Chico Xavier Pede Licença

Capítulo XXXII

Renovações




MUDANÇAS COMPULSÓRIAS NA 6DA — Enviando-nos a mensagem psicográfica de Maria Dolores, abaixo publicada, Chico Xavier informa-nos o seguinte:

“Em nossa reunião pública era grande o número de pessoas que apresentavam problemas acerca de mudanças compulsórias na vida. Muitos irmãos presentes haviam sofrido a perda de entes queridos. Outros falavam de abandono a que foram votados por familiares aos quais empenhavam toda a confiança. Outros lastimavam prejuízos de que foram vítimas e outros ainda se referiam a falências de ordem material que os obrigaram a renovar toda a existência.

O estudo doutrinário da noite caiu no de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, “Bem-aventurados os Aflitos”. Os comentários foram de grande proveito e ao término da reunião a nossa irmã e benfeitora espiritual Maria Dolores escreveu a página poética que intitulou “Renovações” e que envio em anexo, pensando que ela poderá ser motivo para nossos estudos e reflexões.”


Quando a dor te procura, alma querida e boa,

A torturar-te o sonho e a exigir-te mudança,

Qual forja incandescente a que o mundo te lança

Por burilar-te o ser,

Não te irrites, não temas nem reclames.

Tudo o que vem à Terra, a fim de aprimorar-se,

Sofre transformações, sem recurso a disfarce,

Para servir, brilhar, elevar-se, crescer…


Contempla a Natureza… A fonte quando surge,

Por mais refulja ao sol, figura-se, no entanto,

O coração da gleba a desfazer-se em pranto

Para não se afastar do seio em que é nascida.

Depois, a contragosto, ela própria se aparta,

Serve e canta, esquecendo as próprias mágoas,

Para juntar-se, além, à vida de outras águas

E encontrar, mais além, as vastidões da vida.


Lembra o tronco que viste a erguer-se forte.

Tombou gemendo a cortes destruidores,

Suspirando talvez por guardar-se entre as flores

Do bosque verde e belo em que te recompões.

De maneira imprevista, um dia, transformou-se

Em violino nas mãos de artista sublimado

E olvidando, de todo, os golpes do machado

Hoje é música e prece elevando emoções.


Olha o minério preso e conduzido ao fogo.

Parece tenso e rubro, a serpente em vigia,

Talvez queira voltar à rocha em que vivia

No propósito vão de somente cismar…

Depois não mais recorda, onde ajuda e trabalha,

O forno a que se deu em suplicio fecundo,

A fim de ser honrado entre as forças do mundo

Como viga que apoia as carícias do lar.


Se a vida traz, à senda em que te encontras,

Mortes, retaliações, angústias, provas,

Lutas e alterações, sob as quais te renovas,

Do teu sonho mais alto aos sonhos mais plebeus,

Não te revoltes… Serve e segue à frente,

Planta, chorando embora, o amor que não se cansa.

Toda tribulação, que te impele a mudança,

É uma luz do progresso e uma bênção de Deus.


A mosca na estátua



Este poema linear de Maria Dolores, à semelhança da superfície tranquila dos grandes rios, tem profundezas insuspeitadas. Basta analisarmos os versos da primeira estrofe para vermos que a razão poética, negada e amaldiçoada pelos teólogos do inconsciente, possui recursos para penetrar nos mistérios da alma e da vida. As “transformações sem recurso a disfarce”, que ocorrem em nossa vida, têm um sentido, obedecem a um desígnio. E esse desígnio não abrange apenas o homem, mas “tudo o que vem à Terra”.

Essa estrofe nos lembra a mosca de Max Nordau que, de asa quebrada, andava na superfície irregular de uma estátua reclamando contra os seus desníveis. Faltava-lhe a visão do conjunto. Assim fazemos ao reclamar e protestar contra as frustrações do destino, os percalços da existência, desejando um viver sonolento de aldeia. Maria Dolores aplica o seu método ecológico, ligando o destino humano ao destino das coisas. Dessa ligação surgem as comparações e os estímulos. A fonte que chora no solo e o minério que arde na forja, como o tronco submetido aos golpes do machado, são reflexos exteriores da realidade interna que nos aflige. Rodamos todos — todos e tudo — nas águas da evolução, mas para um fim superior.

Essa lógica espírita exaspera os pregoeiros do desespero, viciados no ópio da amargura e da revolta. Mas Maria Dolores aconselha com ternura: “Não te revoltes… serve e segue à frente”. E a Natureza inteira confirma, ao nosso redor, a sabedor ia dessa advertência. Os milênios da História e os séculos de pesquisa nas entranhas do Planeta condenam o ceticismo dos .homens, mostrando que realmente as mudanças constantes que ocorrem nas coisas e nos seres “são uma luz do progresso e uma bênção de Deus”. Não fossem essas mudanças e continuaríamos para sempre, como a mosca de asas quebradas, a ignorar a grandeza do Universo e o sentido da vida.