A Gênese
CAPÍTULO VII
Esboço Geológico da Terra
Períodos geológicos
• Item 1 •
A Terra contém em si os traços evidentes da sua formação, cujas fases podem ser acompanhadas com precisão matemática nos diferentes terrenos que constituem o seu arcabouço. O conjunto desses estudos constitui a chamada Geologia, nascida no século XIX e que projetou luz sobre a controvertida questão da origem do globo terreno e da dos seres vivos que o habitam. Aqui, não se trata de simples hipótese, mas do resultado rigoroso da observação dos fatos e, diante dos fatos, nenhuma dúvida se justifica. A história da formação do globo está escrita nas camadas geológicas de maneira bem mais exata do que nos livros preconcebidos, porque é a própria Natureza que se revela, que se desnuda, e não a imaginação dos homens a criar sistemas. Onde se notem traços de fogo, pode-se dizer com certeza que houve fogo ali; onde se vejam os da água, pode-se afirmar com igual certeza que a água ali esteve; onde se observem traços de animais, pode-se dizer que aí viveram animais.
A Geologia é, pois, uma ciência de observação; só tira deduções do que vê; sobre os pontos duvidosos, nada afirma; não emite opiniões discutíveis, cuja solução definitiva ainda aguarde observações mais completas. Sem as descobertas da Geologia, como sem as da Astronomia, a Gênese do mundo ainda estaria nas trevas da lenda. Graças a ela, o homem conhece hoje a história da sua habitação, tendo desmoronado, para não mais tornar a erguer-se, a estrutura de fábulas que lhe rodeavam o berço.
Períodos geológicos
• Item 2 •
Em todos os terrenos onde existam valas, escavações naturais ou praticadas pelos homens, nota-se aquilo que se chama estratificações, isto é, camadas superpostas. Os terrenos que apresentam essa disposição são designados pelo nome de terrenos estratificados. Essas camadas, de espessura muito variável, desde alguns centímetros até 100 metros e mais, se distinguem entre si pela cor e pela natureza das substâncias de que se compõem. Os trabalhos de engenharia, a perfuração de poços, a exploração de pedreiras e, sobretudo, de minas, permitiram que elas fossem observadas até grande profundidade.
Períodos geológicos
• Item 3 •
Em geral as camadas são homogêneas, isto é, cada uma constituída da mesma substância, ou de substâncias diversas, mas que existiram juntas e formaram um todo compacto. A linha de separação que as isola umas das outras é sempre nitidamente sulcada, como nas fiadas de uma construção. Em parte alguma se apresentam misturadas e confundidas umas nas outras, nos pontos de seus respectivos limites, como se dá, por exemplo, com as cores do prisma e do arco-íris.
Por essas características, reconhece-se que elas se formaram sucessivamente, depositando-se uma sobre a outra, em condições e por causas diferentes. As mais profundas são, naturalmente, as que se formaram em primeiro lugar, tendo-se formado posteriormente as mais superficiais. A última de todas, a que se acha na superfície, é a camada de terra vegetal, que deve suas propriedades aos detritos de matérias orgânicas provenientes das plantas e dos animais.
Períodos geológicos
• Item 4 •
As camadas inferiores, colocadas abaixo da camada vegetal, receberam em Geologia o nome de rochas, palavra que, nessa acepção, nem sempre implica a ideia de uma substância pedregosa, significando antes um leito ou banco feito de uma substância mineral qualquer. Umas são formadas de areia, de argila ou de terra argilosa, de marga, de seixos rolados; outras o são de pedras propriamente ditas, mais ou menos duras, tais como os arenitos, os mármores, os calcários ou pedras calcárias, as pedras molares, ou carvões de pedra, os asfaltos etc. Diz-se que uma rocha é mais ou menos possante, conforme é mais ou menos considerável a sua espessura.
Pela inspeção da natureza dessas rochas ou camadas, reconhece-se, por sinais certos, que umas provêm de matérias fundidas e, às vezes, vitrificadas sob a ação do fogo; outras, de substâncias terrosas depostas pela água; algumas de tais substâncias se conservam desagregadas como as areias; outras, a princípio em estado pastoso, sob a ação de certos agentes químicos ou por outras causas, endureceram e adquiriram, com o tempo, a consistência da pedra. Os bancos de pedra superpostos denunciam depósitos sucessivos. O fogo e a água participaram, pois, da formação dos materiais que compõem o arcabouço sólido do globo terráqueo.
Períodos geológicos
• Item 5 •
A posição normal das camadas terrosas ou pedregosas, provenientes de depósitos aquosos, é a horizontal. Quando vemos essas planícies imensas, que por vezes se estendem a perder de vista, de perfeita horizontalidade, lisas como se as tivessem nivelado com um rolo compressor, ou esses vales profundos, tão planos como a superfície de um lago, podemos estar certos de que, em época mais ou menos afastada, tais lugares estiveram por longo tempo cobertos de águas tranquilas que, ao se retirarem, deixaram em seco as terras que elas depositaram enquanto ali permaneceram. Retiradas as águas, essas terras se cobriram de vegetação. Se, em vez de terras gordurosas, limosas ou margosas, capazes de assimilar os princípios nutritivos, as águas apenas tivessem depositado areias silicosas, sem agregação, teríamos as planícies arenosas e áridas que constituem as charnecas e os desertos, dos quais nos podem dar pequena ideia os depósitos que ficam das inundações parciais e os que formam as aluviões na embocadura dos rios.
Períodos geológicos
• Item 6 •
Embora a horizontal seja a posição mais generalizada e que normalmente assumem as formações aquosas, não é incomum se verem, nas regiões montanhosas e em extensões bem grandes, rochas duras, cuja natureza indica que foram formadas em posição inclinada e, algumas vezes, até vertical. Ora, como, segundo as leis de equilíbrio dos líquidos e da gravidade, os depósitos aquosos não podem formar-se senão em planos horizontais, pois os que se formam sobre planos inclinados são arrastados pelas correntes e pelo próprio peso para as baixadas, torna-se evidente que tais depósitos foram levantados por uma força qualquer, depois de se terem solidificado ou transformado em pedras.
Destas considerações se pode concluir, com certeza, que todas as camadas pedrosas que, provindo de depósitos aquosos, se encontram em posição perfeitamente horizontal, foram formadas, durante séculos, por águas tranquilas e que, todas as vezes que se achem em posição inclinada, o solo foi convulsionado e deslocado posteriormente, por subversões gerais ou parciais, mais ou menos consideráveis.
Períodos geológicos
• Item 7 •
Um fato característico e da mais alta importância, pelo testemunho irrecusável que oferece, consiste na existência de despojos fósseis de animais e vegetais, encontrados em quantidades enormes dentro das diferentes camadas. E como esses despojos se encontram até nas mais duras pedras, deve-se concluir que a existência de tais seres é anterior à formação das aludidas pedras. Ora, se levarmos em conta o prodigioso número de séculos que foram necessários para operar esse endurecimento e para que elas alcançassem o estado em que se encontram desde tempos imemoriais, chega-se forçosamente à conclusão de que o aparecimento dos seres orgânicos na Terra se perde na noite dos tempos e que, portanto, é muito anterior à data que o Gênesis lhes assinala. [1]
Períodos geológicos
• Item 8 •
Entre os despojos de vegetais e animais, existem alguns que são penetrados em todos os pontos de sua substância, sem que isso lhes tenha alterado a forma, de matérias silicosas ou calcárias que os transformaram em pedras, algumas das quais têm a dureza do mármore. São as petrificações propriamente ditas. Outros foram simplesmente envolvidos pela matéria no estado de flacidez; são encontrados intactos e, alguns, inteiros, nas mais duras pedras. Outros, finalmente, apenas deixaram marcas, mas de uma nitidez e delicadeza impressionantes. No interior de certas pedras encontraram-se até marcas de passos e, pela forma das patas, dos dedos e das unhas, chegou-se a reconhecer a espécie animal de que provinham.
Períodos geológicos
• Item 9 •
Os fósseis de animais não contêm, e isso é fácil de se conceber, senão as partes sólidas e resistentes, isto é, as ossaturas, as escamas, os chifres e, algumas vezes, esqueletos completos. Na maior parte das vezes, no entanto, são apenas partes isoladas, mas cuja procedência facilmente se reconhece. Examinando-se uma mandíbula, um dente, logo se vê se pertence a um animal herbívoro ou carnívoro. Como todas as partes do animal guardam necessária correlação, a forma da cabeça, de uma omoplata, de um osso da perna, de uma pata, basta para determinar o porte, a forma geral, o gênero de vida do animal. [2] Os animais terrestres têm uma organização que não permite confundi-los com os animais aquáticos. Os peixes e os moluscos fósseis são extremamente numerosos; só estes últimos formam, às vezes, bancos inteiros de grande espessura. Pela natureza deles, verifica-se sem dificuldade se são animais marinhos ou de água doce.
Períodos geológicos
• Item 10 •
Os seixos rolados que, em certos lugares, formam rochas formidáveis, constituem inequívoco indício da origem deles. São arredondados como os calhaus de beira-mar, sinal certo do atrito que sofreram, por efeito das águas. As regiões onde eles se encontram enterrados, em massas consideráveis, foram incontestavelmente ocupadas pelo oceano ou, durante muito tempo, por águas violentamente agitadas.
Períodos geológicos
• Item 11 •
Além disso, os terrenos das diversas formações se caracterizam pela natureza mesma dos fósseis que encerram. As mais antigas contêm espécies animais ou vegetais que desapareceram completamente da superfície do globo. Certas espécies mais recentes também desapareceram, mas conservaram outras análogas, que apenas diferem daquelas pelo porte e por alguns matizes de forma. Outras, finalmente, cujos últimos representantes ainda vemos, tendem evidentemente a desaparecer em futuro mais ou menos próximo, tais como os elefantes, os rinocerontes, os hipopótamos etc. Assim, à medida que as camadas terrestres se aproximam da nossa época, as espécies animais e vegetais também se aproximam das que existem hoje.
As perturbações, os cataclismos que se produziram na Terra desde a sua origem lhe mudaram as condições de aptidão para a manutenção da vida e fizeram que desaparecessem gerações inteiras de seres vivos.
Períodos geológicos
• Item 12 •
Interrogando-se a natureza das camadas geológicas, chega-se a saber, de modo mais positivo, se, na época de sua formação, a região onde elas se apresentam era ocupada pelo mar, pelos lagos ou por florestas e planícies povoadas de animais terrestres. Conseguintemente, se numa mesma região se encontra uma série de camadas superpostas, contendo alternativamente fósseis marinhos, terrestres e de água doce, muitas vezes repetidas, esse fato constitui prova irrecusável de que essa região foi muitas vezes invadida pelo mar, coberta de lagos e tornada seca mais tarde.
E quantos séculos de séculos, certamente, de milhares de séculos, talvez, não foram precisos para que cada período se completasse! Que força poderosa não foi necessária para deslocar e trazer de volta o oceano, levantar montanhas! Por quantas revoluções físicas, comoções violentas não teve a Terra de passar, antes de ser qual a vemos desde os tempos históricos! E querer-se que tudo isso fosse obra executada em menos tempo do que leva uma planta para germinar!
Períodos geológicos
• Item 13 •
O estudo das camadas geológicas atesta, como já se disse, formações sucessivas, que mudaram o aspecto do globo e dividem a sua história em muitas épocas, constituindo os chamados períodos geológicos, cujo conhecimento é essencial para o estabelecimento da Gênese. Os principais deles são em número de seis, designados pelos nomes de períodos primário, de transição, secundário, terciário, diluviano, pós-diluviano ou atual. Os terrenos formados durante cada período também se chamam: terrenos primitivos, de transição, secundários etc. Diz-se, pois, que tal ou qual camada e rocha, tal ou qual fóssil se encontram nos terrenos de tal ou qual período.
Períodos geológicos
• Item 14 •
É essencial notar que o número desses períodos não é absoluto, pois depende dos sistemas de classificação. Nos seis principais mencionados só se compreendem os que estão assinalados por uma mudança notável e geral no estado do globo; mas a observação prova que muitas formações sucessivas se operaram enquanto durou cada um deles. É por isso que são divididos em seis períodos caracterizados pela natureza dos terrenos e que elevam a vinte e seis o número das formações gerais bem assinaladas, sem contar os que provêm de modificações devidas a causas puramente locais.
Estado primitivo do globo
• Item 15 •
O achatamento dos polos e outros fatos concludentes são indícios certos de que o estado da Terra, na sua origem, deve ter sido o de fluidez ou flacidez. Tal estado podia ter por causa a matéria liquefeita pela ação do fogo ou diluída pela da água.
Costuma-se dizer, proverbialmente: não há fumaça sem fogo. A rigor, esta sentença constitui uma aplicação do princípio: não há efeito sem causa. Pela mesma razão, pode-se dizer: não há fogo sem um foco. Ora, pelos fatos que se passam sob os nossos olhos, não é apenas fumaça o que se produz na Terra, mas fogo bastante real, que há de ter um foco. Vindo esse fogo do interior da Terra e não do alto, o foco há de estar no seu interior e, como o fogo é permanente, o foco também há de sê-lo.
O calor, que aumenta à medida que se penetra no interior da Terra e que, a certa profundidade, alcança temperatura altíssima; as fontes termais, tanto mais quentes quanto mais profundas estão as suas nascentes; os fogos e as massas de matéria fundida esbraseada que escapam dos vulcões, como que vastos respiradouros, ou pelas fendas abertas por alguns tremores de terra, não deixam dúvida sobre a existência de um fogo interior.
Estado primitivo do globo
• Item 16 •
A experiência demonstra que a temperatura se eleva de um grau a cada 30 metros de profundidade, donde se conclui que, a uma profundidade de 300 metros, o aumento é de 10 graus; a 3.000 metros, de 100 graus, temperatura da água fervente; a 30.000 metros, ou seja, 7 ou 8 léguas, de 1.000 graus; a 25 léguas, de mais de 3.300 graus, temperatura à qual nenhuma matéria conhecida resiste à fusão. Daí ao centro, ainda há um espaço de mais de 1.400 léguas, ou 2.800 léguas em diâmetro, que seria ocupado por matérias fundidas.
Embora não haja aí mais que uma suposição, julgando da causa pelo efeito, tem ela todos os caracteres da probabilidade e leva à conclusão de que a Terra ainda é uma massa incandescente recoberta por uma crosta sólida da espessura de 25 léguas no máximo, o que é apenas a 120ª parte de seu diâmetro. Proporcionalmente, seria muito menos do que a espessura da mais delgada casca de laranja.
Aliás, a espessura da crosta terrestre é muito variável, porque há regiões, sobretudo nos terrenos vulcânicos, onde o calor e a flexibilidade do solo indicam que ela é pouco considerável. A alta temperatura das águas termais é também um indício de proximidade do fogo central.
Estado primitivo do globo
• Item 17 •
Assim sendo, torna-se evidente que o primitivo estado de fluidez ou de flacidez da Terra há de ter tido como causa a ação do calor e não da água. Em sua origem, pois, a Terra era uma massa incandescente. Em virtude da irradiação do calórico, [3] deu-se o que se dá com toda matéria em fusão: ela foi esfriando pouco a pouco, principiando o resfriamento, como era natural, pela superfície, que então endureceu, enquanto o interior se conservou fluido. Pode-se assim comparar a Terra a um bloco de carvão ao sair incandescente da fornalha e cuja superfície se apaga e resfria, ao contato do ar, mantendo-se o seu interior em estado de ignição, conforme se verificará, quebrando-o.
Estado primitivo do globo
• Item 18 •
Na época em que o globo terrestre era uma massa incandescente, não continha nenhum átomo a mais, nem a menos, do que hoje; [4] apenas, sob a influência dessa alta temperatura, a maior parte das substâncias que a compõem e que vemos sob a forma de líquidos ou de sólidos, de terras, de pedras, de metais e de cristais se achavam em estado muito diferente; sofreram unicamente uma transformação. Em consequência do resfriamento, os elementos formaram novas combinações. O ar, consideravelmente dilatado, devia estender-se a uma distância imensa; toda a água, forçosamente transformada em vapor, se encontrava misturada com o ar; todas as matérias suscetíveis de se volatilizarem, tais como os metais, o enxofre, o carbono, se achavam em estado de gás. O estado da atmosfera nada tinha, portanto, de comparável ao que é hoje; a densidade de todos esses vapores lhe dava uma opacidade que nenhum raio de sol podia atravessar. Se nessa época um ser vivo pudesse existir na superfície do globo, apenas seria iluminado pelos reflexos sinistros da fornalha que lhe estava sob os pés e da atmosfera esbraseada, nem mesmo suspeitando da existência do Sol.
Período primário
• Item 19 •
O primeiro efeito do resfriamento foi a solidificação da superfície exterior da massa em fusão e da formação aí de uma crosta resistente que, delgada inicialmente, foi se espessando pouco a pouco. Essa crosta constitui a pedra chamada granito, de extrema dureza, assim nomeada pelo seu aspecto granuloso. Nela se distinguem três substâncias principais: o feldspato, o quartzo ou cristal de rocha e a mica. Esta última tem brilho metálico, embora não seja um metal.
A camada granítica foi, pois, a primeira que se formou no globo, é a que o envolve por completo, constituindo de certo modo o seu arcabouço ósseo. É o produto direto da consolidação da matéria fundida. Sobre ela e nas cavidades que apresentava a sua superfície agitada foi que se depositaram sucessivamente as camadas dos outros terrenos, posteriormente formados. O que a distingue destes últimos é a total ausência de estratificação, ou seja, ela forma uma massa compacta e uniforme em toda a sua espessura, e não disposta em camadas. A efervescência da matéria incandescente havia de produzir nela numerosas e profundas fendas, pelas quais essa matéria extravasava.
Período primário
• Item 20 •
O segundo efeito do resfriamento foi a liquefação de algumas matérias contidas no ar em estado de vapor, as quais se precipitaram na superfície do solo. Houve então chuvas e lagos de enxofre e de betume, verdadeiros riachos de ferro, cobre, chumbo e outros metais fundidos. Infiltrando-se pelas fissuras, essas matérias constituíram os veios e filões metálicos.
Sob o influxo desses diversos agentes, a superfície granítica experimentou sucessivas decomposições. Produziram-se misturas, que formaram os terrenos primitivos propriamente ditos, distintos da rocha granítica, mas em massas confusas e sem estratificação regular.
Vieram, a seguir, as águas que, caindo sobre um solo ardente, se vaporizavam de novo, recaíam em chuvas torrenciais e assim sucessivamente, até que a temperatura lhes facultou permanecerem no solo em estado líquido.
. a formação dos terrenos graníticos que dá começo à série dos períodos geológicos, aos quais conviria que se acrescentasse o do estado primitivo, de incandescência do globo.
Período primário
• Item 21 •
Tal o aspecto do primeiro período, verdadeiro caos de todos os elementos confundidos, à procura de estabilização, período em que nenhum ser vivo podia existir. Por isso mesmo, um de seus caracteres distintivos, em Geologia, é a ausência de qualquer vestígio de vida vegetal e animal.
. impossível assinalar uma duração determinada a esse primeiro período, assim como aos seguintes. Mas, considerando o tempo necessário para que uma bala de determinado volume, aquecida até ao branco, se resfrie na superfície, a ponto de permitir que uma gota d’água possa permanecer sobre ela em estado líquido, calculou-se que, se essa bala tivesse o tamanho da Terra, seriam precisos mais de um milhão de anos.
Período de transição
• Item 22 •
No começo do período de transição a crosta sólida granítica tinha pequena espessura e, portanto, oferecia resistência muito fraca à efervescência das matérias incandescentes que ela cobria e comprimia. Produziram-se, pois, intumescências, despedaçamentos numerosos, por onde se escapava a lava interior. O solo apresentava desigualdades pouco consideráveis.
As águas, pouco profundas, cobriam quase toda a superfície do globo, à exceção das partes soerguidas, formando terrenos baixos frequentemente alagados.
O ar se purgava pouco a pouco das matérias mais pesadas, temporariamente em estado gasoso, as quais, condensando-se por efeito do resfriamento, se haviam precipitado na superfície do solo, sendo depois arrastadas e dissolvidas pelas águas. Quando se fala de resfriamento naquela época, deve-se entender essa palavra em sentido relativo, isto é, em relação ao estado primitivo, porque a temperatura ainda havia de ser ardente.
Os espessos vapores aquosos que se elevavam de todas as partes da imensa superfície líquida recaíam em chuvas abundantes e quentes, que obscureciam o ar. Entretanto, os raios do sol começavam a aparecer através dessa atmosfera brumosa. Uma das últimas substâncias de que o ar teve de expurgar-se, por ser gasoso o seu estado natural, foi o ácido carbônico, então uma de suas partes constituintes.
Período de transição
• Item 23 •
Por essa época, começaram a formar-se as camadas de terrenos de sedimento, depostas pelas águas carregadas de limo e de matérias diversas, apropriadas à vida orgânica. Foi então que surgiram aí os primeiros seres vivos do reino vegetal e do reino animal. Deles se encontram vestígios, a princípio em número reduzido, porém, depois, cada vez mais frequentes, à medida que se vai passando às camadas mais elevadas dessa formação. É notável que em toda parte a vida se manifesta tão logo lhe sejam propícias as condições, nascendo cada espécie desde que produzam as condições próprias à sua existência.
Período de transição
• Item 24 •
Os primeiros seres orgânicos que apareceram na Terra foram os vegetais de organização menos complexa, designados em botânica sob os nomes de criptógamos, acotiledôneos, monocotiledôneos, isto é, liquens, cogumelos, musgos, fetos e plantas herbáceas. Ainda não se veem árvores de tronco lenhoso, mas, apenas, as do gênero palmeira, cuja haste esponjosa é análoga à das ervas.
Os animais desse período, que sucederam aos primeiros vegetais, eram exclusivamente marinhos: primeiramente, polipeiros, raiados, zoófitos, animais cuja organização simples e, por assim dizer, rudimentar, se aproxima bastante da dos vegetais. Mais tarde surgem os crustáceos e peixes, cujas espécies hoje já não existem.
Período de transição
• Item 25 •
Sob a ação do calor e da umidade e em virtude do excesso de ácido carbônico espalhado no ar, gás impróprio à respiração dos animais terrestres, mas necessário às plantas, os terrenos expostos se cobriram rapidamente de uma vegetação exuberante, ao mesmo tempo que as plantas aquáticas se multiplicavam no seio dos pântanos. Plantas que, nos dias atuais, são simples ervas de alguns centímetros, atingiam altura e espessura prodigiosas. Havia, assim, florestas de fetos arborescentes de 8 a 10 metros de altura e de proporcional grossura. Licopódios (espécie de musgos), do mesmo porte; cavalinhas [5] de 4 a 5 metros, cuja altura não passa hoje de 1 metro, e uma infinidade de espécies que não existem mais. Pelos fins do período, começaram a aparecer algumas árvores do gênero das coníferas ou pinheiros.
Período de transição
• Item 26 •
Em virtude do deslocamento das águas, os terrenos que produziam essas massas de vegetais foram submersos várias vezes, cobertos de novos sedimentos, enquanto os que se tornavam secos adornavam-se, por sua vez, de vegetação semelhante. Houve, assim, várias gerações de vegetais, alternativamente aniquiladas e renovadas. Outro tanto não se deu com os animais que, sendo todos aquáticos, não estavam sujeitos a essas alternativas.
Esses despojos, acumulados durante longa série de séculos, formaram camadas de grande espessura. Sob a ação do calor, da umidade, da pressão exercida pelos posteriores depósitos terrosos e, sem dúvida, de diversos agentes químicos, dos gases, dos ácidos e dos sais produzidos pela combinação dos elementos primitivos, aquelas matérias vegetais sofreram uma fermentação que as converteu em hulha ou carvão de pedra. As minas de hulha são, pois, produto direto da decomposição dos acervos de vegetais acumulados durante o período de transição. É por isso que são encontrados em quase todas as regiões. [6]
Período de transição
• Item 27 •
Os restos fósseis da pujante vegetação dessa época, achando-se hoje sob os gelos das terras polares, tanto quanto na zona tórrida, deve-se concluir que, uma vez que a vegetação era uniforme, também a temperatura o havia de ser. Os polos, portanto, não se achavam cobertos de gelo, como agora. É que, então, a Terra tirava de si mesma o calor, do fogo central que aquecia de igual modo toda a camada sólida, ainda pouco espessa. Esse calor era muito superior ao que podia provir dos raios solares, enfraquecidos, além disso, pela densidade da atmosfera. Só mais tarde, quando a ação do calor central se tornou muito fraca ou nula sobre a superfície exterior do globo, a do Sol passou a preponderar e as regiões polares, que apenas recebiam raios oblíquos, portadores de pequena quantidade de calor, se cobriram de gelo. Compreende-se que na época de que falamos e ainda muito tempo depois, o gelo era desconhecido na Terra. Deve ter sido muito longo esse período, a julgar pelo número e pela espessura das camadas de hulha. [7]
Período secundário
• Item 28 •
Com o período de transição desaparecem a vegetação colossal e os animais que caracterizam a época, seja porque as condições atmosféricas já não fossem as mesmas, seja porque uma série de cataclismos haja aniquilado tudo que tinha vida na Terra. É provável que as duas causas tenham contribuído para essa mudança, porquanto, de um lado, o estudo dos terrenos que assinalam o fim desse período comprova a ocorrência de grandes subversões causadas pelos levantamentos e erupções que derramaram sobre o solo grandes quantidades de lavas e, por outro lado, porque grandes mudanças se operaram nos três reinos.
Período secundário
• Item 29 •
O período secundário se caracteriza, sob o aspecto mineral, por numerosas e fortes camadas que atestam uma formação lenta no seio das águas e que marcam diferentes épocas bem caracterizadas. A vegetação cresce com menos rapidez e é menos colossal que no período precedente, sem dúvida em virtude da diminuição do calor e da umidade e de modificações sobrevindas aos elementos constitutivos da atmosfera. Às plantas herbáceas e polpudas, juntam-se as de caule lenhoso e as primeiras árvores propriamente ditas.
Período secundário
• Item 30 •
Os animais ainda são aquáticos, ou, quando muito, anfíbios. A vida animal sobre a terra seca progride pouco. Desenvolve-se no seio dos mares uma prodigiosa quantidade de animais de conchas, devido à formação das matérias calcárias. Surgem novos peixes, de organização mais aperfeiçoada do que no período anterior. Aparecem os primeiros cetáceos. Os animais que mais caracterizam essa época são os répteis monstruosos, entre os quais se notam:
O ictiossauro, espécie de peixe-lagarto, que chegava a ter quase 10 metros de comprimento e cujas mandíbulas, prodigiosamente alongadas, eram armadas de 180 dentes. Sua forma geral lembra um pouco a do crocodilo, mas sem couraça escamosa. Seus olhos tinham o volume da cabeça de um homem; possuía barbatanas como a baleia e, semelhante a esta, expelia água por orifícios próprios para isso.
O plesiossauro, outro réptil marinho, tão grande quanto o ictiossauro, cujo pescoço, excessivamente longo, se dobrava como o do cisne e lhe dava a aparência de enorme serpente ligada a um corpo de tartaruga. Tinha a cabeça do lagarto e os dentes do crocodilo. Sua pele devia ser lisa como a do precedente, porque não se lhe descobriu nenhum vestígio de escamas ou de carapaça. [8]
O teleossauro é o que mais se aproxima dos crocodilos atuais, parecendo estes um ser em miniatura. Como estes últimos, tinha uma couraça escamosa e vivia, ao mesmo tempo, na água e em terra. Seu talhe era de cerca de 10 metros, dos quais 3 ou 4 só para a cabeça. Sua enorme boca tinha 2 metros de abertura.
O megalossauro, grande lagarto, espécie de crocodilo de 14 a 15 metros de comprimento, essencialmente carnívoro, alimentava-se de répteis, de pequenos crocodilos e de tartarugas. Sua formidável mandíbula era armada de dentes em forma de lâmina de podadeira, de gume duplo, recurvados para trás, de tal forma que, uma vez enterrados na presa, tornava-se impossível que ela escapasse.
O iguanodonte, o maior dos lagartos que já apareceram na Terra, tinha de 20 a 25 metros da cabeça à extremidade da cauda. Possuía sobre o focinho um chifre ósseo, semelhante ao do iguano da atualidade, do qual parece que só diferia pelo tamanho, já que este último tem apenas um metro de comprimento. A forma dos dentes prova que ele era herbívoro, e a dos pés que era um animal terrestre. [9]
O pterodáctilo, animal estranho, do tamanho de um cisne, participando, ao mesmo tempo, do réptil pelo corpo, do pássaro pela cabeça e do morcego pela membrana carnuda que lhe religava os dedos prodigiosamente longos. Essa membrana lhe servia de paraquedas quando se precipitava sobre a presa do alto de uma árvore ou de um rochedo. Não possuía bico córneo, como os pássaros, contudo os ossos das mandíbulas, do comprimento da metade do corpo e guarnecidos de dentes, terminavam em ponta como um bico.
Período secundário
• Item 31 •
Durante esse período, que deve ter sido muito longo, como o atestam o número e a exuberância das camadas geológicas, a vida animal tomou enorme desenvolvimento no seio das águas, qual se dera com a vegetação no período anterior. Mais depurado e mais favorável à respiração, o ar começou a permitir que alguns animais vivessem em terra. O mar se deslocou muitas vezes, mas sem abalos violentos. Com esse período desaparecem, por sua vez, aquelas raças de gigantescos animais aquáticos, substituídos mais tarde por espécies análogas, de formas mais proporcionadas e de menor porte.
Período secundário
• Item 32 •
O orgulho levou o homem a dizer que todos os animais foram criados por sua causa e para a satisfação de suas necessidades. Mas qual o número dos que lhe servem diretamente, dos quais lhe foi possível submeter, comparado ao número incalculável daqueles com os quais nunca ele teve, nem nunca terá, quaisquer relações? Como sustentar semelhante tese, em face das inumeráveis espécies que povoaram a Terra por milhares e milhares de séculos, e que afinal desapareceram, antes mesmo que ele surgisse? Poder-se-á afirmar que elas foram criadas em seu proveito? Entretanto, tais espécies tinham todas a sua razão de ser, a sua utilidade. Deus, por certo, não as criou por simples capricho da sua vontade, para dar a si mesmo, em seguida, o prazer de as aniquilar, pois que todas tinham vida, instintos, sensação de dor e de bem-estar. Com que fim ele o fez? Esse fim há de ter sido soberanamente sábio, embora ainda não o compreendamos. Certamente, um dia será permitido ao homem conhecê-lo, para confundir o seu orgulho; mas, enquanto isso não acontece, como se ampliam suas ideias ante os novos horizontes em que lhe é permitido, agora, mergulhar a vista, em presença do imponente espetáculo dessa Criação, tão majestosa no seu lento caminhar, tão precisa e tão invariável nos seus resultados!
Período terciário
• Item 33 •
Com o período terciário começa nova ordem de coisas para a Terra. O estado de sua superfície muda completamente de aspecto; modificam-se profundamente as condições de vitalidade, aproximando-se do estado atual. Os primeiros tempos desse período são assinalados por uma interrupção da produção vegetal e animal; tudo revela traços de uma destruição quase geral dos seres vivos, aparecendo depois, sucessivamente, novas espécies, cuja organização, mais perfeita, se adapta à natureza do meio onde são chamados a viver.
Período terciário
• Item 34 •
Durante os períodos anteriores, a crosta sólida do globo, em virtude da sua pequena espessura, apresentava, como já foi dito, bem fraca resistência à ação do fogo interior. Facilmente despedaçado, esse envoltório permitia que as matérias em fusão se derramassem livremente pela superfície do solo. Já não se deu a mesma coisa quando este ganhou certa espessura; as matérias incandescentes, comprimidas de todos os lados, como a água em ebulição num vaso fechado, acabaram por produzir uma espécie de explosão. A massa granítica, violentamente quebrada num sem-número de pontos, ficou crivada de fendas, como um vaso rachado. Ao longo dessas fendas, a crosta sólida, levantada e deprimida, formou os picos, as cadeias de montanhas e suas ramificações. Certas partes do envoltório não chegaram a ser despedaçadas, foram apenas soerguidas, enquanto noutros pontos se produziram abalamentos e escavações.
A superfície do solo tornou-se então muito desigual. As águas que, até aquele momento, a cobriam de maneira quase uniforme na maior parte da sua extensão, foram impelidas para os lugares mais baixos, deixando em seco vastos continentes, ou cumes isolados de montanhas, formando ilhas.
Tal o grande fenômeno que se operou no período terciário e que transformou o aspecto do globo. Ele não se produziu nem de forma instantânea, nem simultaneamente em todos os pontos, mas sucessivamente e em épocas mais ou menos distanciadas.
Período terciário
• Item 35 •
Uma das primeiras consequências desses levantamentos foi, como já dissemos, a inclinação das camadas de sedimento, primitivamente horizontais e que assim se conservaram onde quer que o solo não tenha sofrido subversões. Foi, portanto, nos flancos e nas proximidades das montanhas que essas inclinações mais se pronunciaram.
Período terciário
• Item 36 •
Nas regiões onde as camadas de sedimento conservaram a horizontalidade, para alcançar as de formação primária, tem-se que atravessar todas as outras, até considerável profundidade, ao fim da qual se encontra inevitavelmente a rocha granítica. Quando, porém, se ergueram em montanhas, aquelas camadas foram levadas acima do seu nível normal, indo às vezes até grande altura, de tal sorte que, se fizermos um corte vertical no flanco da montanha, elas se mostram em toda a sua espessura e superpostas como as fiadas de uma construção.
. assim que, em grandes elevações, se encontram enormes bancos de conchas, primitivamente formados no fundo dos mares. Hoje está perfeitamente comprovado que em nenhuma época o mar foi capaz de alcançar semelhantes alturas, visto que, para isso, não bastariam nem mesmo todas as águas existentes na Terra, ainda mesmo que fossem em quantidade cem vezes maior. Seria preciso, pois, supor que a quantidade de água diminuiu e, então, caberia perguntar o que fora feito da porção que desapareceu. Os levantamentos, fato hoje incontestável, explicam de maneira lógica e rigorosa os depósitos marinhos que se encontram em certas montanhas. [10]
Período terciário
• Item 37 •
Nos locais onde o levantamento da rocha primitiva produziu completa rasgadura do solo, quer pela rapidez do fenômeno, quer pela forma, altura e volume da massa levantada, o granito foi posto a nu, qual um dente que irrompeu da gengiva. Levantadas, quebradas e arrumadas, as camadas que o revestiam ficaram a descoberto. É assim que terrenos pertencentes às mais antigas formações e que, na posição primitiva, se achavam a grande profundidade, compõem hoje o solo de certas regiões.
Período terciário
• Item 38 •
Deslocada pelo efeito dos soerguimentos, a massa granítica deixou em alguns lugares fendas por onde se escapa o fogo interior e se escoam as matérias em fusão: são os vulcões. Tais como chaminés de imensa fornalha, ou melhor, como válvulas de segurança, os vulcões, ao darem saída ao excesso das matérias ígneas, preservam o globo de comoções muito mais terríveis. Daí se poder dizer que os vulcões em atividade são uma segurança para o conjunto da superfície do solo. É possível fazer-se ideia da intensidade desse fogo, ponderando-se que no próprio seio dos mares se abrem vulcões e que a massa d’água que os recobre e neles penetra não consegue extingui-los.
Período terciário
• Item 39 •
Os levantamentos operados na massa sólida necessariamente deslocaram as águas, sendo estas impelidas para as partes côncavas, que ao mesmo tempo se haviam tornado mais profundas pela elevação dos terrenos emergidos e pela depressão de outros. Mas esses mesmos terrenos tornados baixos, levantados por sua vez ora num ponto, ora em outro, expulsaram as águas, que refluíram para outros lugares e assim por diante, até que pudessem tomar um leito mais estável.
Os sucessivos deslocamentos dessa massa líquida forçosamente trabalharam e abalaram a superfície do solo. Ao se escoarem, as águas arrastaram consigo uma parte dos terrenos de formações anteriores, postos a descoberto pelos levantamentos, desnudaram algumas montanhas que eles cobriam e lhes deixaram à mostra a base granítica ou calcária. Profundos vales foram cavados, enquanto outros eram aterrados.
Há, pois, montanhas formadas diretamente pela ação do fogo central, sobretudo as montanhas graníticas; outras são devidas à ação das águas que, arrastando as terras móveis e as matérias solúveis, cavaram vales em torno de uma base resistente, calcária, ou de outra natureza.
As matérias arrastadas pelas correntes d’água formaram as camadas do período terciário, que facilmente se distingue dos precedentes, menos pela composição, que é quase a mesma, do que pela disposição.
As camadas dos períodos primário, de transição e secundário, formadas sobre uma superfície pouco acidentada, são mais ou menos uniformes na Terra toda; as do período terciário, ao contrário, formadas sob base muito desigual e pela ação transportadora das águas, apresentam caráter mais local. Por toda parte, fazendo-se escavações de certa profundidade, encontram-se todas as camadas anteriores, na ordem em que se formaram, à exceção do terreno terciário, onde nem sempre se encontram todas as suas camadas.
Período terciário
• Item 40 •
Durante as convulsões do solo, ocorridas no princípio deste período, concebe-se facilmente que a vida orgânica teve que ficar estacionária por algum tempo, o que se reconhece examinando terrenos isentos de fósseis. Desde, porém, que sobreveio um estado mais calmo, reapareceram os vegetais e os animais. Estando mudadas as condições de vitalidade, mais depurada a atmosfera, formaram-se novas espécies, com organização mais perfeita. As plantas, sob o ponto de vista da estrutura, diferem pouco das de hoje.
Período terciário
• Item 41 •
Durante os dois períodos precedentes, os terrenos não cobertos por águas eram pouco extensos; eram, ainda assim, pantanosos e com frequência ficavam submersos. É por isso que só havia animais aquáticos ou anfíbios. O período terciário, no decorrer do qual se formaram vários continentes, caracterizou-se pelo aparecimento dos animais terrestres.
Assim como o período de transição assistiu ao nascimento de uma vegetação colossal, o período secundário ao de répteis monstruosos, também o terciário presenciou a produção de mamíferos gigantescos, tais como o elefante, o rinoceronte, o hipopótamo, o paleotério, o megatério, o dinotério, o mastodonte, o mamute etc. Estes dois últimos, variedades do elefante, tinham de 5 a 6 metros de altura e suas presas chegavam a 4 metros de comprimento. Esse período também assistiu ao nascimento dos pássaros, bem como à maioria das espécies animais que ainda hoje existem. Algumas espécies dessa época sobreviveram aos cataclismos posteriores; outras, qualificadas genericamente de animais antediluvianos, desapareceram completamente, ou foram substituídas por espécies análogas, de formas menos pesadas e menos maciças, cujos primeiros tipos foram como que esboços. Tais são o felis speloea, animal carnívoro do tamanho de um touro, com as características anatômicas do tigre e do leão; o cervus megaceron, variedade do cervo, cujos chifres, compridos de 3 metros, eram espaçados de 3 a 4 nas extremidades.
Período diluviano
• Item 42 •
Este período é marcado por um dos maiores cataclismos que convulsionaram o globo, mudando por mais de uma vez o aspecto de sua superfície e destruindo uma imensidade de espécies vivas, das quais apenas restam despojos. Por toda parte deixou traços que atestam a sua generalidade. As águas, violentamente expulsas de seus leitos, invadiram os continentes, arrastando consigo as terras e os rochedos, desnudando as montanhas, desarraigando florestas seculares. Os novos depósitos que elas formaram são designados, em Geologia, pelo nome de terrenos diluvianos.
Período diluviano
• Item 43 •
Um dos vestígios mais significativos desse grande desastre são os rochedos chamados blocos erráticos. Dá-se essa denominação a rochedos de granito que se encontram isolados nas planícies, repousando sobre terrenos terciários e no meio de terrenos diluvianos, algumas vezes a muitas centenas de léguas das montanhas de que foram arrancados. É claro que eles não podem ter sido transportados a tão grandes distâncias senão pela ação violenta das correntes. [11]
Período diluviano
• Item 44 •
Um fato não menos característico e cuja causa ainda não se descobriu, é que só nos terrenos diluvianos se encontram os primeiros aerólitos. Visto que somente nessa época eles começaram a cair, conclui-se que a causa que os produz não existia anteriormente.
Período diluviano
• Item 45 •
Foi também por essa época que os polos começaram a cobrir-se de gelo e que se formaram as geleiras das montanhas, o que indica notável mudança na temperatura do globo. Tal mudança deve ter sido súbita, porquanto, se se houvesse operado gradualmente, animais como os elefantes, que hoje só vivem nos climas quentes e que são encontrados em tão grande número no estado fóssil nas terras polares, teriam tido tempo de retirar-se pouco a pouco para as regiões mais temperadas. Tudo prova, ao contrário, que eles devem ter sido colhidos de surpresa por um grande frio e sitiados pelos gelos. [12]
Período diluviano
• Item 46 •
Esse foi, pois, o verdadeiro dilúvio universal. As opiniões se dividem sobre as causas que devem tê-lo produzido, porém, sejam elas quais forem, o que é certo é que o fato se deu. A suposição mais generalizada é de que se produziu uma brusca mudança na posição do eixo e dos polos da Terra; daí uma projeção geral das águas sobre a superfície. Se essa mudança se tivesse processado lentamente, a retirada das águas teria sido gradual, sem abalos, ao passo que tudo indica uma comoção violenta e súbita. Ignorando a sua verdadeira causa, não nos cabe emitir senão hipóteses.
O deslocamento repentino das águas também pode ter sido ocasionado pelo levantamento de certas partes da crosta sólida e pela formação de novas montanhas dentro dos mares, conforme se verificou no começo do período terciário. Mas isso não explica a mudança súbita da temperatura dos polos, sem falar que o cataclismo, nesse caso, não teria sido geral.
Período diluviano
• Item 47 •
Na tormenta provocada pelo deslocamento das águas muitos animais pereceram; outros, para escaparem à inundação, se retiraram para os lugares altos, para as cavernas e fendas, onde sucumbiram em massa, ou de fome, ou entredevorando-se, ou ainda, quem sabe, pela irrupção da água nos lugares onde se tinham refugiado e de onde não puderam fugir. Assim se explica a grande quantidade de ossadas de animais diversos, carnívoros e outros, que são encontrados de mistura em certas cavernas, que por essa razão foram chamadas brechas ou cavernas de ossos. São encontradas na maioria das vezes sob as estalagmites. Em algumas delas, as ossadas parecem ter sido arrastadas para ali pela correnteza das águas. [13]
Período pós-diluviano ou atual. Nascimento do homem
• Item 48 •
Uma vez restabelecido o equilíbrio na superfície do globo, a vida vegetal e animal retomou prontamente o seu curso. Consolidado, o solo assumiu uma situação mais estável; o ar, mais depurado, se tornara apropriado a órgãos mais delicados. O Sol, brilhando em todo o seu esplendor através de uma atmosfera límpida, difundia, com a luz, um calor menos sufocante e mais vivificador que o da fornalha interna. A Terra se povoava de animais menos ferozes e mais sociáveis; mais suculentos, os vegetais proporcionavam alimentação menos grosseira; tudo, enfim, se achava preparado no planeta para o novo hóspede que o viria habitar. Apareceu então o homem, último ser da Criação, aquele cuja inteligência concorreria, daí em diante, para o progresso geral, progredindo ele próprio.
Período pós-diluviano ou atual. Nascimento do homem
• Item 49 •
O homem só terá existido realmente na Terra depois do período diluviano, ou terá surgido antes dessa época? Esta questão é muito controvertida hoje, mas a sua solução, seja ela qual for, nada mudará no conjunto dos fatos verificados, nem fará que o aparecimento da espécie humana não seja anterior, de muitos milhares de anos, à data que lhe assinala a Gênese bíblica.
O que levou a pensar que o advento dos homens ocorreu posteriormente ao dilúvio foi o fato de não se ter achado vestígio autêntico da sua existência no período anterior. As ossadas descobertas em diversos lugares e que resultaram na crença da existência de uma raça de gigantes antediluvianos foram reconhecidas como pertencentes a elefantes.
O que está fora de dúvida é que o homem não existia nem no período primário, nem no de transição, nem no secundário, não só porque não se descobriu nenhum vestígio dele, como também porque não havia condições de vitalidade para ele. Se o seu aparecimento se deu no terciário, só pode ter sido no fim desse período e em pequena quantidade.
Além disso, por ter sido curto, o período diluviano não determinou mudanças notáveis nas condições atmosféricas, tanto que eram os mesmos os animais e os vegetais, antes e depois dele. Não é, pois, impossível que o aparecimento do homem tenha precedido esse grande cataclismo; está hoje comprovada a existência do macaco naquela época e recentes descobertas parecem confirmar a do homem. [14]
Seja como for, quer o homem tenha aparecido ou não antes do grande dilúvio universal, o que é certo é que o seu papel humanitário somente começou a esboçar-se no período pós-diluviano. Esse período, portanto, pode ser caracterizado pela presença do homem na Terra.
[1]N. de A. K.: Fóssil, do latim fossilia, fossilis, derivado de fossa e de fodere, cavar, escavar a terra, é uma palavra que em Geologia se emprega para designar corpos ou despojos de corpos orgânicos de seres que viveram anteriormente às épocas históricas. Por extensão, diz-se igualmente das substâncias minerais que revelam traços da presença de seres organizados, tais como as marcas deixadas por vegetais ou animais. O termo petrificação só se emprega com relação aos corpos que se transformaram em pedra, pela infiltração de matérias silicosas ou calcárias nos tecidos orgânicos. Todas as petrificações são necessariamente fósseis, mas nem todos os fósseis são petrificações. Nos objetos que se revestem de uma camada pedregosa quando mergulhados em certas águas carregadas de substâncias calcárias, como as do regato de Saint-Allyre, perto de Clermont, no Auvergne [França], não são petrificações propriamente ditas, mas simples incrustações. Quanto aos monumentos, inscrições e objetos provenientes de fabricação humana, esses pertencem ao domínio da Arqueologia.
[2]N. de A. K.: No ponto a que Georges Cuvier levou a ciência paleontológica, basta, frequentemente, um só osso para determinar o gênero, a espécie, a forma de um animal, seus hábitos e, mesmo, para o reconstruir todo.
[3] N. do T.: Kardec se serve aqui do termo calórico. Segundo teoria em voga no século XIX, trata-se de um fluido hipotético que seria o elemento responsável pelos fenômenos térmicos.
[4] N. do T.: Kardec não leva em conta os aerólitos nem a poeira cósmica que se vêm juntando à Terra com o correr dos tempos. Para mais detalhes quanto a este ponto, vide, na Revista Espírita de setembro de 1868, o artigo intitulado: “Aumento e diminuição do volume da Terra”, sobretudo a dissertação do Espírito Galileu, ali contida. Tal artigo também se acha parcialmente comentado nesta obra, no cap. IX, item 15.
[5]N. de A. K.: Planta que vive nos pântanos, vulgarmente chamada cavalinha.
[6]N. de A. K.: A turfa se formou da mesma maneira, pela decomposição dos amontoados de vegetais, em terrenos pantanosos, mas com a diferença de que, sendo de formação muito mais recente e sem dúvida em outras condições, ela não teve tempo de se carbonizar.
[7]N. de A. K.: Na baía de Fundy (Nova Escócia), o Sr. Lyell encontrou, numa camada de hulha de espessura de 400 metros, 68 níveis diferentes, apresentando traços evidentes de muitos solos de florestas, de cujas árvores os troncos ainda estavam guarnecidos de suas raízes. (L. Figuier) Não dando mais de mil anos para a formação de cada um desses níveis, já teríam
os 68:000 anos só para essa camada de hulha.
[8]N. de A. K.: O primeiro fóssil deste animal foi descoberto na 1nglaterra, em 1823. Depois, encontraram-se outros na França e na Alemanha.
[9]N. da E.: Somente após a desencarnação do autor, ocorrida em 1869, foram descobertos, na 1nglaterra, fragmentos suficientes à montagem de um exemplar completo, pelos paleontólogos, permitindo melhor elucidar detalhes da descrição desse dinossauro. Ficou, então, claro que ele tinha uma calosidade óssea sobre o focinho, como os iguanídeos têm uma crista espinhosa no dorso, inexistindo chifres, que, no entanto, eram bastante evidentes em outros monstros, como nos saurópodos.
[10]N. de A. K.: Foram encontradas nos Andes (América do Sul), camadas de calcário conchífero, a 5.000 metros acima do nível do oceano.
[11]N. de A. K.: Um desses blocos, provindo evidentemente, pela sua composição, das montanhas da Noruega, serve de pedestal à estátua de Pedro, o Grande, em São Petersburgo (Rússia).
[12]N. de A. K.: Em 1771, o naturalista russo Pallas encontrou nos gelos do Norte o corpo inteiro de um mamute revestido de pele e conservando parte das suas carnes. Em 1799, descobriu-se outro, igualmente encerrado num enorme bloco de gelo, na embocadura do rio Lena, na Sibéria, e que foi descrito pelo naturalista Adams. Os iacutos das circunvizinhanças lhe despedaçaram as carnes para alimentar seus cães. A pele se achava coberta de pelos negros e o pescoço estava guarnecido por espessa crina. A cabeça, sem as presas, que mediam mais de 3 metros, pesava mais de 400 libras. Seu esqueleto está no museu de São Petersburgo. Nas ilhas e nas bordas do mar glacial encontra-se tão grande quantidade de presas, que elas fazem objeto de considerável comércio, sob o nome de marfim fóssil ou da Sibéria.
[13]N. de A. K.: Conhece-se grande número de cavernas semelhantes, algumas de enorme extensão. Várias existem no México, de muitas léguas. A de Aldesberg, em Carniola (Áustria), não tem menos de 3 léguas. Uma das mais notáveis é a de Gailenreuth, em Würtemberg (Alemanha). Há muitas delas na França, na 1nglaterra, na Sicília (Itália) e em outras regiões da Europa.
[14]N. de A. K.: Veja-se O homem antediluviano, por Boucher de Perthes; Os instrumentos de pedra, idem; Discurso sobre as revoluções do globo, por Georges Cuvier, comentado pelo Dr. Hoefer.