A Gênese

CAPÍTULO XVII

Predições do Evangelho

Ninguém é profeta em sua terra
• Item 2 •


Por essa forma, Jesus enunciou uma verdade que se tornou proverbial, que é de todos os tempos e à qual se poderia dar maior amplitude, dizendo que ninguém é profeta em vida.
Na linguagem usual, esta máxima se aplica ao crédito de que alguém goza entre os seus e entre aqueles em cujo seio ele vive, à confiança que lhes inspira a superioridade do saber e da inteligência. Se ela sofre exceções, estas são raras e, em nenhum caso, absolutas. O princípio de tal verdade decorre de uma consequência natural da fraqueza humana e pode explicar-se assim:
O hábito de se verem desde a infância, em todas as circunstâncias ordinárias da vida, estabelece entre os homens uma espécie de igualdade material que, muitas vezes, faz que a maioria deles se negue a reconhecer a superioridade moral de alguém que lhes foi companheiro ou comensal, que saiu do mesmo meio que eles, cujas primeiras fraquezas todos testemunharam. Sofre-lhes o orgulho, por se verem obrigados a reconhecer o ascendente do outro. Quem quer que se eleve acima do nível comum é sempre alvo do ciúme e da inveja. Os que se sentem incapazes de chegar à altura em que aquele se encontra esforçam-se por rebaixá-lo, por meio da difamação, da maledicência e da calúnia; e tanto mais forte gritam, quanto menores forem, crendo que se engrandecem e o ofuscam pelo arruído que promovem. Tal foi e será a história da Humanidade, enquanto os homens não houverem compreendido a sua natureza espiritual e alargado seu horizonte moral. Semelhante preconceito, portanto, é próprio dos Espíritos acanhados e vulgares, que tomam suas personalidades por modelo de todas as virtudes.
Por outro lado, toda gente costuma fazer dos homens apenas conhecidos pelo espírito um ideal que cresce à medida que os tempos e os lugares se vão distanciando. Eles são como que despojados de todo sinal de humanidade; parece que não devem ter falado, nem sentido como os demais; que os seus pensamentos e a linguagem de que usaram hão de ter ressoado constantemente no diapasão da sublimidade, sem se darem conta de que o Espírito não poderia permanecer constantemente em estado de tensão e de perpétua superexcitação. No contato diário da vida privada, vê-se a toda hora que o homem material em nada se distingue do vulgo. O homem corpóreo, o que impressiona os sentidos, quase que apaga o homem espiritual, que só impressiona o espírito. De longe, apenas se veem os relâmpagos do gênio; de perto, veem-se as paradas do espírito.
Depois da morte, já não sendo possível nenhuma comparação, somente o homem espiritual subsiste e tanto maior parece, quanto mais longínqua se torna a lembrança do homem corpóreo. É por isso que aqueles, cuja passagem pela Terra se assinalou por obras de real valor são mais apreciados depois de mortos do que quando vivos. São julgados com mais imparcialidade, porque, já tendo desaparecido os invejosos e os ciumentos, cessaram os antagonismos pessoais. A posteridade é um juiz desinteressado que aprecia a obra do espírito, aceitando-a sem entusiasmo cego, se é boa, e rejeitando-a sem rancor, se é má, sem levar em conta a individualidade que a produziu.
Jesus não podia escapar às consequências deste princípio, inerente à natureza humana, considerando-se que Ele vivia num meio pouco esclarecido e entre homens inteiramente devotados à vida material. Seus compatriotas só viam nele o filho do carpinteiro, o irmão de homens tão ignorantes quanto eles e, assim sendo, não percebiam o que lhe dava superioridade e o investia do direito de os censurar. Verificando então que a sua palavra tinha menos autoridade sobre os seus, que o desprezavam, do que sobre os estranhos, preferiu ir pregar para os que o escutavam e aos quais inspirava simpatia.
Pode-se fazer ideia dos sentimentos que nutriam para com Ele os que lhe eram aparentados, pelo fato de que seus próprios irmãos, acompanhados de sua mãe, foram a uma reunião onde Ele se encontrava, para dele se apoderarem, dizendo que perdera o juízo. (São Marcos 3:20-21; 31 a 35. – O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIV.)
Assim, de um lado, os sacerdotes e os fariseus acusavam a Jesus de agir em nome do demônio; de outro, era tachado de louco pelos seus parentes mais próximos. Não é o que sucede atualmente com relação aos espíritas? E deverão estes se queixar de que os seus concidadãos não os tratem melhor do que os de Jesus o tratavam? O que há de estranhável é que, no século dezenove e no seio de nações civilizadas, se dê o que, há dois mil anos, nada tinha de espantoso, por parte de um povo ignorante.