O Brasil prosseguia na sua marcha evolutiva sob a carinhosa direção de D. Pedro II.
Estadistas notáveis pelo seu amor à causa pública assistiam o imperador em seus nobres afazeres, caracterizando as suas atitudes e atos com o mais sagrado interesse pelo bem coletivo.
Haviam terminado os movimentos bélicos da guerra com o Paraguai e o país voltava a respirar os ares da esperança. Então nessa época, e nos anos posteriores, todos os espíritos cultos da pátria se levantaram com desassombro, para amparar o movimento abolicionista.
Os gênios tutelares do mundo espiritual inspiravam a todos os políticos e escritores e se havia fazendeiros constituindo o mais sério sustentáculo da escravidão, dentro das classes conservadoras inúmeros outros elementos existiam, como no Amazonas e no Ceará, que alforriavam os seus servidores, nos mais belos gestos de filantropia.
As falanges de Ismael contavam colaboradores decididos no movimento libertador, quais Castro Alves, Luiz Gama, Rio Branco e Patrocínio. A própria princesa Isabel, cujas tradições de nobreza e bondade jamais serão esquecidas no coração do Brasil, viera ao mundo com a sua tarefa definida no trabalho abençoado da abolição. Os Espíritos em prova no cárcere da carne têm a sua bagagem de sofrimentos expiatórios e depuradores, mas têm igualmente a possibilidade necessária para o cumprimento de deveres meritórios, aos olhos misericordiosos do Altíssimo.
Todos os ânimos se inflamavam ao contato das grandes ideias de liberdade. Publicações e discursos, com a amplitude que a opinião da crítica conquistara nos tempos do Império, exortavam as classes conservadoras ao movimento de emancipação de todos os cativos.
D. Pedro se reconfortava com essas doutrinações das massas, no seu liberalismo e na sua bondade de filósofo. Desejaria antecipar-se ao movimento ideológico, decretando a liberdade plena de todos os escravos; mas, os terríveis exemplos da guerra civil que ensanguentara os Estados Unidas da América do Norte durante longos anos, na campanha abolicionista, faziam-no recear a luta das multidões apaixonadas e delinquentes. Foi, pois, com especial agrado, que acompanhou a deliberação de sua filha, de sancionar, a 28 de Setembro de 1871, a Lei do Ventre Livre que garantia no Brasil a extinção gradual do cativeiro, mediante processos pacíficos. Seu grande coração, no âmbito das suas impressões divinatórias, sentia que a abolição se faria nos derradeiros anos do seu governo. Com efeito, a Lei do Ventre Livre não bastara aos espíritos exaltados no sentimento de amor pela abolição completa. Quase todas as energias intelectuais da nação se encontravam mobilizadas, a serviço dos escravos sofredores. O ambiente geral era de perspectiva angustiosa e de profundas transições na ordem política. A ideia republicana se consolidava cada vez mais no espírito da nacionalidade inteira. O bondoso imperador nunca lhe cortara os voos prodigiosos no coração das massas populares; aliás, alimentava-os com os seus alevantados exemplos de democracia.
Nos espaços 1smael e suas falanges procuravam orientar os movimentos republicanos e abolicionistas, com alta serenidade e esclarecida prudência, no propósito de evitar os abomináveis derramamentos de sangue por desvarios fratricidas.
A esse tempo, já Ismael possuía a sua célula construtiva da obra do Evangelho no Brasil, célula que hoje projeta a sua luz de dentro da Federação Espírita Brasileira, e de onde, espiritualmente, junto dos seus companheiros desvelados, procurava unir os homens na grandiosa tarefa da evangelização. Esperando o ensejo de se fixar na instituição venerável, que lhe guarda as tradições e continua o seu santificado labor ao lado das criaturas, a célula referida permanecia com Antônio Luiz Saião e , desde 24 de Setembro de 1885, até que , com os seus grandes sacrifícios e indescritíveis devotamentos, eliminasse as mais sérias divergências e aplainasse obstáculos, utilizando as suas inesgotáveis reservas de paciência e de humildade e consolidando a Federação para que se formasse uma organização federativa. Enquanto, lá fora, muitos companheiros da caravana espiritual se deixavam levar por inovações e experiências estranhas aos preceitos evangélicos, o Grupo Ismael esperava uma época de compreensão mais elevada e harmoniosa para o desdobramento de suas preciosas atividades. Todavia, nas lutas pesadas do mundo, Bezerra de Menezes era o impávido desbravador, no seu apostolado de preparação, fraternizando com todos os Grupos para conduzi-los, suavemente, à sombra da bandeira do grande emissário de Jesus.
Ismael trazia então a sua atenção carinhosa voltada para a solução do problema abolicionista, que deveria resolver-se dentro da harmonia de todos os interesses e estreme do sangue das guerras civis. Confiando ao Senhor as suas expectativas, falou-lhe o Mestre:
— “Ismael, o sonho da liberdade de todos os cativos deverá concretizar-se agora, sem perda de tempo. Prepararás todos os corações, a fim de que as nuvens sanguinolentas não manchem o solo abençoado da região do Cruzeiro. Todos os emissários celestes deverão conjugar esforços nesse propósito e, em breve, teremos a emancipação de todos os que sofrem os duros trabalhos do cativeiro na terra bendita do Brasil.”
O grande enviado redobrou suas atividades nos bastidores da política administrativa.
A estatística oficial de 1887 acusava a existência de mais de setecentos e vinte mil escravos em todo o país. O ambiente geral era de apreensão em todas as classes, ante a expectativa da promulgação da lei que extinguiria a escravidão para sempre, o que constituiria duro golpe na fortuna pública do Brasil. Mas, Ismael articula do Alto os elementos necessários à grande vitória. O generoso imperador é afastado do trono, nos primeiros meses de 1888, sob a influência dos mentores invisíveis da pátria, voltando a Regência à princesa Isabel, que já havia sancionado a lei benéfica de 1871. Sob a inspiração do grande mensageiro do Divino Mestre, a princesa imperial encarrega o senador João Alfredo de organizar novo ministério, que veio a compor-se de espíritos nobilíssimos do tempo. Os abolicionistas compreendem que lhes chegara a possibilidade maravilhosa e a 13 de Maio de 1888 é apresentada à regente a proposta de lei para imediata extinção do cativeiro, lei que D. Isabel, cercada de entidades angélicas e misericordiosas sanciona sem hesitar, com a nobre serenidade do seu coração de mulher.
Nesse dia inesquecível, toda uma onda de claridades compassivas descia dos Céus sobre as vastidões do Norte e do Sul da Pátria do Evangelho. Ao Rio de Janeiro afluem multidões de seres invisíveis, que se associam às grandiosas solenidades da abolição. Junto do espírito magnânimo da princesa, permanece Ismael com a bênção da sua generosa e tocante alegria. Foi por isso que Patrocínio, intuitivamente, no arrebatamento do seu júbilo, se arrastou de joelhos até aos pés da princesa piedosa e cristã. Por toda parte, espalharam-se alegrias contagiosas e comunicativas esperanças. O marco divino da liberdade dos cativos erguia-se na estrada da civilização brasileira, sem a maré incendiária da metralha e do sangue.
Os negros e os mestiços do Brasil sentiram no coração o prodigioso potencial de energias da sub-raça, com que realizariam gloriosos feitos de trabalho e de heroísmo, na formação de todos os patrimônios da Pátria do Evangelho, olhando o caminho infinito do futuro. E, nessa noite, enquanto se entoavam hosanas de amor no Grupo Ismael e a princesa imperial sentia, na sua grande alma, as comoções mais ternas e mais doces, os pobres e os sofredores, recebendo a generosa dádiva do Céu, iam reunir-se, nas asas cariciosas do sono, aos seus companheiros da imensidade, levando às Alturas o preito do seu reconhecimento a Jesus que, com a sua misericórdia infinita, lhes outorgara a carta de alforria, incorporando-se, para sempre, ao organismo social da pátria generosa dos seus sublimes ensinamentos.