Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho

Capítulo XXII

Bezerra de Menezes



O século XIX, que surgira com as últimas agitações provocadas no mundo pela Revolução Francesa, estava destinado a presenciar extraordinários acontecimentos.

No seu transcurso, cumprir-se-ia a promessa de Jesus, que, segundo os ensinamentos do seu Evangelho, derramaria as claridades divinas do seu coração sobre toda a carne, (At 2:17) para que o Consolador (Jo 14:15) reorganizasse as energias das criaturas, a caminho das profundas transições do século XX.

Mal não haviam terminado as atividades bélicas da triste missão de e já o espaço se movimentava, no sentido de renovar os surtos de progresso das coletividades. Assembleias espirituais, reunindo os gênios inspiradores de todas as pátrias do orbe, eram levadas a efeito, nas luzes do infinito, para a designação de missionários das novas revelações. Em uma de tais assembleias presidida pelo coração misericordioso e augusto do Cordeiro, fora destacado um dos grandes discípulos do Senhor, para vir à Terra com a tarefa de organizar e compilar ensinamentos que seriam revelados, oferecendo um método de observação a todos os estudiosos do tempo. Foi assim que , a 3 de Outubro de 1804, via a luz da atmosfera terrestre, na cidade de Lião. Segundo os planos de trabalho do mundo invisível, o grande missionário, no seu maravilhoso esforço de síntese, contaria com a cooperação de uma plêiade de auxiliares da sua obra, designados particularmente para coadjuvá-lo, nas individualidades de , que organizaria o trabalho da fé; de , que efetuaria o desdobramento filosófico; de , que apresentaria a estrada científica e de , que abriria a cortina dos mundos, desenhando as maravilhas das paisagens celestes, cooperando assim na codificação kardeciana no Velho Mundo e dilatando-a com os necessários complementos.

Ia resplandecer a suave luz do Espiritismo, depois de certificado o Senhor da defecção espiritual das igrejas mercenárias, que falavam no globo em seu nome.

Todas as falanges do Infinito se preparam para a jornada gloriosa.

As abnegadas coortes de Ismael trazem as suas inspirações para as grandes cidades do país do Cruzeiro, conseguindo interessar indiretamente grande número de estudiosos.

As primeiras experiências espiritistas, na Pátria do Evangelho, começaram pelo problema das curas. Em 1818, já o Brasil possuía um grande círculo homeopático, sob a direção do mundo invisível. O próprio José Bonifácio se correspondia com Frederico Hahnemann. Nos tempos do segundo reinado, os mentores invisíveis conseguem criar, na Bahia, no Pará e no Rio de Janeiro, alguns grupos particulares, que projetavam enormes claridades no movimento néo-espiritualista do continente, talvez o primeiro da América do Sul.

Antes dessa época, quando prestes a findar o primeiro reinado, Ismael reúne no espaço os seus dedicados companheiros de luta e, organizada a venerável assembleia, o grande mensageiro do Senhor esclarece a todos sobre os seus elevados objetivos.

— “Irmãos, expôs ele, o século atual, como sabeis, vai ser assinalado pelo advento do Consolador à face da Terra. Nestes cem anos se efetuarão os grandes movimentos preparatórios dos outros cem anos que hão-de vir. As rajadas de morticínio e de dor avassalarão a alma da humanidade, no século próximo, dentro dos imperativos das transições necessárias, que serão o sinal do fim da civilização precária do Ocidente. Faz-se mister amparemos o coração atormentado dos homens nessas grandes amarguras, preparando-lhes o caminho da purificação espiritual, através das sendas penosas. É preciso, pois, preparemos o terreno para a sua estabilidade moral nesses instantes decisivos dos seus destinos. Numerosas fileiras de missionários encontram-se disseminadas entre as nações da Terra, com o fim de levantar a palavra da Boa-Nova do Senhor, esclarecendo os postulados científicos que surgirão neste século, nos círculos da cultura terrestre. Uma verdadeira renascença das filosofias e das ciências se verificará no transcurso destes anos, a fim de que o século XX seja devidamente esclarecido, como elemento de ligação entre a civilização em vias de desaparecer e a civilização do futuro, que assentará na fraternidade e na justiça, porque a morte do mundo, prevista na Lei e nos profetas, não se verificará por enquanto, com referência à constituição física do globo, mas quanto às suas expressões morais, sociais e políticas. A civilização armada terá de perecer, para que os homens se amem como irmãos. Concentraremos, agora, os nossos esforços na terra do Evangelho, para que possamos plantar no coração de seus filhos as sementes benditas que, mais tarde, frutificarão no solo abençoado do Cruzeiro. Se as verdades novas devem surgir primeiramente, segundo os imperativos da lei natural, nos centros culturais do Velho Mundo, é na Pátria do Evangelho que lhes vamos dar vida, aplicando-as na edificação dos monumentos triunfais do Salvador. Alguns dos nossos auxiliares já se encontram na Terra, esperando o toque de reunir de nossas falanges de trabalhadores devotados, sob a direção compassiva e misericordiosa do Divino Mestre.”

Houve na alocução de Ismael uma breve pausa.

Depois, encaminhando-se para um dos dedicados e fiéis discípulos, falou-lhe assim:

— “Descerás às lutas terrestres com o objetivo de concentrar as nossas energias no país do Cruzeiro, dirigindo-as para o alvo sagrado dos nossos esforços. Arregimentarás todos os elementos dispersos, com as dedicações do teu espírito a fim de que possamos criar o nosso núcleo de atividades espirituais dentro dos elevados propósitos de reforma e regeneração. Não precisamos encarecer aos teus olhos a delicadeza dessa missão; mas, com a plena observância do código de Jesus e com a nossa assistência espiritual, pulverizarás todos os obstáculos, à força de perseverança e de humildade, consolidando os primórdios de nossa obra, que é a de Jesus, no seio da pátria do seu Evangelho. Se a luta vai ser grande, considera que não será menor a compensação do Senhor, que é o caminho, a verdade e a vida.” (Jo 14:6)

Havia em toda a assembleia espiritual um divino silêncio. O discípulo escolhido nada pudera responder, com o coração palpitante de doces e esperançosas emoções, mas as lágrimas de reconhecimento lhe caíam copiosamente dos olhos.

Ismael desfraldara a sua bandeira à luz gloriosa do Infinito, salientando-se a sua inscrição divina, que parecia constituir-se de sóis infinitésimos. Uma vibração de esperança e de fé fazia pulsar todos os corações, quando uma voz, terna e compassiva, exclamou das cúpulas radiosas do Ilimitado:

— “Glória a Deus nas Alturas e paz na Terra aos trabalhadores de boa vontade!” (Lc 2:14)

Relâmpagos de luminosidade estranha e misericordiosa clareavam o pensamento de quantos assistiam ao maravilhoso espetáculo, enquanto uma chuva de aromas inundava a atmosfera de perfumes balsâmicos e suavíssimos.

Sob aquela bênção maravilhosa, a grande assembleia dos operários do Bem se dissolveu.

Daí a algum tempo, no dia 29 de Agosto de 1831, em Riacho do Sangue, no Estado do Ceará, nascia , o grande discípulo de Ismael, que vinha cumprir no Brasil uma elevada missão.


(.Irmão X)