Chico Xavier Inédito

Capítulo VI

Ao Irmão Vaz



Não basta se tornar espírita atuante para fazer desaparecer os problemas que todos carregamos, uns mais, outros menos. A militância no movimento, por vezes, aumenta-os como que a nos submeter a testemunhos que venham colocar à prova nossa fé. O próprio Cristo não ofereceu nenhuma facilidade ao jovem que pediu a receita para alcançar o Reino dos Céus: Então vá, largue tudo o que tens, pegue tua cruz e segue-me! (Mt 16:24) Não esperemos facilidades, portanto, ao assumirmos nossas tarefas doutrinárias, mas peçamos à Espiritualidade maior força e sabedoria para enfrentar os problemas e suavidade para resolvê-los.

A presente mensagem de Emmanuel tem caráter particular, mas seus conselhos servem para todos nós, trabalhadores da seara espírita, e permanecem atuais, apesar da distância do tempo e de se referir a um episódio específico dos anos de 1940.

Esse episódio, motivo do conteúdo da comunicação, passou-se na União Federativa Espírita Paulista envolvendo Joaquim Augusto Vaz, Caetano Mero, Américo Luiz Fernandes e outros dirigentes daquela Instituição, que mantiveram por quase dois anos no ar a Rádio Piratininga, a primeira emissora genuinamente espírita do Brasil. A Rádio teve seu prefixo cassado, por influência da Igreja, por Getúlio Vargas e envolveu muitas demandas judiciais e políticas que hoje fazem parte da história e não nos compete comentar aqui.

Válido, mesmo, são os conselhos e o carinho de Emmanuel para com o confrade Vaz, cujas lições contidas na mensagem convidam-nos à reflexão.


Meu caro irmão Vaz:

Deus te abençoe o espírito dedicado e laborioso.

É ao teu coração, meu bom amigo, que dirijo as presentes palavras; com que direito? Poderias perguntar naturalmente. E eu, que aqui me encontro na qualidade de irmão mais velho, posso dizer que estou usando os direitos do Amor. Falece-me autoridade, bem o reconheço, mas, o Amor vibra em minh’alma e é por essa mesma razão que te dirijo este apelo.

Ouve, meu amigo! Que companheiro mais devotado para nós outros, poderia existir, além de Jesus? Ouçamo-lo no divino silêncio de nossa alma consagrada ao seu divino serviço. E a voz de Jesus tem profunda ressonância em nossas almas. Busquemos anotar a grandeza espiritual de suas afirmativas que nos induzem ao perdão, ao amor, à caridade fraternal.

Por que manter o círculo de preocupações obscuras em torno de teu coração, sempre devotado ao trabalho do bem? O homem, meu amigo, por vezes, não observa de pronto a rede sutil de perseguições que lhe colheu o espírito menos avisado. Teu maravilhoso jardim, cheio das flores e das bênçãos de Deus, atraiu o pensamento de malfeitores solertes e ingratos. Não permitas que os resultados divinos dos teus esforços de discípulo sincero sejam arrebatados. Volta a erguer as muralhas de tua fé; não abandones a defesa de teu patrimônio espiritual. A luta é grande, o esforço não se poderá atenuar em nenhuma estação da experiência purificadora e amigos devotados inclinam-se, da Esfera espiritual, sobre os teus caminhos, de maneira que se faça mais luz em teu espírito bondoso. Não te entregues, meu amigo, às cogitações dispersivas, conduzindo-te pelo espírito de discórdia que avassala os caminhos de numerosos irmãos. Conhecemos o quilate de teus esforços para não obedecer aos alvitres sutis, tantas vezes lançados sobre a esfera de teus pensamentos, pelas Esferas da sombra.

Lutaste, trabalhaste, em vão tens ponderado laboriosamente. Entretanto, pedimos-te, de coração, mais um esforço.

Não desfaças a oportunidade de reunir novamente o teu trabalho ao de teus amigos. Não te sintas ofendido por ninguém. Volta, meu filho, ao cultivo do jardim de tua fé. Se tens mágoas, esquece e renova os teus serviços com Amor. As árvores podadas assemelham-se às almas em experiências dolorosas. Deixa que os ramos novos cresçam de novo em torno de seus caminhos. Acaso terias esquecido que nos devemos amar reciprocamente como irmãos?

Quem te fala é teu amigo nas lutas milenares. Jesus não permitiria minha voz ao teu lado, nestas palavras, se não tivéssemos um laço mútuo, no caminho obscuro do passado espiritual. Muitas vezes, meu caro Vaz, também eu levei muito longe a minha severidade no julgar, quase sempre me perdi pelo personalismo extravagante, inutilizei sagrados ensejos de aprender, pelo meu excessivo egoísmo, na esfera individual. Raramente aceitava a colaboração de meus amigos, quando destoasse de meus princípios pessoais, e não poucas vezes movimentei as forças do escândalo para assentar-me tranquilamente nas posições do aplauso público.

Mas, ai de mim, meu amigo! Minha severidade era inútil, meu personalismo um veneno cruel que não atacava senão a mim próprio.

Vês, portanto, que te fala um irmão mais velho que se honra em te escrever como um pai. Fui sempre mau e egoísta em passados de sombra e, por isso, aqui estou para te dizer: Meu filho, volta à harmonia com os teus irmãos.

Quanto te dispuseres a esse ato de amor haverás de ver que o sol de Jesus é bastante para quebrar toda a atmosfera psíquica que te rodeia, desde algum tempo. Estaremos contigo para o bom trabalho; entretanto, é indispensável que estejas também conosco.

Não te percas em perspectivas de processos do mundo. Esquece a ilusão de que os tribunais convencionalistas podem estabelecer a concórdia nos corações. Aliás, meu amigo, semelhante movimentação judicial, no quadro de lutas da Terra, nada mais operaria que um sério agravante em tuas responsabilidades espirituais.

Esquece a fantasia venenosa daqueles que ainda não despertaram a consciência para a luz do Evangelho. Ainda que todos te ofendessem, ainda que todos te insultassem, aproximar-me-ia de teu coração e repetiria: Perdoa, meu filho.

Além do mais, todos te amam; os companheiros sentem a falta de tua cooperação. Porque tamanha tormenta por um simples mal-entendido que poderia solucionar-se por um carinhoso aperto de mãos?

Volta, meu caro Vaz, a ti mesmo e examina, em minha companhia espiritual, o problema da fraternidade necessária. O que te posso afirmar é que cada irmão espera por ti, com transportes de júbilo no espírito confiante.

Lembra, meu filho, que a realização radiofônica dos trabalhadores paulistas é um patrimônio que pertence a nós todos, encarnados e desencarnados. Trata-se de uma obra com o Cristo e para o Cristo. O dinheiro, as expressões materiais, as lutas humanas e os atritos comuns aí deveriam funcionar como simples instrumentos transitórios necessários à consecução do fruto divino. O que interessa é esse fruto, meu filho! — Por que deturpá-lo com as nossas franquezas quando o Senhor no-lo oferece substancioso e puro? Somos o tronco, repleto de sujidades pelo nosso pretérito delituoso, mas Jesus fará frutificar os nossos esforços, desde que não lhe perturbemos o ato de dar.

O Mestre quer ofertar; será possível que não saibamos nem mesmo receber em nosso próprio proveito? Considera comigo, no silêncio do coração, semelhantes questões e volta aos teus amigos do dia de ontem.

Todos te aguardam, com anseios fraternais. Cesse a tempestade para que os serviços se harmonizem. Recordemos que a semeadura e a messe pertencem ao Senhor. Somos simples arados em Suas mãos divinas e essa circunstância, a nós outros, deve constituir um motivo de júbilo santo.

Sinto que teu coração redarguirá que talvez não tenhamos aprendido a extensão de tuas contrariedades e o volume de teus sofrimentos, mas somos dos primeiros a reconhecer que, ainda mesmo que houvesse semelhantes razões a serem consideradas o problema seria de somenos importância.

Porque nos impressionarmos com a luta experimentada no mínimo que nos foi confiada na Terra, quando Jesus faz sempre o máximo serviço, em silêncio sagrado, afastando-se do nosso olhar agradecido.

Não, meu amigo; vejamos o caminho radioso que nos aguarda. Esquece os espinhos e as pedras, para pensar tão somente nos terrenos fecundos que esperam por tuas mãos.

Vem, de novo, ao esforço da cooperação desinteressada e sincera. És a chave de uma grande porta para a harmonização de companheiros valorosos e abnegados. Permita que Jesus te utilize, meu filho. Vai a cada um daqueles que se tornarem solidários na discórdia para que a união os encontre, novamente, no caminho de Jesus. É tão difícil subir a montanha, entretanto, não temas os cansaços da ascensão. Serei teu cajado de arrimo para que a harmonia felicite o ambiente geral.

Que a PIRATININGA seja, de novo, a casa da alegria e da boa luz para todos. Vai sorrir e vai chorar ao lado de teus amigos. Esquece o dia de ontem, para meditar tão só a profunda misericórdia da Providência Divina. Lembra que o Senhor, cada dia, nos abre um livro de crédito na vida universal. Sua bondade está sempre interessada em olvidar nossos débitos.

Volta a ti mesmo, meu filho, e quando houveres feito isso, com sinceridade, sentirás, de perto, minha palavra fraterna em teu coração. Tenho procurado auxiliar-te, buscando reerguer tuas forças e o estado de nossa irmã Genuína, tua generosa companheira de lutas e alegrias na Terra. Se puderes, meu amigo, não desprezes meu apelo amoroso. Não te peço por mim, mas e sim por Cristo. E, quando abraçares aos teus irmãos, quando a harmonia se fizer novamente em teus caminhos, hás de sentir, nesse instante, o calor de uns lábios velhos nas tuas mãos.

Serei eu que te levarei o ósculo da paz, certo de que, acima de tudo, colocaste os interesses de Jesus Cristo.

Teu irmão e servo humilde.




Mensagem de Emmanuel, recebida por Francisco Cândido Xavier, em Leopoldina-MG, em 17 de junho de 1942.


: O original desta mensagem, psicografada por Chico Xavier, contém 16 folhas, devidamente numeradas pelo próprio médium.