Cartas do Alto

Capítulo XXIII

Perdão



Examinando o imperativo da indulgência incondicional com que devemos reger o sistema de relações uns com os outros, recordemo-nos de que Jesus não apenas recomendou “perdoai setenta vezes sete”, (Mt 18:21) mas advertiu igualmente “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem e caluniam”. (Mt 5:44)

É que o divino Mestre não nos induzia ao perdão palavroso que, quase sempre, é orgulho naquele que o dispensa e chaga esfogueante naquele que o recolhe.

Reportava-se ao pleno olvido da ofensa, com trabalho incessante, a benefícios dos ofensores.

E como o excelso Amigo substancializou todos os seus ensinos com os próprios testemunhos, é possível observá-lo, desde cedo, na administração desse talento de luz.

Não invoca, em circunstância alguma, a grandeza de sua posição hierárquica para lastimar a dureza das criaturas, que o relegaram à manjedoura de que se valeu para iniciar o apostolado entre os homens, mas aproveita a estrebaria singela para deixar ao futuro a herança da humildade sublime.

Não se queixa da tirania intelectual das autoridades de Jerusalém, que fazem ouvidos moucos à palavra redentora de que se faz mensageiro, no entanto utiliza-se da circunstância para valorizar a fé e a simplicidade dos pescadores que lhe ofertavam o coração.

Negado por Simão Pedro, não se demanda em acusações, ao contrário ora em silêncio pelo companheiro enfraquecido na sombra.

Olvidado pelos amigos que lhe haviam festejado a presença na véspera, não se reporta à ingratidão popular com qualquer manifestação de amargura para somente quinhoá-los com a bênção de seu amor.

Incompreendido por Judas, não lhe obscurece o caminho com a lama das críticas pessoais. Aceita-lhe a atitude infeliz, auxiliando-o, sem azedume e sem reprimenda.

E além do sepulcro a que fora constrangido pela maldade de quantos lhe exigiram a morte, volta aos aprendizes e seguidores, sem qualquer apontamento em torno de seu sacrifício, convertendo a ressurreição no cântico de trabalho renovador que perdura até hoje, em toda parte onde a bandeira cristã brilha, pura, consoladora e vitoriosa.

Se te propões, assim, a perdoar, faze-o amando e servindo, na certeza de que a benevolência é o antídoto do egoísmo, como a luz é a salvação contra o domínio das trevas.

E amando e servindo, sem ruído e sem pretensão, transformarás tua dor em mensagem divina a todos os que te cercam, aprendendo com o Mestre, do qual te fizeste discípulo, que perdão é serviço incessante no bem, com perfeito esquecimento de todo o mal.



Reformador — Setembro de 1958.


Segundo consta do original, a página foi recebida em reunião pública na noite de 22/03/1957, em Pedro Leopoldo. Minas Gerais. Não há referência de local.