Encontramos Chico Xavier emagrecido e com voz mais tênue. Vêmo-lo, inobstante, bem humorado, receptivo, de nada se queixando. Transcende uma filosofia de vida positiva e autocurativa. Tudo que não podemos mudar está bem, porque vem de Deus. Desde novembro de 1976, quando o problema anginoso e coronariano limitou em muito seu ritmo de vida e de trabalho, desde logo optou por se ajustar à nova situação, com paciência e perseverança.
Nesta última visita, contou-nos que, tendo indagado de Emmanuel acerca da sua enfermidade coronariana, ouviu de seu incansável guia e benfeitor as seguintes considerações aqui reproduzidas de memória: “Afinal o que é que querias? Não malbarataste as energias do corpo físico? As lutas e caminhadas na seara do bem, embora contando com o amparo do Mundo Maior, não excluem as limitações e desgastes do vaso físico terrestre”.
Leváramos conosco uma agenda de entrevista com 30 perguntas mas, durante as 3:30 horas que conversamos, Chico, Noemi e eu (Chico disse-nos: “Tens uma esposa angelical, iluminada por Deus”, ao que Noemi respondeu: “Eu não te conhecia, mas, agora, posso dizer que conheci um segundo Jesus na Terra”. Resposta do médium: “É sua bondade que diz isso, eu sou uma pessoa com os mesmos defeitos de um homem comum”, etc.). Só no fim é que me atrevi a dizer: “Chico, trouxe comigo umas perguntas escritas, sem maior importância. Se dispuseres de algum tempo, mais adiante, quem sabe?… Mas talvez seja até melhor esquecermos isso agora”.
Toma das folhas manuscritas, olha-as e acrescenta: “Deixe-as comigo”. Três dias depois, com uma viagem a São Paulo nesse ínterim, envia as respostas pelo correio. A partir desta edição de “Folha Espírita”, vamos transmitir aos leitores o conteúdo dessas novas revelações.
Poucos dias após o abalo orgânico sofrido, Chico Xavier assim nos descreve em carta a fase de lenta convalescença a que se submete e cujo trecho reproduzimos com sua licença:
“Estou melhorando, mas lentamente. Ainda não posso permanecer em reuniões públicas senão de quatro horas da tarde às nove e meia horas da noite. Devo usar vários medicamentos com muita pontualidade e não consigo muito esforço ou algum esforço maior. Sem atender a esses requisitos do corpo físico, a dor aparece, à feição de alguém que veio morar comigo, por dentro do peito, e, então, essa dor é uma espécie de enfermeira invisível que me obriga a deitar. Mas estou observando a mim mesmo com muito otimismo e paz e creio que, com os medicamentos em pauta e com as inevitáveis reduções de trabalho, ainda poderei usar minha máquina física da atualidade, se Jesus permitir, por muito tempo”.
Chico diz sentir que sua mediunidade parece estar melhor afinada após a fase aguda da enfermidade, e revela: “Podes entender comigo esta história: neste ano completo os 50 janeiros de mediunidade e tendo passado por outros 40 em atividade profissional, não posso ser ingrato para com o corpo que me serve de moradia, há 66 anos. Louvado seja Deus! Tudo está seguindo da melhor maneira possível. E eu, continuando sem a dor, que é semelhante a uma campainha no tórax, tudo vai bem. Não tenho dúvidas quanto ao processo anginoso ou à insuficiência coronariana de que sou portador, mas estou, graças a Deus, em paz e com muita alegria.”
— Por que, na maioria dos casos, após a morte, a fisionomia dos desencarnados adquire uma expressão de suave paz?
— A maioria das criaturas, em se desencarnando, de maneira pacífica, isto é, com a paz de consciência, quase sempre reencontra entes queridos que a antecederam na viagem da chamada morte física (…) e deixa no próprio semblante as derradeiras impressões de paz e alegria que o corpo consegue estampar.
— Que lhe ocorre dizer sobre o seguinte pensamento do filósofo Nietzsche: “É preciso a angústia de ser um caos para dali gerar uma estrela”?
— Permita-me responder com uma nova pergunta: não nos parece igualmente a nós outros, que o nascimento da criatura humana — que pode ser comparável a uma estrela de inteligência — é precedido por um caos aparente (…) nos claustros da vida fetal?
— Sempre me pareceu que nós, a maioria das pessoas, desconhecemos a imensa força do pensamento na formulação da existência. O pensamento pode reformular a vida de uma pessoa?
— Sem dúvida. Os benfeitores espirituais são unânimes em asseverar que toda renovação do espírito, em qualquer circunstância, começa na força mental. O pensamento é a força criadora nas menores manifestações.
— Como encontrar motivação e despertar em nosso íntimo novas e insuspeitadas fontes de energia na reedificação da nossa felicidade? Em outras palavras: qual o caminho para nos sintonizarmos com os inesgotáveis mananciais de energia do Universo?
— Dizem os amigos espirituais que a iniciação da verdadeira felicidade está em fazer os outros felizes. Ao doar alegria e paz, bom ânimo e segurança ao próximo, encontramos a fonte de energia que nos fará constantemente motivados para a sustentação da felicidade para nós mesmos.
— Que lhe ocorre dizer às pessoas que, embora se esforcem, não conseguem se espiritualizar, porque se sentem cativas de remanescentes paixões ou fortes algemas emocionais?
— Ainda quando nos sintamos encarcerados em ideias negativas que, às vezes, nos colocam em sintonia com inteligências encarnadas ou desencarnadas, ainda presas a certos complexos de culpa, conseguiremos a própria liberação desses estados, claramente infelizes, se nos dispusermos com sinceridade a varar a concha do nosso próprio egoísmo, esquecendo, quanto ao aspecto inarmônico de nossa vida mental, para servir aos outros, especialmente àqueles que atravessam provações e problemas muito maiores do que os nossos.
— Qual o melhor antídoto contra a falta de confiança em nós mesmos?
— Os amigos da Vida Maior nos ensinam que na prática da humildade, na prestação de serviços aos nossos irmãos da Humanidade, adquiriremos esse antídoto contra a falta de confiança em nós próprios, de vez que aprenderemos, na humildade, que o bem verdadeiro, de que possamos ser intérpretes, em favor dos nossos semelhantes, procede de Deus e não de nós.
— Que lhe ocorre dizer às pessoas que pedem a Deus para morrer, por não encontrar significado para viver, por ter perdido as esperanças de auto-realização?
— Creio, sinceramente, que devemos pedir a Deus, conforme o ensinamento de nossos instrutores, não o afastamento de nossas provas, mas sim a força necessária para suportá-las proveitosamente. Não nos adianta solicitar a morte prematura, a pretexto de sermos fracos para carregar os benefícios do sofrimento, porque deixar o trabalho antes de completá-lo, nada mais seria que agravar os nossos problemas próprios, porquanto chegaremos sempre e inevitavelmente à convicção de que a morte não existe como sendo o fim de nossas preocupações e responsabilidades.
— Você concorda com este preceito: “Para pequenos males, orações comuns. Para grandes males, orações fervorosas”?
— Consideremos que, seja qual for o nosso caso, na necessidade de socorro ou no louvor pelas bênçãos recebidas, a nossa oração deve ser sempre um ato íntimo de nossa comunhão com a Providência Divina, segundo a nossa fé.
— Que lhe parece de maior valor: as atitudes perante os fatos, ou os fatos em si?
— Lição e aplicação ou teoria e prática precisam uma da outra, entretanto, acredito que, se estamos em grande necessidade ou em grande sofrimento, mais valem o socorro possível ou o remédio providencial que uma longa série de ensinamentos sobre a caridade, ou sobre a ciência de curar, sem a possível ação imediata que os realize.
— Quando realmente não temos solução para algum grave problema pessoal, o melhor não seria entregar o caso a Deus, a fim de que, cedo ou tarde, d’Ele proviesse a solução?
— Nos problemas complexos, em que a nossa atuação é passível de complicar ou agravar ainda mais as tribulações alheias, creio que a oração intercessória, rogando o auxílio dos mensageiros de Deus, será providência ideal. Assim dizemos porque, onde não dispomos de meios para ajudar, principalmente nas questões de ordem espiritual, mais vale silenciar e orar que tumultuar e confundir.
— Você acredita que se nós, os terrestres, fôssemos mais evoluídos e pacíficos, as humanidades de outros planetas já teriam entrado em contato amplo conosco?
— Provavelmente, sim. Uma evolução espiritual iluminada pelo amor fraterno, consoante os ensinos de Jesus, devidamente praticados, nos colocaria em condições de receber os seres superiores de outros campos cósmicos do Universo para compreendê-los e assimilar-lhes as lições de progresso que nos pudessem ministrar.
— Às vezes, me parece que nós, na sociedade atual, trabalhamos em ritmo frenético, transformando o trabalho num fim em si mesmo. Entende você que esse acúmulo de trabalho e responsabilidades está de acordo com a evolução em Deus, ou simplesmente se trata de excesso de zelo nosso, uma espécie de desvio ou escapismo concebido por nós próprios?
— Caro Fernando, conforme o nosso abnegado Emmanuel afirma, creio que “Deus cria a vida e o homem cria a existência que se lhe faz particular, dentro da própria vida”. Em matéria de trabalho, misturado com a aflição que nos caracteriza hoje as experiências na Terra, apesar de reconhecermos a irreversibilidade do progresso, admito que o assunto pertence a nós mesmos, ao gênero e ambiente de vivências escolhidas por nós.
(Fonte: “O Espírita Mineiro”, número 171, fevereiro/abril de 1977.)