Na tosca residência de Arão, o curtidor, dizia Jesus a Zacarias, dono de extensos vinhedos em Jericó:
— O Reino de Deus será, por fim, a vitória do bem, no domínio dos homens!… O sol cobrirá o mundo por manto de alegria luminosa, guardando a paz triunfante. Os filhos de todos os povos andarão vinculados uns aos outros, através do apoio mútuo. As guerras terão desaparecido, arredadas da memória, quais pesadelos que o dia relega aos precipícios da noite!… Ninguém se lembrará de exigir o supérfluo e nem se esquecerá de prover os semelhantes do necessário, quando o necessário se lhes faça preciso. A seara de um lavrador produzirá o bastante para o lavrador que não conseguiu as oportunidades da sementeira e o teto de um irmão erguer-se-á igualmente como refúgio do peregrino sequioso de afeto, sem que a ideia do mal lhes visite a cabeça… A viuvez e a orfandade nunca mais derramarão sequer ligeira lágrima de sofrimento, porquanto a morte nada mais será que antecâmara da união no amor perpétuo que clareia o sem-fim. Os enfermos, por mais aparentemente desvalidos, acharão leito repousante, e as moléstias do corpo deixarão de ser monstros que espreitam a moradia terrestre, para significarem simplesmente notícias breves das leis naturais no arcabouço das formas. O trabalho não será motivo de cativeiro e sim privilégio sagrado da inteligência. A felicidade e o poder não marcarão o lugar dos que retenham ouro e púrpura, mas o coração daqueles que mais se empenham no doce contentamento de entender e servir. O lar não se erigirá em cadinho de provação, porque brilhará incessantemente por ninho de bênçãos, em cujo aconchego palpitarão as almas felizes que se encontram para bendizer a confiança e a ternura sem mácula. O homem sentir-se-á responsável pela tranquilidade comum, nos moldes da reta consciência, transfigurando a ação edificante em norma de cada dia; a mulher será respeitada, na condição de mãe e companheira, a que devemos, originariamente, todas as esperanças e regozijos que desabrocham na Terra, e as crianças serão consideradas por depósitos de Deus!… A dor de alguém será repartida, qual transitória sombra entre todos, tanto quanto o júbilo de alguém se espalhará, na senda de todos, recordando a beleza do clarão estelar… A inveja e o egoísmo não mais subsistirão, visto que ninguém desejará para os outros aquilo que não aguarda em favor de si mesmo! Fontes deslizarão entre jardins, e frutos substanciosos penderão nas estradas, oferecendo-se à fome do viajor, sem pedir-lhe nada mais que uma prece de gratidão à bondade do Pai, de vez que todas as criaturas alentarão consigo o anseio de construir o Céu na Terra que o Todo-Misericordioso lhes entregou!…
Deteve-se Jesus contemplando a turba que o aplaudia, frenética, minutos depois da sua entrada em Jerusalém para as celebrações da Páscoa, (Jo
— Quando atingirmos, coletivamente, o Reino dos Céus, ninguém mais nascerá sob qualquer sinal de separação ou discórdia, porque a Humanidade se regerá pelos ideais e interesses de um mundo só!…
Enlevado, Zacarias fitou-o com ansiosa expectação e ponderou com respeito:
— Senhor, vim de Jericó para o culto às tradições de nossos antepassados; todavia, acima de tudo, aspirava a encontrar-te e ouvir-te… Envelheci, arando a gleba e sonhando com a paz!… Tenho vivido nos princípios de Moisés; no entanto, do fundo de minha alma, quero chegar ao Reino de Deus do qual te fazes mensageiro nos tempos novos!… Mestre! Mestre!… Para buscar-te percorri a trilha de minha estância até aqui, passo a passo… De vila em vila, de casa em casa, um caminho existe, claro, determinado… Qual é, porém, Senhor, o Caminho para o Reino de Deus?
— A estrada para o Reino de Deus é uma longa subida… — começou Jesus, explicando.
Eis, contudo, que filas de manifestantes penetraram o recinto, interrompendo-lhe a frase e arrebatando-o à praça fronteiriça, recoberta de flores.
Zacarias, em êxtase, demandou o sítio de parentes, no vale de Hinom, demorando-se por dois dias em comentários entusiastas, ao redor das promessas e ensinos do Cristo, mas, de retorno à cidade, não surpreende outro quadro que não seja a multidão desvairada e agressiva… Não mais a glorificação, não mais a festa. Diante do ajuntamento, o Mestre, em pessoa, não mais querido. Aqueles mesmos que o haviam honorificado em cânticos de louvor apupavam-no agora com requintes de injúria.
O velho de Jericó, transido de espanto, viu que o Amado Amigo, cambaleante e suarento, arrastava a cruz dos malfeitores… Ansiou abraçá-lo e esgueirou-se, dificilmente, suportando empuxões e zombarias do populacho… Rente ao madeiro, notou que um grupo de mulheres chorosas obrigava o Mestre a parada imprevista e, antecedendo-se-lhes à palavra, ajoelhou-se diante dele e clamou:
— Senhor!… Senhor!…
Jesus retirou do lenho a destra ferida, afagou-lhe, por instantes, os cabelos que o tempo alvejara, lembrando o linho quando a estriga descansa junto da roca, e falou, humilde:
— Sim, Zacarias, os que quiserem alcançar o Reino de Deus subirão ladeira escabrosa…
Em seguida, denotou a atenção de quem escutava os insultos que lhe eram endereçados… Finda a pausa ligeira, apontou para o amigo, com um gesto, a poeira e o pedregulho que se avantajavam à frente e, como a recordar-lhe a pergunta que deixara sem resposta, afirmou com voz firme:
— Para a conquista do Reino de Deus, este é o caminho…