A Gênese

CAPÍTULO XVII

Predições do Evangelho

Um só rebanho e um só pastor
• Item 32 •


Por essas palavras, Jesus anuncia claramente que os homens um dia se unirão por uma crença única; mas como poderá efetuar-se essa união? A tarefa parece difícil, tendo-se em vista as diferenças que existem entre as religiões, os antagonismos que elas alimentam entre seus respectivos adeptos e a obstinação que manifestam em se acreditarem na posse exclusiva da verdade. Todas querem a unidade, mas cada uma se vangloria de que essa unidade se fará em seu proveito e nenhuma admite a possibilidade de fazer qualquer concessão às suas crenças.
Entretanto, a unidade se fará em religião, como já tende a fazer-se social, política e comercialmente, pela queda das barreiras que separam os povos, pela assimilação dos costumes, dos usos, da linguagem. Os povos do mundo inteiro já confraternizam, como os das províncias de um mesmo império. Pressente-se essa unidade e todos a desejam. Ela se fará pela força das coisas, porque se tornará uma necessidade, a fim de que se estreitem os laços de fraternidade entre as nações; far-se-á pelo desenvolvimento da razão humana, que se tornará apta a compreender a puerilidade de todas as dissidências; pelo progresso das ciências, a demonstrar cada dia mais os erros materiais sobre os quais tais dissidências se apoiam, e a destacar pouco a pouco das suas fieiras as pedras estragadas. Se é certo que a Ciência demole, nas religiões, o que é obra dos homens e fruto de sua ignorância das Leis da Natureza, também é certo que não poderá destruir, apesar da opinião de alguns, o que é obra de Deus e eterna verdade. Afastando os acessórios, ela prepara os caminhos para a unidade.
A fim de chegarem à unidade, as religiões terão que se encontrar num terreno neutro, se bem que comum a todas; para isso, todas terão que fazer concessões e sacrifícios maiores ou menores, conforme a multiplicidade de seus dogmas particulares. Mas, em virtude do princípio de imutabilidade que todas professam, a iniciativa das concessões não poderá partir do campo oficial; em vez de tomarem no alto o ponto de partida, tomá-lo-ão embaixo por iniciativa individual. Desde algum tempo se vem operando um movimento de descentralização, que tende a adquirir uma força irresistível. O princípio da imutabilidade, que tem servido de escudo protetor às religiões conservadoras, tornar-se-á elemento de destruição, considerando-se que, enquanto a sociedade caminha para a frente, os cultos religiosos, imobilizando-se, serão ultrapassados e depois absorvidos pela corrente das ideias de progresso.
A imobilidade, em vez de ser uma força, torna-se uma causa de fraqueza e de ruína para quem não acompanha o movimento geral; ela quebra a unidade, porque os que querem avançar se separam dos que se obstinam em ficar para trás.
No estado atual da opinião e dos conhecimentos, a religião, que terá um dia de congregar todos os homens sob o mesmo estandarte, será a que melhor satisfaça à razão e às legítimas aspirações do coração e do espírito; que não seja em nenhum ponto desmentida pela ciência positiva; que, em vez de se imobilizar, acompanhe a Humanidade em sua marcha progressiva, sem nunca deixar que a ultrapassem; que não seja exclusiva, nem intolerante; que seja emancipadora da inteligência, só admitindo a fé racional; aquela cujo código de moral seja o mais puro, o mais lógico, o mais de harmonia com as necessidades sociais, o mais apropriado, enfim, a fundar na Terra o reinado do Bem, pela prática da caridade e da fraternidade universais.
O que alimenta o antagonismo entre as religiões é a ideia, generalizada por todas elas, de que cada uma tem o seu deus particular e a pretensão de que este é o único verdadeiro e o mais poderoso, em luta constante com os deuses dos outros cultos e ocupado em lhes combater a influência. Quando elas se houverem convencido de que só existe um Deus no Universo e que, em suma, Ele é o mesmo que elas adoram sob os nomes de Jeová, Alá ou Deus; quando se puserem de acordo sobre os atributos essenciais da Divindade, compreenderão que um Ser único não pode ter senão uma única e mesma vontade; então se estenderão as mãos umas às outras, como os servidores de um mesmo Mestre e os filhos de um mesmo Pai, dando assim o grande passo para a unidade.