Nós não somos corpo, somos Espírito que usa o corpo. Eu compreendo que aos 77 anos de idade, não posso ter um físico de 20. Eu estou doente pelo desgaste, pelo tempo. Dias atrás, um rapaz em Sorocaba parou o carro na rua e me perguntou: “Seu Chico Xavier, o senhor está doente?” Eu confirmei que tinha estado doente e ele continuou: “Que doença é a sua?” Eu falei: “São 77 anos”.
(risos) Esta me matou… (risos). Nunca me fizeram esta pergunta. Vocês querem que eu responda?
Vocês querem que eu responda sobre felicidade? Há pouco tempo um repórter gaúcho esteve aqui e me perguntou se eu era feliz. Respondi: “Sou muito feliz, porque tenho muita fé em Deus, muitos amigos e posso trabalhar, pouco, mas posso”. Já trabalhei no Ministério da Agricultura, sou aposentado há muitos anos e para mim o ano bissexto tinha 366 dias, porque a gente trabalhava num domingo para ter descanso no outro. Então sempre fui muito feliz, pois quanto mais você sofre, se é para o bem, isso é melhor. Eu tenho muitos amigos, eles sofrem e eu sofro com eles. Eu tenho parentes que sofrem, e tenho que sofrer; tenho quatro irmãs viúvas, tenho que sofrer com as lágrimas delas, embora nada tenha de comum com os maridos que elas perderam. E aquele repórter voltou a insistir: “E a outra felicidade? A felicidade, como a gente consegue?” Aí calei: “Se a pessoa vive numa festa, feliz em meio a coisas tristes, parece viver a felicidade dos bobos.”
O desespero é uma doença. E um povo desesperado, lesado por dificuldades enormes, pode enlouquecer, como qualquer indivíduo. Ele pode perder o seu próprio discernimento. Isso é lamentável, mas pode-se dizer que tudo decorre da ausência de educação, principalmente de formação religiosa.
Pretendo ir. Nós temos tantos amigos na Colônia Santa Marta que cada vez que eu vou, me envolvo em dois sentimentos contrários: a alegria de abraçar os que ainda encontro vivos e a tristeza de lembrar dos que eu já não posso encontrar mais. Mas se Deus quiser, eu irei a Goiânia visitar a Colônia Santa Marta. Porque eu não iria lá para visitar a Academia Goiana de Letras…
Eu respeito demais a literatura goiana e tenho uma admiração profunda pelas escritoras Rosarita Fleury e Nelly de Almeida. Admiração nascida do íntimo. O que eu poderia apresentar de novo na terra de Bernardo Élis? Mostrar um corpo que já está capengando, mostrar uma ruína humana? Há pouco tempo, um jornalista me disse: “Eu estou te procurando há quinze dias e somente agora te achei; mas achei uma ruína humana”. E eu falei: “Graças a Deus, porque o senhor me coloca no meu lugar próprio.”
De todos, o que eu prefiro é Paulo e Estêvão. Mas há um livro que me fala muito ao coração. É o Boa Nova, do Espírito de Humberto de Campos. São palestras de Jesus com os apóstolos.
A imprensa é a grande comunicadora. Sem a imprensa nós estaríamos em colinas e morros, com muito pouca diferença dos índios e primitivos. Agora, eu creio que a imprensa consciente deveria formar um conselho com seus próprios elementos, os mais responsáveis. Uma cúpula de seis homens ou mulheres para criticar e criar normas éticas. Somente assim se evitariam estes desatinos que nós estamos vendo. A censura oficial é inconcebível. Se a imprensa tivesse um conselho próprio, fora da autoridade ditatorial dos governantes, seria modificada para melhor.
Eu dou assistência a companheiros da periferia que sofrem grandes dificuldades. Sei que Uberaba é muito rica, mas nunca fui à casa de ninguém pedir nada. Levo o que tenho, ou aquilo que me colocam nas mãos. Então, conversando com irmãos em penúria, procuro amenizar a revolta deles, e não aumentá-la. Se a criança está doente e eu posso dar um remédio que não dependa de uma autoridade médica, faço o possível. Se o indigente morre e seus parentes não querem que vá para uma sala de anatomia, providencio o enterro. Agora, se nossos governantes tivessem amor e espírito de compreensão por seus governados, tudo seria modificado. Mas isso teria de começar de cima. Alguém me perguntou: “Chico, a assistência é serviço do governo. Por que você dá assistência”? Respondi: “Dou assistência como a pessoa que vê a casa do vizinho incendiada e, até que o corpo de bombeiros apareça, a casa já se foi (risos). Então, pelo menos um balde d’água eu tenho que carregar, não é?
A verdade é um veneno, nem Jesus Cristo quis defini-la. Quando Pilatos perguntou a Ele o que era a verdade, Ele ficou em silêncio. Se formos falar a verdade, na vida social, nós seremos considerados indesejáveis e loucos. Então eu acompanho a “avenida do contorno”. Começam a falar coisas pesadas, e eu respondo assim: “Bem, mas nós podemos estudar melhor a questão. Vamos analisar de outra forma.” Me perguntam qualquer coisa sobre as autoridades que estão governando o Brasil, eu não vou encontrar meios de defendê-las, mas explico… eles estão fazendo o possível…”
Isso mesmo. Nós precisamos do humorismo, ou entraremos num tal clima de tensão que nós, (como a Consuelo, muito bem afirmou), seremos considerados loucos. Muita gente diz: “Não se sabe se Chico é católico ou se é espírita”. Por que eu vou hostilizar a religião católica, que é a minha mãe espiritual? Eu não posso. Eu sou espírita há muito tempo, para ter esta pretensão e esta disposição de ir contra as ideias que minha mãe me deu, e que me servem até hoje. Ela me ensinou a pronunciar o nome de Deus ajoelhado. Olha, para pronunciar o nome de Deus de joelhos dói pra chuchu. Eu estou com este joelho doendo. Certa vez um irmão chegou aqui. Eram cinco horas da manhã, ele falou: “Você me desculpe por eu ter chegado a esta hora tão tardia”. E eu disse: “Não, você chegou muito cedo, pois o dia está amanhecendo.” (risos). Cristo não pediu muita coisa, não exigiu que as pessoas escalassem o Everest, ou grandes sacrifícios. Ele só pediu que nos amássemos uns aos outros.” (Jo
(Esta entrevista foi publicada pelo Anuário Espírita de 1993, Órgão do IDE (páginas 102 a 106), e é uma transcrição parcial da entrevista concedida por Chico Xavier aos jornalistas Consuelo Nasser (Presença) e Batista Custódio (Diário da Manhã). , Ano II, nº 14, Goiânia, GO, 1987)
Por ocasião deste Natal, quando tradicionalmente Francisco Cândido Xavier visita na Colônia Santa Marta o leprosário de Goiânia, uma surpresa lhe estará reservada. Por sugestão das acadêmicas Rosarita Fleury e Nelly Alves de Almeida e aprovado por unanimidade em outubro último, a Academia Goiana de Letras — AGL — conferiu a Chico Xavier, o título de membro honorário e correspondente da AGL em Uberaba.
A homenagem foi concedida porque o escritor mineiro, com a humildade e a simplicidade que lhe são características, já escreveu mais de 300 livros, traduzidos no mundo inteiro. Além disso, suas obras apresentam uma visão nova das pessoas e do mundo, através de uma refinada sensibilidade literária. (Nota da Revista Presença.)