Era um homem de bem, dono de um lar feliz; Recebera da vida tudo quanto quis: Uma esposa distinta, uma vultosa herança, Um filho, — um filho só que lhe trouxera à vida Uma nora querida E um neto que lhe abria um mundo de esperança. Tudo era céu azul, no entanto, um dia, a morte, Sem o menor aviso, Num tremendo improviso, Arrebatou-lhe a esposa nobre e forte. E, desde então, Ele sentiu sangrar-lhe o coração. Tangido pela dor, Chamou o filho em confidência, O filho em que encontrara o apoio da existência, E entregou-lhe em confiança, De modo comovente, Tudo o que se lhe erguia em propriedade Documentadamente: As lojas da cidade, A formosa vivenda Na qual fizera o próprio lar, A casa grande da fazenda, Terras, benfeitorias, As ações em diversas companhias E os créditos em bancos… Depois, falou ao filho em termos francos: — Filho, sem tua mãe já não tenho mais vida… Tudo o que é nosso é teu… Sou alguém a morrer com tarefa cumprida. Rogo que me reserves tão somente Um quarto independente, Em nossa própria casa Onde eu possa viver Na saudade terrível que me arrasa… O moço agradeceu, sorriu e, após uma semana, Deu ao pai, afinal, Um estreito recanto, oculto no quintal, Por nova moradia; Um telheiro a cair que ele devia Atingir através de porta lateral. O pai não se queixou, mas um tanto humilhado, Instalou-se no quarto, insalubre e isolado. Em seguida notou, admirado e atento, O filho transformado, A demonstrar Grave mudança de comportamento. A mansão familiar perdera a paz antiga, Noite a noite, era festa, entre jogos de azar, Insultos e baldões, ostentação e briga, Estranhas situações Que o triste genitor não podia evitar. Começou para ele, alma limpa e sincera, Um modo de viver que não quisera. Quando caía a noite, ei-lo em longas passadas… Ia em busca de antigos companheiros, Para escutar, de novo, histórias relembradas De inesquecíveis parelheiros Seguindo cães velozes nas caçadas… Um cálice de aniz, em dado instante, Tornava a maioria mais falante; Ele, sóbrio, porém, só bebia água pura, Água simples usada sem mistura… Tarde, voltava ele, a passo lento, Não desejava ver o filho amado, Em tresloucado movimento. Nunca bebera alcoólicos e adendos, Entretanto, os vizinhos Para ele inventaram Casos injuriosos e escarninhos. O filho já tratava o pai por beberrão Na base de calúnia e palavrão. Certa manhã, o moço orgulhoso e excitado, Vara o quarto do pai, a fim de repreendê-lo… Ele está debruçado Sobre mesa pequena, A revelar enorme desmazelo. Grita-lhe o filho irado: — Chega, velho infeliz, Estou certo de tudo o que se diz, Já conheço esta cena: Bêbado até agora!… Vou removê-lo sem demora, Não mais o quero aqui, Nada posso fazer, nem respondo por si… More onde quiser, com qualquer companhia, Nas espeluncas da periferia. Arranje, agora mesmo, a sua mala e suma!… A minha tolerância está no fim, Não quero vê-lo, em parte alguma, Afaste-se de mim… De hoje em diante, fuja de meu lado, Não mais aceito um pai embriagado… Levante-se, converse, venho ouvi-lo Na nova condição de bêbado de asilo!… No entanto, o interpelado Continuava debruçado Sobre mesa pequena… Arremessa-lhe o moço uma palavra obscena… Logo após, ostentando falso brio, Toca no genitor E vê que ele se encontra enrijecido e frio… Só então o rapaz sob espanto indizível Desfere um grito horrível… Chorando em desespero e desconforto, O filho descobriu que o pai estava morto. |