No desdobramento da ação espiritual que deveria restaurar a pátria portuguesa, Ismael congregou os Espíritos que chegavam aos espaços depois do primeiro contato com a vida de Piratininga, a fim de elaborar novos projetos de trabalho naquele setor da Pátria do Evangelho.
Almas decididas e heroicas, postas ali para a construção da grande obra, apesar dos seus característicos de bondade e de energia, necessitavam regressar à luta terrestre, em seu próprio benefício.
O mensageiro divino as reuniu em grandes círculos, de onde lhe ouviram a palavra amiga e esclarecedora.
— “Meus irmãos — disse ele — regressareis dentro de breves dias aos núcleos de trabalho estabelecidos no planalto piratiningano. Prosseguireis, atuando no mesmo campo de labor e liberdade com que caracterizastes as primeiras iniciativas aí desenvolvidas. Agora, levareis mais longe a vossa coragem e o vosso heroísmo. Penetrareis o coração da terra do Cruzeiro, rasgando as sombras de suas florestas imensuráveis. Com a vossa dedicação, novas atividades serão descobertas e novas possibilidades hão-de felicitar a existência dos colonizadores do país, onde nos desvelaremos pela conservação da bandeira de Jesus, desfraldada lá sobre todas as frontes e sobre todos os corações. Até hoje, têm-se multiplicado as tristes caçadas humanas em que os índios misérrimos são colhidos de surpresa, na sua simplicidade, para os penosos trabalhos do cativeiro; desvendareis, agora, as fontes de riqueza dos vastos latifúndios do Brasil, interessando a colonização e fazendo desabrochar com mais intensidade os núcleos valorosos desse movimento de intensificação dos órgãos de progresso da pátria e do seu povo. Muitos de vós conhecereis a penúria e o sofrimento; sacrificareis a fortuna e os afetos mais santos da família, para construirdes a base do porvir com as lágrimas abençoadas dos vossos martírios e das vossas renúncias exemplares. Vossa tarefa será rasgar as selvas remotas, patenteando o ouro depositado no seio da terra generosa.”
Houve um interregno na sua alocução.
Ali se encontravam as entidades que seriam, mais tarde, entre muitos outros, Antônio Rodrigues Arzão, Marcos de Azeredo, Bartolomeu Bueno e Fernão Dias Paes. Este último, quebrando o silêncio da grande assembleia, exclamou, provocando geral interesse:
— “Anjo bom, que faremos com o ouro da terra, se no mundo ele é a causa sinistra de todas as lutas e o demônio de todas as ambições? Aqui, na vida espiritual, compreendemos semelhantes realidades; mas, no orbe das sombras, a nossa consciência mergulha nas mais aflitivas perturbações e bem sabeis que a água mais pura, misturando-se com a terra, se reduz quase sempre a um punhado de lama.”
Ismael não se demorou para esclarecer:
— “A Terra é a escola abençoada, onde aplicamos todos os elevados conhecimentos adquiridos no Infinito. É nesse vasto campo experimental que devemos aprender a ciência do bem e aliá-la à sua divina prática. Nos nevoeiros da carne, todas as trevas serão desfeitas pelos nossos próprios esforços individuais; dentro delas, o nosso espírito andará esquecido de seu passado obscuro, para que todas as nossas iniciativas se valorizem. Precisamos entender essas brandas disposições das leis divinas, para que o determinismo do amor e da fraternidade constitua a lei da existência de todas as coisas e de todos os seres. Quanto ao ouro escondido no seio da terra exuberante, sua existência não significa senão um estímulo à ilusão dos homens, ainda muito distantes da concepção da verdadeira fraternidade, a fim de que as criaturas possam buscar os tesouros espirituais pelo trabalho fecundante da evolução do mundo. Procurando a grandeza ilusória do ouro, edificareis as cidades novas, fomentareis a pecuária e a agricultura, desbravando caminhos inóspitos em favor de outras almas. Um mundo novo se erguerá sobre os vossos ombros dilacerados nas disciplinas austeras, ao sol causticante das caminhadas penosas; mas o futuro se voltará para os vossos esforços, com as suas bênçãos de agradecimento.”
Dirigindo-se mais particularmente a Fernão Dias, Ismael sentenciou:
— “Serás o chefe da expedição mais difícil de todas; porém, da tua coragem há-de surgir um caminho novo para todos os espíritos. Muitas vezes serás compelido a exercer a mais rigorosa justiça, despendendo todas as tuas reservas de energia; mas, é preciso não esqueças a misericórdia divina, sem exorbitar das funções que te forem confiadas, entregando a Jesus os teus trabalhos de cada dia.”
O grande bandeirante recebeu submisso a determinação do divino emissário. Daí a alguns anos, nos dois últimos quartéis do século XVII, as bandeiras paulistas se espalharam por todas as regiões da terra virgem. Através das selvas bravias, marcham, como se o fizessem ao longo de largos e desconhecidos oceanos. As noites estreladas lhes servem de orientação e de bússola. A cruz do Cristo vai, como um símbolo, à frente de todos os expedicionários das novas tentativas de conquista. De Sorocaba, sobem por Goiás até ao Amazonas longínquo; e de Taubaté demandam a Paraíba do Norte. Em 1672, Fernão Dias Paes organiza, com todos os elementos de sua fortuna, a mais célebre das expedições saídas de São Paulo. Caçando as esmeraldas, que constituíam objeto das lendas de muitos aventureiros, visita todas as regiões auríferas de Minas Gerais. Rebeliões e discórdias são dominadas pela sua energia constante e severa. Para fortalecer a disciplina, o bandeirante audacioso manda enforcar o próprio filho, que participara da rebeldia geral, como escarmento aos companheiros, próximo à povoação do Sumidouro. As joias da mulher e das filhas são empregadas no seu arrojado empreendimento, arruinando-se a família inteira. Fernão Dias, porém, segue um roteiro luminoso. Por onde passa com as suas caravanas, florescem povoações asseadas e alegres. Seus pontos de contato com a terra paulista são os arraiais prósperos e fartos, que vai edificando nos caminhos desertos. As esmeraldas do seu sonho nunca foram encontradas e as pedras verdes que entregou ao genro no instante da agonia, como única expressão da sua fortuna representavam, de certo, o símbolo suave das esperanças do seu labor e das suas lágrimas na terra do Evangelho. Próximo do local onde mandara enforcar o filho, nas margens do Rio das Velhas, o seu espírito de lutador se desprendeu igualmente do corpo exausto e quando, no íntimo do seu coração, implorava a misericórdia do Altíssimo para o delito, com que exorbitara de suas funções na Terra, a voz de Ismael falou-lhe do Infinito:
— “Irmão, as quedas, com as suas experiências sombrias, constituirão os degraus do teu caminho para as mais gloriosas ascensões espirituais. Atrás dos teus passos florescem cidades valorosas no coração das matas virgens, e os que recebem os teus benefícios abençoam o teu esforço e a tua energia perseverante. A essas mesmas paragens, onde turvaste a consciência por um instante, levado pelos rigores da disciplina, voltarás com teu filho, sob as asas cariciosas da fraternidade e do amor a fim de reparares o passado cheio de tribulações e lutas incontáveis, porque, no coração misericordioso de Deus, repousam, eternamente, as luminosas esmeraldas da esperança e do amor, que procuraste a vida inteira.”
Fernão Dias Paes abre os olhos materiais, pela última vez. Uma lágrima pesada e branca lhe corre pelas faces emagrecidas; mas, sobre o seu coração paira a bênção cariciosa da terra dourada das minas, e, sentindo-se na posse das verdadeiras esmeraldas do seu grande sonho, a ínclito batalhador regressa de novo à vida do Infinito.