Se alguém te fere a vida, Olha a fonte que passa, coração, Beijando a pedra imerecida Que se lhe atira à face, Como se nada houvesse e nada lhe alterasse O serviço de amor na beleza do chão! Aquele que te odeia ou te persegue, Embora mostre um cérebro perfeito, Não vê a sombra espessa em que se envolve E a ferida mortal que traz no peito. Quem te agrava ou injuria A cruz de provação que carregas na estrada, Não sabe quanta dor lhe virá, no futuro, Da atitude impensada. A pessoa que inveja Não percebe que alenta, dia a dia Escondido no próprio coração, O veneno minaz que lhe furta a alegria. Quem te condena as lutas em que choras Desconhece, de todo, Que abre para si mesmo, ante os campos da Terra, Uma estrada de lodo! Para ofensa que surja e ofensa que ressurja, Perdoa, esquece e ampara, outra vez e outra vez. O tempo restitui, em conta viva e certa, Todo bem que se dá, todo mal que se fez! Se alguém te fere a vida, Olha a fonte que passa, coração, Beijando a pedra imerecida Que se lhe atira à face, Como se nada houvesse e nada lhe alterasse O serviço de amor na beleza do chão. |
Os poemas de Maria Dolores têm a simplicidade, a forma e o ritmo largo de Rodrigues de Abreu em “Casa Destelhada”. Para a poética atual são expressões do passado. Não usam figuras audaciosas, nem jogo de palavras ou subentendidos. Mas isso porque Maria Dolores não pretende fazer simplesmente poesia, muito menos a poesia de efeitos gráficos e, portanto, sensorial de nossos dias. Longe de querer participar da chamada “poesia de vanguarda”, o que ela pretende é servir-se do verso espontâneo, quase na forma de prosa rimada, para comunicar-se com os homens e transmitir-lhes as suas experiências da vida espiritual.
O poema “Eles não sabem” é um belo exemplo disso. E se não tem atualidade poética, tem oportunidade ética. Publicamo-lo no momento certo, como um legítimo aparte do Além nos diálogos da Terra. E depois de lê-lo podemos replicar ao seu título com o título desta crônica. Sim, porque se eles soubessem — eles, os que ferem, injuriam, condenam, ofendem — “que o tempo restitui, em conta viva e certa, todo o bem que se dá e todo o mal .que se fez”, certamente prefeririam a prática do bem.
Expressiva a maneira por que ela repete o ensino evangélico do perdoar setenta vezes sete, acentuando: “Para ofensa que surja e ofensa que ressurja, perdoa, esquece e ampara, outra vez e outra vez…” Porque as ofensas surgem e ressurgem, sempre as mesmas, na boca dos que negam e acusam. Perdoá-las e esquecê-las é amparar os ofensores, evitando que eles se afundem na semeadura do joio.
A fonte que passa, cristalina, fecundando a terra e espelhando o céu, desvia-se da pedra que se lhe atira à face e continua a cantar. Se a fonte parasse, ofendida, para enfrentar a pedra agressiva, o seu curso benéfico seria interrompido sem nenhum resultado, pois as pedras surgem e ressurgem constantemente no leito das águas.
Chico Xavier segue o exemplo da fonte há quarenta anos. Os seus inimigos de sempre — e sempre gratuitos — repetem sem cessar as mesmas injúrias através do tempo. Mas Chico é a fonte que não para, como se nada houvesse e nada o alterasse.