possessões
• Item 49 •
Na maioria das vezes, a obsessão e a possessão são individuais, mas, não raro, são epidêmicas. Quando uma revoada de Espíritos maus se lança sobre uma localidade, é como se uma tropa de inimigos a invadisse. Nesse caso, o número dos indivíduos atacados pode ser bastante considerável. [24]
[1]N. de A. K.: A denominação de fenômeno psíquico exprime com mais exatidão o pensamento do que a de fenômeno espiritual, considerando-se que esses fenômenos repousam sobre as propriedades e os atributos da alma, ou melhor, dos fluidos perispiríticos, inseparáveis da alma. Esta qualificação os liga mais intimamente à ordem dos fatos naturais regidos por leis; pode-se, pois, admiti-los como efeitos psíquicos, sem os admitir a título de milagres.
[2]N. de A. K.: Exemplos de Espíritos que ainda julgam pertencer a este mundo: Revista Espírita, dezembro de 1859; novembro de 1864; abril de 1865.
[3]N. de A. K.: Veja-se a Revista Espírita, julho de 1859; e O Livro dos Médiuns, Segunda parte, cap. VIII.
[4] N. de T.: Também chamada de segunda vista.
[5]N. de A. K.: Fatos de dupla vista e lucidez sonambúlica relatados na Revista Espírita: janeiro e novembro de 1858; julho de 1861; novembro de 1865.
[6]N. de A. K.: Exemplos de letargia e de catalepsia: Revista Espírita: “Sra. Schwabenhaus”, setembro de 1858; “A jovem cataléptica da Suábia”, janeiro de 1866.
[7]N. de A. K.: É assim que se podem explicar as visões da irmã Elmerich que, reportando-se ao tempo da paixão do Cristo, diz ter visto coisas materiais que nunca existiram, a não ser nos livros que ela leu; as da Sra. Cantianille B... (Revista Espírita, agosto de 1866), e uma parte das visões de Swedenborg.
[8]N. de A. K.: Veja-se, mais adiante, o cap. XVI, “Teoria da Presciência”, itens 1 a 3.
[9]N. de A. K.: Revista Espírita, junho e setembro de 1866; O Livro dos Espíritos, questão 400.
[10]N. de A. K.: Exemplos: Revista Espírita, “Sr. Cardon, médico”, agosto de 1863; “Uma ressurreição” (A mulher corsa), maio de 1866.
[11]N. de A. K.: Exemplos: Revista Espírita, fevereiro de 1863; abril e setembro de 1865.
[12]N. de A. K.: Exemplos de curas instantâneas relatadas na Revista Espírita: “O príncipe de Hohenlohe, médium curador”, dezembro de 1866; sobre as curas do Sr. Jacob, outubro e novembro de 1866 e de 1867; “Simonet, médium curador de Bordeaux”, agosto de 1867; “O alcaide Hassan, ou a bênção do sangue,” outubro de 1867; “O cura Gassner, médium curador”, novembro de 1867.
[13]N. de A. K.: O Livro dos Médiuns, Segunda parte, caps. VI e VII.
[14]N. da E.: As materializações prolongadas, quais as verificadas por William Crookes, não eram, então, conhecidas. Vide no livro editado pela FEB, as interessantes experiências com o Espírito Katie King.
[15]N. da E.: Segundo a Bíblia, este fato se deu na família de Tobias. (Ver O Livro de Tobias.)
[16]N. de A. K.: Exemplos de aparições vaporosas ou tangíveis e de agêneres: Revista Espírita, janeiro e outubro de 1858; janeiro, fevereiro, março, agosto e novembro de 1859; abril e maio de 1860; julho de 1861; abril de 1866; “O lavrador Thomas Martin e Luís XVIII”, detalhes completos, dezembro de 1866.
[17]N. de A. K.: Exemplos de aparições de pessoas vivas: Revista Espírita, dezembro de 1858; fevereiro e agosto de 1859; novembro de 1860.
[18]N. de A. K.: Só com extrema reserva se devem acolher as narrativas de aparições puramente individuais que, em certos casos, poderiam não passar de efeito de uma imaginação superexcitada e, talvez, de uma invenção com fins interesseiros. Convém, pois, levar em conta, muito escrupulosamente, as circunstâncias, a honradez da pessoa, assim como o interesse que ela possa ter em abusar da credulidade de indivíduos excessivamente confiantes.
[19]N. de A. K.: Exemplo e teoria da transfiguração: Revista Espírita, março de 1859. (O Livro dos Médiuns, Segunda parte, cap. VII.)
[20]N. de A. K.: Tal o princípio dos fenômenos de transporte, fenômeno este muito real, mas que não convém admitir senão com extrema reserva, visto ser um daqueles que mais se prestam à imitação e à trapaça. A honradez irrecusável da pessoa que os obtém, seu absoluto desinteresse, material e moral, e o concurso das circunstâncias acessórias devem ser tomados em séria consideração. É preciso desconfiar da produção de tais efeitos, principalmente quando eles se deem com excessiva facilidade, e ter por suspeitos os que se repetem com extrema frequência e, por assim dizer, à vontade. Os prestidigitadores fazem coisas mais extraordinárias ainda.
O levantamento de uma pessoa não é um fato menos positivo, mas muito mais raro, talvez porque seja muito mais difícil de ser imitado. É notório que o Sr. Home se elevou mais de uma vez até o teto, dando assim volta à sala. Dizem que São Cupertino possuía a mesma faculdade, fato que não é mais miraculoso com este do que com aquele.
[21]N. de A. K.: Exemplos de manifestações materiais e de perturbações operadas pelos Espíritos: Revista Espírita, “Manifestações físicas” (A moça dos panoramas), janeiro de 1858; “O fantasma da Senhorita Clairon”, fevereiro de 1858; “O Espírito batedor de Bergzabern”, narração completa, maio, junho e julho de 1858; “O Espírito batedor de Dibbelsdorf”, agosto de 1858; “O padeiro de Dieppe”, março de 1860; “O fabricante de São Petersburgo”, abril de 1860; “O trapeiro da Rua des Noyers”, agosto de 1860; “O Espírito batedor do Aube”, janeiro de 1861; “Um Espírito batedor no século XVI”, janeiro de 1864; “Manifestações de Poitiers”, maio de 1864 e maio de 1865; “O Espírito batedor da irmã Maria”, junho de 1864; “Manifestações espontâneas de Marselha”, abril de 1865; “Manifestações de Fives, perto de Lille (Norte)”, agosto de 1865; “Os ratos de Équihen”, fevereiro de 1866.
[22]N. de A. K.: A aptidão que algumas pessoas denotam para línguas que elas manejam, sem, por assim dizer, as haver aprendido, não tem como origem senão a lembrança intuitiva do que souberam em outra existência. O caso do poeta Méry, relatado na Revista Espírita de novembro de 1864, é uma prova do que dizemos. É evidente que, se na sua mocidade, Méry fosse médium, teria escrito em latim tão facilmente como em francês, o que, para todos, teria passado por prodígio.
[23]N. de A. K.: Exemplos de cura de obsessões e de possessões: Revista Espírita – dezembro de 1863; janeiro e junho de 1864; janeiro e junho de 1865; fevereiro de 1866; junho de 1867.
[24]N. de A. K.: Foi uma epidemia desse gênero que, faz alguns anos, atacou a aldeia de Morzine, na Saboia. (Veja-se o relato completo dessa epidemia na Revista Espírita de dezembro de 1862; janeiro, fevereiro, abril e maio de 1863.)