Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho

Capítulo XXVII

A República



Se a monarquia, embora todas as liberdades públicas que desenvolvera, espíritos avançados do Brasil a consideravam como a derradeira recordação da influência portuguesa, a República, era considerada pela comunidade brasileira como a fórmula de governo compatível com a evolução do país e com a posição cultural do seu povo.

Essa ideia, genuinamente nativista, alcançara todas as inteligências, e a garantia do seu êxito se patenteara aos olhos de todos, após a Lei de 13 de Maio, que ferira os interesses particulares de todas as classes conservadoras.

Por essa razão os anos de 1888 e 1889 assinalaram os derradeiros tempos do único império das plagas americanas. Por toda parte e em todos os ambientes civis e militares acendiam-se os fachos do idealismo republicano, sob o pálio da generosidade da Coroa.

No mundo invisível, reúne o Senhor as falanges benditas de Ismael e dos seus dedicados colaboradores e, enquanto as luzes tênues douravam o éter da imensidade, que se enfeitava de luminosas flores dos jardins do Infinito, falou a sua voz, como no crepúsculo admirável do Sermão da Montanha: (Lc 6:20)

— “Irmãos, a Pátria do Evangelho atinge agora a sua maioridade coletiva. Profundas transições assinalarão a sua existência social e política. Uma nação que alcança a sua maioridade é a responsável legítima e direta por todos os atos comuns que pratica, no concerto dos povos do planeta. Necessário é separemos agora o organismo político do Brasil dos alvitres permanentes e constantes do mundo espiritual, para que todos os seus empreendimentos sejam devidamente valorizados. À maneira dos indivíduos, as pátrias têm, igualmente, direito à mais ampla liberdade de ação, uma vez atingido o plano dos seus raciocínios próprios. Acompanharemos, indiretamente, o Brasil, onde as sementes do Evangelho foram jorradas a mancheias, a fim de que o seu povo, generoso e fraternal, possa inscrever mais tarde a sua gloriosa missão espiritual nas mais belas páginas da civilização, em o livro de ouro dos progressos do mundo. Seus votos evolutivos, no que se refere às instituições sociais e políticas, serão carinhosamente observados por nós, de maneira a não serem obstadas as deliberações das suas autoridades administrativas no plano tangível da matéria terrestre; mas, como o reino do amor integral e da verdade pura ainda não é do orbe terreno, urge reformemos também as nossas atividades, concentrando-as na obra espiritual da evangelização de todos os espíritos localizados na região do Cruzeiro.

“Consolidareis o templo de Ismael, para que do seu núcleo possam expandir-se, por toda a extensão territorial da pátria brasileira, as claridades consoladoras da minha doutrina de redenção, de piedade e de misericórdia. Ensinareis aos meus novos discípulos encarnados a paciência e a serenidade, a humildade e o amor, a paz e a resignação, para que a luta seja vencida pela luz e pela verdade. Abrireis para a caravana do Evangelho, que marcha ao longo dos caminhos da sombra, a estrada da revolução interior, cujo objetivo único é a reforma de cada um, sob o fardo das provas, sem o recurso à indisciplina perante as leis estatuídas no mundo e sem o auxílio das armas homicidas.

“A Nova Revelação não é dada para que se opere a conversão compulsória de César às coisas de Deus, mas para que César esclareça o seu próprio coração, edificando-se no exemplo dos seus subordinados e tornando divina a sua imperfeita obra terrestre. Conduzireis, portanto, aos meus discípulos encarnados o estandarte da fé e da caridade, com o programa da renúncia e do desprendimento dos bens humanos, dentro dos sagrados imperativos da sua grandiosa missão.

“A proclamação da República Brasileira, como índice da maioridade coletiva da nação do Evangelho, há-de fazer-se sem derramamento de sangue, como se operaram todos os grandes acontecimentos que afirmaram, perante o mundo, a Pátria do Cruzeiro, os quais se desenvolveram sob a nossa imediata atenção. Doravante, o Brasil político será entregue à sua responsabilidade própria. As transições se realizarão acima de todos os cultos religiosos, para que todas as conquistas se verifiquem fora de qualquer eiva de sectarismo. Os discípulos do Evangelho sofrerão, certamente, os efeitos dolorosos da borrasca em perspectiva; estaremos, porém, a postos, sustentando o Brasil espiritual, que, de ora em diante, passará a ser o nosso precioso patrimônio. Articularemos todas as possibilidades e energias em favor do Evangelho, no país inteira, e a obra de Ismael derramará as bênçãos fulgurantes do Céu sobre todos os corações, na estrada de todos os felizes e de todos os tristes da Terra.

“Acordemos a alma brasileira para a luminosa alvorada desse novo dia!

“No capítulo das instituições humanas, os esforços que despendemos até agora estão mais ou menos encerrados; compete-nos, todavia, em todos os dias do porvir, conservar e desenvolver a “melhor parte”, espiritualizando essas mesmas instituições, dentro das grandes finalidades de todos os labores das esferas elevadas do plano espiritual.

“Bem-aventurados todos os trabalhadores da seara divina da verdade e do amor, pois deles é o reino imortal da suprema ventura!”

As falanges do Infinito, sob as bondosas determinações do Divino Mestre preparam, então, o último acontecimento político, que se verificaria com o seu amparo direto e que constituiria a proclamação da República.

Todas as grandes cidades do país, com o Rio de Janeiro na vanguarda, se entregam à propaganda aberta das ideias republicanas. Os espíritos mais eminentes do país preparam o grande acontecimento. Entre os seus organizadores, preponderam os elementos positivistas, para que as novas instituições não pecassem pelos excessos da paixão sanguinolenta dos sectarismos religiosos, e, a 15 de Novembro de 1889, com a bandeira do novo regime nas mãos de Benjamim Constant, Quintino Bocaiuva, Lopes Trovão, Serzedelo Corrêa, Rui Barbosa e toda uma plêiade de inteligências cultas e vigorosas, o marechal Deodoro da Fonseca proclama, inopinadamente, no Rio de Janeiro, a República dos Estados Unidos do Brasil.

O grande imperador recebe a notícia com amarga surpresa. Deodoro, que era íntimo do seu coração e da sua casa, voltava-se agora contra as suas mãos generosas e paternais. Todos os ambientes monárquicos pesam esse ato de ingratidão clamorosa; mas, a verdade é que todos os republicanos eram amigos íntimos de D. Pedro; quem não lhe devia, no Brasil, o patrimônio de cultura e liberdade?

Os instantes de surpresa, contudo, foram rápidos.

O nobre monarca repeliu todas as sugestões que lhe eram oferecidas pelos espíritos apaixonados da Coroa, no sentido da reação.

Confortado pelas luzes do Alto, que o não abandonaram em toda a vida, D. Pedro II não permitiu que se derramasse uma gota de sangue brasileiro, no imprevisto acontecimento.

Preparou, rapidamente, sua retirada com a família imperial para a Europa, obedecendo às imposições dos revolucionários e, com lágrimas nos olhos, rejeita as elevadas somas de dinheiro que o Tesouro Nacional lhe oferece, para aceitar somente um travesseiro de terra do Brasil, a fim de que o amor da Pátria do Cruzeiro lhe santificasse a morte, no seu exílio de saudade e pranto.

Jesus, porém, consoante à sua promessa, lhe santificaria os cabelos brancos. Uma tranquila paciência caracterizou o seu inenarrável martírio moral.

O grande imperador retirou-se do Brasil deixando, não um império perecível e transitório do mundo, mas uma família ilimitada, que hoje [1938] atinge a soma de quase cinquenta milhões de almas.

Visitado pelo Visconde de Ouro Preto, no mesmo dia em que este chegava à capital portuguesa, o imperador lhe declara com serena humildade:

— “Em suma, estou satisfeito…”

E, referindo-se à sua deposição, acrescenta: — “É a minha carta de alforria. Agora posso ir aonde quiser.”

Naqueles amargurados dias, o generoso velhinho se encontrava às vésperas do seu regresso à pátria da luz e da imortalidade.

No Brasil, iam ser continuadas as suas tradições de amor e de liberdade, pelas forças militares, que, a seu turno, as entregariam aos grandes presidentes paulistas.

Nunca a sua figura de chefe da família brasileira foi esquecida no altar das lembranças da Pátria do Evangelho, e não foi só o Brasil quem lhe reconheceu a inesquecível superioridade espiritual.

Conta-nos Múcio Teixeira, então Cônsul Geral do Brasil em Caracas, que ao chegarem até lá as notícias dos acontecimentos de 15 de Novembro, desenrolados no Rio de Janeiro, ao entrar no palácio do governo da República vizinha, ao qual, logo depois, solicitou o seu exequatur, o Dr. Rojas Paul, eminente político sul-americano, encaminhou-se ao seu encontro exclamando:

— “Senhor Cônsul Geral do Brasil, peça a Deus que a sua pátria, que foi governada durante meio século por um sábio, não seja doravante levada pelo tacão do primeiro ditador que se lhe apresente.” E, abraçando-o, sensibilizado, concluiu: — “Acabou-se a única República que existia na América — o Império do Brasil.”


(.Irmão X)