Cartas e Crônicas

Capítulo XXI

Acerca da pena de morte



Indaga você como apreciam os desencarnados a instituição da pena de morte, e acrescenta: — “não será justo subtrair o corpo ao Espírito que se fez criminoso? será lícito permitir a comunhão de um tarado com as pessoas normais?”

E daqui poderíamos argumentar: — quem de nós terá usado o corpo como devia? quem terá atingido a estatura espiritual da verdadeira humanidade para considerar-se em plenitude de equilíbrio?

A execução de uma sentença de morte, na maioria dos casos, é a libertação prematura da alma que se arrojou ao despenhadeiro da sombra. E sabemos que só a pena de viver na carne é suscetível de realizar a recuperação daqueles que se fizeram réus confessos diante dos tribunais humanos.

Não vale afugentar moscas sem curar a ferida.

Eliminar a carne não é modificar o Espírito.

Um assassinado, quando não possui energia suficiente para desculpar a ofensa e esquecê-la, habitualmente passa a gravitar em torno daquele que lhe arrancou a vida, criando os fenômenos comuns da obsessão; e as vítimas da forca ou do fuzilamento, do machado ou da cadeira elétrica, se não constituem padrões de heroísmo e renunciação, de imediato, além-túmulo, vampirizam o organismo social que lhes impôs o afastamento do veículo físico, transformando-se em quistos vivos de fermentação da discórdia e da indisciplina.

O tribunal terrestre jamais decidirá, com segurança, sobre a extinção do crime, sem o concurso ativo do hospital e da escola.

Sem o professor e sem o médico, o juiz de sã consciência viverá sempre atormentado pela obrigação de prender e condenar, descendo da dignidade da toga para ombrear com os que se dedicam à flagelação alheia.

A função da justiça penal, dentro da civilização considerada cristã, é, acima de tudo, reeducar.

Sem o entendimento fraterno na base de nossas relações uns com os outros, não nos distanciaremos do , que pretende converter o mundo em eterno sorvedouro de males renascentes.

Jesus, o divino libertador, veio quebrar as algemas que nos jungiam aos princípios do castigo igual à culpa.

A educação é a mola do processo de redimir a mente cristalizada nas trevas.

Organizar a penitenciária renovadora, onde o serviço e o livro encontrem aplicação adequada, é a solução para o escuro problema da criminalidade, entre os homens, mesmo porque o melhor desforço da sociedade, contra o delinquente, é deixá-lo viver, na reparação das próprias faltas.

Cada Espírito respira no Céu ou no inferno que formou para si mesmo…

Aqui, temos o “campo dos efeitos”, e aí, no mundo, o “campo das causas”. E enquanto a alma se demora no “campo das causas”, há sempre oportunidade de consertar e reajustar, melhorando as consequências.

Não é morrendo que encontraremos facilidade para a reconciliação. É aprendendo com as rudes lições do educandário de matéria densa que se nos apuram as qualidades morais para a ascensão do Espírito.

Ninguém, pois, precisará inquietar-se, provocando essa ou aquela reivindicação pela violência.

A lei da harmonia universal funciona em todos os Planos da vida, encarregando-se de tudo restaurar no momento oportuno.

Quanto ao ato de condenar, quem de nós se revelará em condições de exercer semelhante direito?

Quantos de nós não somos malfeitores indiscutíveis, simplesmente por não encontrar a presa, no instante preciso da tentação? quantos delitos teremos perpetrado em pensamento?

Só a educação, alicerçada no amor, redimir-nos-á a multimilenária noite da ignorância.

Se você demonstra interesse tão grande na regeneração dos costumes, defendendo com tamanho entusiasmo a suposta legalidade da pena de morte, vasculhe o próprio coração e a própria consciência e verifique se está isento de faltas. Se você já superou os óbices da animalidade, adquirindo a grande compreensão a preço de sacrifício, estimaria saber se terá realmente coragem para amaldiçoar os pecadores do mundo, atirando-lhes “a primeira pedra”. (Jo 8:7)


(.Humberto de Campos)