Colheita do Bem

Capítulo XXI

Há 15 anos



07/09/1949


Meus caros filhos, Deus abençoe a vocês todos, concedendo-lhes muita paz, alegria e saúde.

Hoje, meu caro Rômulo, esta carta, a bem dizer, é quase que exclusivamente dedicada ao seu coração. Estimaria fosse o nosso amigo Emmanuel o signatário dela, entretanto, em sua feição de companheiro, acentuou deveria ser eu mesmo a quem compete a satisfação de endereçá-la ao seu espírito, lembrando a importância de que se reveste para nós o reerguimento da jovem senhora obsedada.

Reportar-me-ei , quando você procurou, mais seguro de si mesmo, a fonte do Espiritismo cristão. Esse fato é recordado por Emmanuel com grande carinho e interesse por mostrar o valor de sua aquisição.

Nessa época, de mim mesmo, estava em organização da “grande viagem”, mas no desprendimento parcial do corpo físico, segundo os conhecimentos que vim retomar aqui, mantinha com você alguns entendimentos que lastimo não serem realidade muito antes, quando as energias da carne ainda me favoreciam para agirmos mais juntos de imediato.

Nesse tempo, 1934, você buscava o manancial à maneira do jovem entusiasta que procura situar as possibilidades em educandário de acesso difícil e o nosso amigo esperou-o para se fazer sentir ao seu coração pela primeira vez, ansioso mesmo, em face do amor que nos dedica, de oferecer-lhe um campo mais alto de luta, qual seja o do Evangelho. Você entrou na lavoura nova, auscultou-lhe as possibilidades, sobraçou ferramentas diversas e usou-as, semeou, adubou e colheu, associando a nossa querida Maria e os filhinhos à experiência sublime para a felicidade de nós todos.

Quinze anos transcorreram de estudos, de aplicação, de cooperação, de esforço e, agora, com o auxílio divino, uma luz brilha em seu coração para traduzir-se em socorro através de suas mãos. Graças a Deus, você hoje pode mobilizá-la a benefício de todos os sofredores. Ao doente, será medicação; ao triste, reerguimento; ao desesperado, equilíbrio; ao desalentado, estímulo; ao bom, ajuda para que se faça melhor; ao mau, incentivo para que se regenere; ao aflito, repouso; ao agonizante, libertação; ao prisioneiro, novo caminho. Está em suas mãos uma ferramenta completa. De você mesmo dependerá o estacionamento ou a prosperidade que lhe diz respeito. Certo, o estudioso da Doutrina dirá que o assunto resume-se à liquidação de compromissos assumidos. Sim, isso é indubitável, entretanto, porque muito raros se devotam às próprias responsabilidades livremente aceitas é que aparecem obstáculos mais fortes ao progresso do homem e do mundo.

Felizmente, e sou dos primeiros que se rejubilam com o acontecimento, há uma aquisição definitiva efetuada por sua individualidade eterna. É o dom de curar.

O caso da jovem enferma de Pedro Leopoldo, ainda mesmo que se degenere agora em novos casos de perturbação orgânica por deficiência do meio ou dela mesma, representa um marco brilhante de consolidação do seu esforço.

Ali não apareceu, de propósito, nenhum recurso que favorecesse a sua ação pessoal no assunto, excetuada a colaboração do Alto, com a qual contaremos todos, em todas as circunstâncias. E o seu desejo sincero de acertar, vitalizando a sua força curativa equilibrada, realizou o serviço a que nos propúnhamos, restabelecendo as energias de humilde e valiosa mãe de família, cuja personalidade, em noventa por cento de suas atividades e potências, já se haviam transferido para a Esfera próxima. Rendo graças a Jesus, que concede a você o “talento”, e espero que ele seja para você e para Maria uma lâmpada gloriosa.

Grande é a jornada a percorrer e devemos semear ainda em grande escala nos campos variados do bem, antes de nos fixarmos nas searas definitivas diante da Eternidade.

Creiam que há uma porta diferente a descerrar-se, através da qual penetrarão juntos na infinita sementeira do socorro ativo aos semelhantes. Onde você estiver, de agora em diante, pode abrir a oficina da assistência cristã em nome do Senhor, que nos assiste.

Até agora o seu espírito, na expressão mais íntima de sua formação e experiência através dos séculos, sempre pesou e analisou, acima de tudo, o grupo no homem. Todavia, de agora para a frente, você observará e estimará, com mais calor, o homem no grupo. A administração, sempre respeitável e gloriosa pelos bens que pode dispensar e multiplicar com todos, oferece estudos mais profundos. Enquanto permanece mais acentuada nas lutas educativas da vida temporal, é a ideia do conjunto que domina, é a “união de todos”, ainda que em regime de compulsória — as linhas ascendentes do esforço. Contudo, quando a administração se desloca para os interesses eternos, a individualidade se destaca no conjunto para sofrer-lhe as fraquezas e deficiências, tornando-se pelo trabalho a todos, no bem comum, mais nítida e venerável. Temos a comparação entre o que governa uma nação e o Cristo, que rege o mundo. Aquele que dirige um povo é respeitável e se salienta pelo equilíbrio com que arregimenta todas as forças ao seu alcance, no engrandecimento coletivo, enquanto que em Jesus vemos o Governador da Terra, sozinho e imolando-se, participando da multidão e sobrepondo-se a ela, amparando-se com os mais fracos e revelando-se, isoladamente, o mais forte, revelando no sacrifício de si mesmo “por todos” a felicidade mais alta e a glória maior.

Não desejo dizer que as transições dessa natureza sejam bruscas. Não. Ofereço a você esta carta por elemento de estudo e meditação, porque naturalmente um dom dessa natureza pede espírito de iniciativa, de autodeterminação e de independência de ação, a fim de beneficiar a humanidade em sua marcha.

Estamos festejando no coração a sua vitória, filha do esforço, da perseverança, do trabalho e, por que não dizer, do amor ao próximo, porque somente sob a inspiração desse sentimento divino pode alguém esquecer a si mesmo e devotar-se ao bem dos outros.

Emmanuel, presente, recorda que o seu triunfo é simbólico. Sua autoeficiência começou num leito de mãe moribunda e obsidiada, cujos filhinhos clamavam por seu regresso à normalidade. Não poderemos enxergar o símbolo da própria humanidade a sofrer a dominação de tremendas forças perturbadoras, com o futuro a reclamar-lhe reestruturação espiritual?

Deus abençoe a você para que das singelas paredes daquele lar, onde a necessidade surgiu sem notas de personalismo ou de preferências pessoais, possa sua missão estender-se, multiplicando-se em bênçãos e luzes para muitos, e que Jesus conceda ao seu coração e à nossa querida Maria forças a fim de prosseguirem, caminho afora, sempre mais juntos no sagrado ministério de dar para receber, de iluminar para a obtenção de mais luz, de crescer para que o Sol divino lhes favoreça a elevação mais ampla.

Com esses pensamentos, encerro esta carta. Em cada linha escrita permanece a substância de todos os meus ideais e esperanças em vocês, no presente e no porvir. Abençoados sejam.

Abraços muito afetuosos do papai que não os esquece,




Nota da organizadora: Vovô Arthur desencarnou no dia 14 de dezembro de 1934.