23/01/1952
Meus caros filhos, Deus abençoe a vocês, conferindo-nos a graça da saúde e da paz no grande e abençoado caminho redentor.
Lembro-me, neste momento, da palavra de Paulo definindo a posição dos discípulos do Evangelho — “aflitos, mas não desesperados, inquietos, mas não tristes, angustiados, mas não vencidos, perseguidos, mas não mortos”. (2Co
humana a que atravessamos, e digo incerteza humana porque, em espírito, nossa casa de fé se encontra erguida sobre a rocha.
A ventania das paixões e das incompreensões ruge em torno de nós sem abalar-nos e as sombras se adensam em derredor de nossos passos sem conseguirem arrojar-nos às trevas. Defendamo-nos com as armas que o Cristo nos legou.
Em nossa própria luta, quando adotamos digna atitude, combatemos os nossos adversários a golpes espirituais. Lutemos, como sempre, no campo aberto de nosso idealismo superior e de nossa ação construtiva. É indispensável entregar ao cinzel do tempo certos problemas que se nos revelam com a consistência da pedra. Desde muito vemos a tempestade rondando-nos a porta, e como os servos que se honram na consciência tranquila esperemos agora que se cumpram os desígnios do Senhor.
Sei, meu caro Rômulo, quanto lhe doem as vergastadas da gratuita perseguição. Falo a você em particular nesta noite porque, mais que nós todos do conjunto reunido, você empenhou neste recanto de terra o próprio coração. Cada ramo, cada flor, cada fio d’água que completam a paisagem na qual tantas alegrias temos recolhido respiram em suas próprias veias. Temos encontrado a boa luta de nossa edificação em Jesus dentro da projeção de seus pensamentos. Por isso, mais que nós todos, você sofre e se preocupa, dilacera-se e indaga no recinto silencioso da alma centralizada em si mesma.
Poucos trabalhadores neste país têm conseguido tanto, raros se mantiveram até hoje, por anos consecutivos, quanto o de seu esforço, no mesmo ritmo de ideal e entusiasmo pelo bem público. Mas, por essa mesma razão, poucos servidores da obra de levantamento nacional conheceram, quanto você, a calúnia e a perseguição, a dor e o assalto moral sem motivos apresentáveis.
Conheço quanto lhe amarga no espírito o fel que lhe pretendem impor, entretanto, se algo posso rogar a você, peço-lhe mais força, mais serenidade, mais resistência. Um missionário da sua estirpe, quando não encontra na própria faculdade de suportação os canais justos para distribuir as energias que se lhe repletam no seio, pode perder o corpo pela pletora de forças que sabe amealhar e conservar nos reservatórios infinitos da própria mente. Inteirado hoje no conhecimento dessas verdades, peço-lhe calma e visão sempre mais alta. Oportunidades são portas permanentemente abertas aos que se propõem a trabalhar e servir.
Os campos de sementeira educativa se desdobram em horizontes ilimitados. E os homens vão e vêm. Situações políticas brilham e se apagam. Determinações surgem e se alteram. Palavras são substituídas por palavras. Por isso, se é verdade que devemos estar na posição dos aflitos, não nos achamos possuídos de desespero. Provocados pela perturbação vigente na hora que passa, mantenhamos acesa a nossa convicção de que cada dia possui uma ordenação diferente. Por certo, os adversários de nosso esforço estimariam observar-nos nos últimos lances da saúde e, indubitavelmente, sentiriam a volúpia da compaixão artificial em enxugando as nossas lágrimas se nos vissem chorar. Ergamo-nos, pois, e avancemos. Ouçamos o que existe contra nós no tribunal dos que julgam facilmente. Verifiquemos a extensão dos erros que nos apontem como analistas improvisados na esfera dos serviços feitos. Capacitemo-nos da amplitude do mal que nos assedia, a fim de que possamos multiplicar o bem que se mostre viável às nossas forças. Oremos e vigiemos. Procuremos a vontade de Deus afirmando a nossa vontade de perseverar com o direito até o fim de nossas tarefas. Nessa disposição de espírito, atendamos ao critério superior da hierarquia administrativa da Terra, que nos convida ao exame de nossos passos. Estaremos em sua companhia e contamos com a sua serenidade. E depois de atentarmos para os resíduos escuros que a passagem do despeito e da calúnia deixam por onde passam façamos o possível por evitar o conflito aberto.
Não temos adversários que mereçam uma declaração de guerra moral da nossa parte. Que havemos de fazer quando a experimentação juvenil domina uma assembleia? Como confiar-nos à ideia de sustentar a luta franca com a loucura ou com a irresponsabilidade? Poderemos obrigar um cego a ver de súbito? Ainda que a luz se faça refulgente ao redor dele, é imprescindível a restauração da potência visual para que consiga registrar a claridade em que se banha.
Se trinta anos de trabalho, sucessivos e vigorosos, não conseguem demonstrar a intensidade do nosso devotamento ao serviço, sob que bases disputar o reconhecimento da justiça àqueles que a não percebem?
Reconheço que as suas energias transbordam com o viço da mocidade plena. Não há velhice para quem se confia ao serviço incessante. E em razão disso sei que a aposentadoria é uma ideia sumamente desagradável ao seu espírito, entretanto, acredito que um acordo seria a providência mais desejável. A nossa questão é de tempo. E não será aconselhável que as suas forças se despenhem sobre os princípios da agressividade contra agressividade, do golpe por golpe, do sarcasmo por sarcasmo.
Você ainda não deu ao mundo tudo o que você pode lhe dar. Suas energias mais elevadas estão na epiderme da sua capacidade de mais alta adaptação à prova de fé e renúncia. Há verdadeiros mundos de alegria, de educação e de elevação para construirmos. E se você puder conservar intacto o seu patrimônio de Evangelho, laboriosamente conquistado nos últimos anos, reconhecerá quanta felicidade existe em esperar agindo, sem desesperar desanimando.
Preservemos a sua saúde. Dominemo-nos, na zona emocional, com toda a nossa capacidade de autocontrole. Parlamentemos com serenidade e saibamos pedir com dignidade, sem revolta. E aguardemos. Nossos elementos de auxílio estão funcionando e contamos também com a manifestação do amparo superior. Mas, de qualquer modo, não percamos a bússola da confiança em Jesus e em nós mesmos. Se alguma defesa pudermos mobilizar, seja ela a defesa pacífica das relações e intercessões que cooperem conosco dentro da nobreza necessária. Defesa silenciosa, sem alarde e sem clarins. Mais vale queimar o derradeiro cartucho com honra que sermos colhidos em gritaria no campo onde fomos conduzidos a batalhar. Raciocinemos com o equilíbrio máximo, reconhecendo que nós mesmos somos obra e pertence de Deus e, agindo com o bem, aguardemos o amanhã.
Diversos amigos se encontram presentes à nossa reunião desta noite, destacando-se os dois Mários, o Carneiro e o Telles, que cumprimentam você pela fidelidade ao próprio ideal. Todos estamos agindo e confiamos em você, em sua boa vontade e em seu bom senso.
O nosso receitista é de opinião que você use por 5 a 6 dias, alternadamente: Kalmia L. 5ª, Chelidonium 5ª, China Of. 5ª e Iodium 5ª. Através dos nossos serviços magnéticos, inclusive o da água, suas forças receberão as nossas.
Viajemos sem inquietações destrutivas. Imaginemo-nos numa excursão de refazimento e estejamos certos de que o “melhor” nos favorecerá. Conto com a fortaleza de nossa querida Maria para que o seu espírito se reabasteça de otimismo e serenidade. Recordemos nossas possibilidades de ajudar a milhares e guardemos a certeza de que “o Senhor é nosso pastor e nada nos faltará”. (Sl
Façamos alguns centímetros da resistência e da cooperação no trabalho em que se envolvem os nossos compromissos e Jesus fará o resto por nós. Nada de pessimismo, de derrota, de expectação angustiante. Encaremos o sol e contemplemos os lírios do campo. Isso não é convite à preguiça e sim apelo à calma. Que Deus nos proteja para que saibamos proteger-nos.
Não posso solenizar esta hora como se fosse demasiadamente diversa das outras. Aqui nos encontramos na comunhão habitual dos que confiam nas mesmas realizações e nos mesmos fins e, em razão disso, somente posso repetir: haja o que houver, estaremos juntos.
Qualquer distância se compõe de muitos pontos, de muitos passos ou de muitos quilômetros — assim também qualquer questão se baseia em muitos ângulos, em muitos aspectos, em muitas fases e em muitas operações de resultado. Não nos achamos diante do inevitável. Estamos à frente de um problema e na solução dele cabe-nos agir com os elementos de nosso aprendizado.
Estimaria escrever ainda muito, em vista das circunstâncias em que nos encontramos submersos, mas é preciso terminar esta carta no papel para prosseguir com a permanente mensagem de carinho e amor, amizade e confiança que continuo a grafar no coração de vocês em letras vivas do sentimento e do pensamento. Graças a Deus, a perseguição não nos venceu até agora. Caminhemos, pois, para adiante, persistindo no bem até o fim.
Reunindo vocês no meu grande e carinhoso abraço de papai e de vovô sempre reconhecido, deixo a você, meu filho, nesta noite, como em todas as outras, todo o meu coração paternal e amigo,