Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho

Capítulo XI

Os movimentos nativistas



A procura do ouro constituía a ansiedade incentivadora de todos os espíritos. Entretanto, desde o princípio do século, o governo espanhol havia providenciado quanto à organização do Código Mineiro para o Brasil e desde 1608 a 1617, quando a direção da colônia se achava repartida entre as cidades de Salvador e do Rio de Janeiro, já D. Francisco de Sousa guardava o título pomposo de Governador e Intendente das Minas.

Contudo, somente mais tarde as bandeiras audaciosas, iniciadas com a coragem paulista, rasgaram os véus espessos do cipoal da mata virgem, descobrindo os vastos lençóis de uma infinita riqueza. Muitos lustros decorreram sem que nada mais se observasse, senão os movimentos espantosos das correntes migratórias através dos sertões, procurando o ouro da terra desconhecida e encontrando, muitas vezes, nos seus caminhos a aflição, a angústia e a morte. O próprio Conselho Ultramarino, em Lisboa, expunha mais tarde à autoridade da Coroa a necessidade de se reprimirem os excessos dessas migrações incessantes, para que o próprio reino não se despovoasse.

Por essa época, multiplicavam-se as emboscadas e a sede da posse turvava todas as consciências. Cidades futurosas se levantavam ao longo das estradas desertas e ermas; mas seus alicerces, a maior parte das vezes, se constituíam com o sangue e com a morte. Em toda a colônia, pairam ameaças de confusão e desordem. A lenda dos tesouros fabulosos guardados no coração das selvas imensas, incendiava todos os ânimos e enfraquecia o ascendente da lei em todos os espíritos. Os índios experimentam, amarguradamente, a atuação dessas forças contrárias à sua paz, que se concentravam à procura das riquezas da terra, e é com inauditos esforços de perseverança e de paciência que os caridosos jesuítas juntam suas aldeias ao Norte, com doçura fraterna conquistando todo o Amazonas para a comunidade dos portugueses.

A esse tempo, no extremo norte convulsiona-se o Maranhão, sob os ímpetos revolucionários de Manuel Beckman, contra a Companhia de Comércio, que monopolizara os negócios da importação e exportação da capitania, e contra os jesuítas cujo espírito de fraternidade se interpunha entre os colonizadores e os índios no sentido de se manterem estes últimos dentro da liberdade que lhes competia. Os amotinados prendem todos os elementos do governo e, organizando uma junta com elementos do clero, da nobreza e do povo, consideram extinto o monopólio e providenciam o imediato banimento dos protetores dos indígenas. Festas extraordinárias assinalam, no Maranhão, semelhantes feitos, inclusive Te-Deum na catedral de São Luís. A notícia de tão singulares quão inesperados episódios provoca as apreensões da corte de Lisboa, que não desconhece as pretensões da França no tocante ao vale do Amazonas, nem ignora o ascendente moral dos franceses sobre os elementos indígenas. A expedição que deverá restaurar a lei na capitania não se faz esperar e a Gomes Freire de Andrade, estadista notável pelo seu talento militar e político cabe a direção do movimento restaurador. As providências da contrarrevolução no extremo Norte são adotadas sem dificuldade. Gomes Freire procede com magnanimidade para com os revoltosos, sem, contudo, poder agir com a mesma liberalidade para com Manuel Beckman, que foi preso e sentenciado à morte. Sua fortuna teve-a ele confiscada, mas o grande oficial que comandara a expedição, dentro das tradições da generosidade portuguesa, arrematou todos os bens do infeliz, em hasta pública, e doou à viúva e aos órfãos do revolucionário.

Em 1683, a Bahia se conflagra, depois de assassinar o alcaide-mor da colônia, Francisco Teles de Menezes, que excitara as antipatias dos habitantes do Salvador. E os derradeiros anos do século XVII testemunham as atividades da colônia, nesse período de transição dos movimentos nativistas. A sede do ouro penetra o século seguinte, que, mais intensamente, ia acender a febre da ambição em todas as cidades. Em 1710, as lutas se fixam na capitania de Pernambuco, que fazia questão de cultivar o sentimento de sua autonomia, desde os tempos da ocupação holandesa, com a qual fizera novas aquisições no que se referia aos patrimônios de sua independência. Os brasileiros de Olinda abrem luta com os portugueses de Recife, em razão das rivalidades entre as duas grandes cidades pernambucanas, que não se toleravam politicamente. As emboscadas ocasionam ali dolorosas cenas de sangue. Um ano inteiro de choques e sobressaltos assinala o período da guerra dos mascates. Antes, porém, desses movimentos revolucionários em Pernambuco, os paulistas e os emboabas lutavam na região aurífera dos sertões de Minas Gerais, disputando-se a posse do ouro, que abrasava a imaginação do país inteiro. A felonia e a traição constituem o código dessas criaturas insuladas nas matas desconhecidas e inóspitas.

Pela mesma época, a Franca, que sempre custou a resignar-se com a influência portuguesa no Brasil, envia Du Clerc para investir o porto do Rio de Janeiro com mil homens de combate. A metrópole portuguesa não podia proteger, de pronto, a cidade, e o governador Francisco de Castro Morais, deixando-se dominar pela timidez, permitiu o desembarque das forças francesas, que, todavia, foram rechaçadas pela população carioca. Estudantes e populares lutaram contra o invasor. Algumas dezenas de franceses foram barbaramente trucidados. Fizeram-se ali mais de quinhentos prisioneiros e o capitão Du Clerc acabou assassinado em trágicas circunstâncias. O governo do Rio não providenciou quanto ao processo dos criminosos, a fim de punir os culpados e definir as responsabilidades pessoais, provocando com isso a reação dos franceses, que voltaram a assediar a maior cidade brasileira.

Duguay-Trouin vem à Baía de Guanabara acompanhado de cerca de cinco mil combatentes. O governador foge com quase todos os elementos da população, deixando o Rio à mercê do corsário que se ilustrara sob a proteção de . Depois do saque, que absorve muitos milhões de cruzados da fortuna particular paga ainda a cidade fabuloso resgate.

Enquanto se desenrolavam os últimos acontecimentos, governava em Portugal D. João 5, o Magnânimo, em cujo reinado ia o Brasil espalhar pela Europa os seus fabulosos tesouros. Nunca houve, ali, um soberano que mostrasse tamanho descaso pelas possibilidades econômicas do povo. O ouro e os diamantes do Brasil iam acender no seu trono as estrelas efêmeras do seu fastígio e da sua glória. A fortuna amontoada pela ambição e pela cobiça ia ser espalhada pelas mãos insensatas do rei, imprevidente e incapaz da autoridade de um trono. Dentro do luxo assombroso de sua corte, o convento de Mafra se ergue ao preço de cento e vinte milhões de cruzados. Mais de duzentos milhões seguiriam para as arcas do Vaticano, dados pelo monarca egoísta, que desejava forçar as portas do Céu com o ouro iníquo da Terra. Em vez de auxiliar a evolução da indústria e da agricultura de sua terra, D. João 5 levanta igrejas e mosteiros com extrema prodigalidade, e, enquanto todas as cortes da Europa felicitavam o rei perdulário pelo descobrimento dos diamantes na sua afortunada colônia e se celebram Te-Deuns em Lisboa, em homenagem ao auspicioso acontecimento, pelo Brasil todo se alastravam movimentos nativistas, exaltando os sentimentos generosos da liberdade e preparando, assim, sob a inspiração de Ismael e de suas falanges devotadas, o futuro glorioso dos seus filhos.


(.Irmão X)