Colheita do Bem

Capítulo LXXX

No trabalho pacífico



28/03/1951


Meus filhos, Deus abençoe a vocês, conferindo-lhes muita saúde e paz, bom-ânimo e alegria na senda salvadora em que marchamos para diante.

Sem dúvida, o nosso assunto da noite não podia fugir às teclas do momento. Assunto que, como é natural, vagueia invisível em nossas conversações a esgueirar-se sobre os nossos pensamentos, à maneira de preocupação envolvente e obsecante. É compreensível que assim seja. a visitação da maldade possui a influência de uma pedra pesada sobre o lago tranquilo. Perturba a superfície, determinando transformações que não conseguimos calcular. Não hesitemos em afiançar e reconhecer que estamos à frente de uma tempestade. No alto, não longe de nossas cabeças, se avolumam pardacentas nuvens cuja posição não podemos, por enquanto, identificar.

O que se torna verdade concreta, meu caro Rômulo, é a dissensão política nos setores administrativos mais avançados. Os entendimentos se multiplicam, contudo, os cérebros não se afinam. E enquanto isso sucede a calúnia habilidosa dos mais audaciosos no “assalto legalizado” aos bens públicos envenena opiniões aqui e ali, provocando perturbações vultosas e desagradáveis. O nosso caso se acha focalizado. Processo aberto, livro descerrado e documentação no exame de muitos que nada conhecem da matéria em que administram e legislam.

Esperemos os resultados. Quem pode imaginar o que seja a tempestade antes de sua manifestação? Assim nos achamos ao seu lado e preferimos a posição do servo oculto que se desvela no desempenho das obrigações que lhe dizem respeito, com boa vontade e contentamento.

Não há, porém, mistério para você na questão. O partido imperante quer estender-se, proliferar, impor-se e fortalecer-se e, para esse fim, lança braço a todos os recursos. Começa por seus representantes mais graduados, a fazer-se sentir em muitos campos de nossa atividade, e pretende conduzir, muito longe, a sua bandeira de conquistas e realizações. Não temo, desse modo, por vocês, considerando-lhes a ação espiritual. Sei que conhecem o terreno em que pisam e guardam-se incapazes de cometer as leves e pesadas faltas da imprudência. Sob o ponto de vista de abrigo interior, a situação nossa é excelente. Mas ninguém pode imaginar o que seja a ventania destruidora, quando sopra na floresta, sibilante e terrível.

Hora de muita serenidade e calma a que estamos atravessando. Momento de observar, intensamente, pensar bastante e falar muito pouco, a fim de que nos mantenhamos com a possibilidade de servir, continuar a servir ou retomá-la em qualquer tempo. Esperemos os fenômenos, conscientes de que o Mestre não nos abandona. Por enquanto, não encontrei alteração nenhuma no caso em estudo. Sinto que a crueldade nos visita de tão perto, entretanto, sei que nada existe no Universo sem uma função determinada. Devemos repetir, contudo, que os obstáculos surgidos procedem da corrida aos postos diretivos, da ganância pelos cargos e pelas posições-chave de administração do pessoal, em serviço público. Há escolas partidárias que arregimentam por cima, ao passo que outras se mostram operosas e seguras, mas atuando em baixas esferas de luta. As primeiras acordam as opiniões dignas, a análise desapaixonada, a nobreza intelectual e o patriotismo robusto. As segundas, porém, despertam a indisciplina e a má-fé, a desconfiança e a instabilidade, a discórdia e o antagonismo gratuitos. E quando temos a infelicidade de contar com o raciocínio menos claro nas cabeças que dominam no quadro coletivo sofremos, em verdade, grandes alterações.

Vejamos os dias próximos. Há sementeiras de frutos e de espinhos, de exemplos edificantes e amargas desilusões. A nossa pátria está na posição de quem semeia a atualidade. De qualquer modo, rogo a vocês muita calma e coragem ante as nuvens volantes das conversações inoportunas.

Tenho apreciado com muita alegria, meu caro Rômulo, a renovação íntima de que você vem dando testemunho. Sua mente, de maneira real, conseguia sublimados valores novos. A princípio, temi por seu órgão central, mas logo após rejubilei-me. Você prossegue firme debaixo do granizo e do vento. Isso mesmo. Nenhuma atividade diferente dessa nos seria útil nas horas que se vão distanciando. Há momentos, meu filho, nos quais, ainda mesmo que estejamos na cruz, deve a nossa visão alcançar mais longe. Não acredite na ausência do trabalho, seja em qualquer circunstância. Não dê guarida a pensamentos tristes ou desalentadores. Mais tem Jesus para dar-nos que o demônio para subtrair de nós, em qualquer parte.

O seu e nosso problema fundamental na hora em curso reclama apenas duas equações distintas: saúde e paz. Nada de temores vãos, de preocupações doentias ou de dificuldades que apenas se mostram, sem aparecerem de todo. Jesus guarda o poder de tudo fazer e tudo renovar para o supremo bem e cabe-nos esperar por ele. Até que a estrada se esclareça, dividamos os ouvidos entre o Céu e a Terra, e aguardemos. Os dias são perguntas e respostas entre uns e outros. Agora perguntamos, amanhã seremos esclarecidos. Haja o que houver, contem conosco, porque o nosso afeto imutável permanecerá com vocês em todas as circunstâncias.

A luta para edificar e reedificar é nossa conhecida de muito tempo. E conservem a paciência e a alegria nas almas, na certeza de que todas as realizações se fazem mais facilmente concretizáveis, com a serenidade e o otimismo em nossos corações. Estarei com vocês mais frequentemente no programa “mais unido”.

Com referência à nossa Martha, sigamos auxiliando-a com as nossas orações. Se fôssemos anotar todas as expressões da diagnose nos casos de saúde, numerosos e complexos que nos procuram, incentivaríamos as enfermidades ao invés de curá-las. Os micróbios, os vírus e os fungos são realidades insofismáveis. Os médicos são outros de cuja existência e competência não nos cabe duvidar. Mas se prendemos nossa atenção no mundo dos sintomas, em que tanta gente boa vive obsecada, nada mais teríamos a fazer que deitar o mundo num leito astronômico e cogitar tão somente de serviços hospitalares. Hoje, digo que mais vale a fé que modifica, reestrutura e tonifica que a medicação alarmante e suntuosa que auxilia a doença a fixar-se com mais calor. Vocês, nesse sentido, assinalam grande progresso. Que o Divino Médico nos conserve em sua renovadora luz.

Ao Roberto, os meus “parabéns” pelo noivado. Em breve, hei de escrever-lhe uma carta mais cuidada, com relação aos deveres novos. Espero que o meu neto continue muito forte, muito esperançoso e muito feliz!

E agora, com a alma integrada com as preocupações e esperanças de vocês, devo despedir-me por hoje. Caiam sobre nós as graças do Senhor, assim como a chuva sobre a terra sedenta. E que a fonte celeste nos sustente, ajude e reanime são os votos muito sinceros do papai, que lhes deixa um carinhoso abraço com todo o coração,